Por que olhamos tanto para o Ocidente? Um retrato atual sobre a política e a cultura no Brasil


A razão está no fato de o Brasil ser um país profundamente ocidento-cêntrico, ou seja, um país que culturalmente se acostumou a olhar quase que exclusivamente para os desenvolvimentos na Europa e em especial nos Estados Unidos. Concorrentemente, a influência cultural ocidental – e sobretudo a americana – é inegavelmente muito grande no país. Por certo, tal situação se deve ao papel predominante na economia global exercido pelo Ocidente a partir de meados do século XIX, assim como pela herança luso-católica do Brasil.
Quando o Brasil, por sua vez, se tornou independente em 1822, o Ocidente já havia conseguido se projetar bastante em termos globais, o que veio a ser confirmado pouco mais de um século depois, quando países como França, Grã-Bretanha e Estados Unidos foram alguns dos principais responsáveis pela articulação da Ordem Mundial do pós-guerra. Apesar dessa ordem hoje estar em declínio com a ascensão da multipolaridade nas relações internacionais, o Ocidente ainda é muito influente em termos culturais e econômicos.
Entretanto, esse domínio ocidental testemunhado ao longo dos últimos dois séculos trata-se, na verdade, de uma aberração histórica. Antes, o centro geopolítico do globo encontrava-se na Ásia, tanto por razões demográficas quanto pelos recursos de poder contidos no continente. O mundo tradicionalmente sempre foi Ásia-cêntrico até o surgimento da Revolução Industrial, que permitiu ao Ocidente deter um papel determinante na política econômica internacional. Contudo, agora vemos o centro de gravidade das relações internacionais voltando a seu lugar de origem, a Ásia, por conta da ascensão chinesa, do retorno da Rússia como grande potência e de uma Índia cada vez mais assertiva nos assuntos globais. Este trata-se de um processo normal e irreversível.
Nos últimos dois séculos, os países industrializados do Ocidente acabaram enriquecendo de forma bastante rápida por meio da exploração colonial e da expansão de seus impérios pelo planeta, apesar de deterem uma parcela pequena da população global. A partir desse enriquecimento, países ocidentais como França (séculos XVIII e XIX), Grã-Bretanha (século XIX) e Estados Unidos (século XX) conseguiram usar seu poder econômico e militar para não só projetar-se politicamente, como também para projetar sua língua e culturas ao redor do globo, o que não deixou de afetar o Brasil. Para se ter uma ideia, para ser um diplomata no Itamaraty uma pessoa precisa deter o domínio dos idiomas inglês e francês, apesar de a França nem de longe representar a potência que um dia fora. Afinal, já faz tempo que Napoleão Bonaparte perdeu a batalha de Waterloo.
Seja como for, mesmo para o Brasil não há como escapar das consequências de um mundo que vem se tornando novamente Ásia-cêntrico. Hoje nosso principal parceiro comercial é a China, além do fato de fazermos partes de iniciativas cujo núcleo principal encontra-se justamente na Ásia, como é o caso do BRICS. Atualmente, a China afeta muito mais a economia brasileira do que os Estados Unidos, apesar de os americanos ainda possuírem quase monopólio cultural sobre o Brasil, devido ao ensino da língua inglesa e, não menos importante, por conta de seus produtos audiovisuais (músicas, filmes, séries, redes sociais etc.). Por outro lado, temos a Europa, que ainda domina o mercado global de turismo, com muitos brasileiros sonhando em passear ou mesmo viver nos países do Velho Mundo. Ainda assim, não é surpresa que os Estados Unidos sejam o país que mais abriga brasileiros no exterior, seguido por outros destinos ocidentais como Portugal, Irlanda, Canadá, Austrália, Espanha, Alemanha, França, entre outros.
Voltemos então aos aspectos político-culturais que conectam o Brasil ao Ocidente e em especial aos Estados Unidos. Inegavelmente, existe um processo de transmissão quase que automática das agendas sociais e políticas estadunidenses para o cenário nacional brasileiro (e isso vale tanto para a esquerda quanto para a direita). Para onde quer que se olhe, ou mesmo de onde se olhe, o Brasil é fortemente – e passivamente – impactado pelos desdobramentos culturais e políticos dos Estados Unidos.
A esquerda brasileira, em vários aspectos, é influenciada diretamente pela confusa agenda Woke norte-americana e pelas políticas identitárias patrocinadas pelo Partido Democrata; enquanto isso, a direita brasileira importa elementos do trumpismo (vide a invasão ao Capitólio em 2021 e a invasão à Brasília em 2023) assim como a retórica republicana extremadamente anti-China, anti-islâmica e de viés econômico liberal e belicista.
Em suma, tudo isso serve para dizer que, se observarmos de perto, chegamos à conclusão de que as forças políticas no Brasil (seja à esquerda ou à direita do espectro ideológico) possuem muito pouca autonomia intelectual, sendo facilmente permeada pelas tendências e discussões surgidas nos Estados Unidos. Seja a América criticada por suas políticas imperialistas ao redor do mundo ou por representar – para alguns – um modelo de “liberdade” e de democracia, é de lá que o Brasil importa quase todas as suas pautas políticas. Diante desse contexto, e com uma mídia que também recebe suas principais linhas editorais a partir do Ocidente, temos uma situação de mais alto risco para a soberania cultural do Brasil.
Já foram iniciadas as primárias do Partido Republicano nos Estados Unidos, por exemplo, processo esse que se estenderá até a metade do ano. Em novembro, um novo presidente americano será eleito. Já se espera, por exemplo, que essa seja uma das pautas prioritárias das reportagens no Brasil pelos próximos meses. Mas será mesmo que precisamos observar absolutamente cada passo desse processo? Será que nos impacta de fato cada processo, cada discurso, cada discussão dos pré-candidatos de nosso vizinho do Norte?
A questão aqui não se trata de abandonar de vez o noticiário ocidental ou as polêmicas que ele suscita. Mas sim de equilibrar o nosso olhar para o mundo, de enxergar também outras regiões e civilizações de nosso rico planeta. O Brasil é um país plural. Pena que nossa atenção não seja.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.

Fonte: sputniknewsbrasil

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