Quinta-feira marca o 90º aniversário da proclamação de 20 de abril de 1933 pelo presidente Franklin Roosevelt (FDR) sobre a suspensão da conversibilidade de notas de dólar em ouro, a nacionalização de estoques privados do metal precioso e a suspensão efetiva do padrão-ouro, com dólares conversíveis em ouro apenas em transações internacionais oficiais a partir de então.
Duas semanas antes, em 5 de abril de 1933, Roosevelt emitiu uma ordem executiva exigindo que os norte-americanos entregassem todas as moedas de ouro, ouro ou certificados de ouro que possuíam ao banco afiliado ao Federal Reserve (Fed) mais próximo. Qualquer um que não o fizesse poderia enfrentar uma pesada multa de US$ 10.000 (cerca de R$ 50.491) — US$ 230.000 (aproximadamente R$ 1,1 milhão) em valores corrigidos — dez anos de prisão ou ambos.
O que motivou a decisão?
Em seu primeiro discurso no Fireside Chat — uma série de discursos noturnos transmitidos por rádio do presidente falando à beira da lareira — em março de 1933, Roosevelt explicou, nas primeiras semanas de sua administração, como os Estados Unidos sofreram uma série de corridas bancárias tão severas que mesmo “os bancos mais sólidos não conseguiam dinheiro suficiente para atender à demanda“.
Seguindo o conselho do economista George Warren, Roosevelt retirou os EUA do padrão-ouro, o que, esperava-se, reduziria a volatilidade do mercado e dos bancos, diminuiria as restrições aos gastos do governo, ajudaria a restaurar o decadente setor agrícola dos Estados Unidos e acabaria com a Grande Depressão que começou com a quebra da bolsa de valores em outubro de 1929.
Um ano depois, com a aprovação da Lei da Reserva de Ouro de 1934, o presidente recebeu o poder de determinar por proclamação o valor do ouro norte-americano em relação aos dólares. Roosevelt acabou aumentando o preço estatutário do ouro de US$ 20,67 (cerca de R$ 104,29) por onça troy para US$ 35 (aproximadamente R$ 176,55), desvalorizando assim o valor do ouro do dólar em 59% do preço estabelecido pela Lei do Ouro de 1900 e desvalorizando as notas do Fed lastreadas no metal precioso.
Os EUA começaram a desvincular sua moeda do ouro bem tarde em relação a outras grandes economias, com Grã-Bretanha, Alemanha e Áustria, Austrália, Nova Zelândia e Canadá fazendo isso em 1931, e França, Países Baixos, Suíça, Tchecoslováquia, Bélgica e outros países completando o processo em meados da década de 1930. A União Soviética foi uma das últimas grandes economias a abandonar o ouro, fazendo-o em 1961 (embora, na prática, a conversibilidade só fosse possível no comércio exterior).
Os EUA progrediram com dificuldade com seu padrão quase-ouro até 15 de agosto de 1971, quando o governo Nixon, citando uma crise econômica e uma inflação desenfreada, anunciou que os Estados Unidos não converteriam mais dólares em ouro a um valor fixo, anulando assim o padrão-ouro como um todo. O presidente Ford suspendeu as restrições à compra e propriedade privada de ouro no final de 1974, após o que se tornou um hedge popular de longo prazo contra a inflação.
A aposta foi um sucesso?
Sim e não. Sair do ouro, combinar novos gastos com infraestrutura, o surgimento de novas agências federais, regulamentações bancárias, alívio para os desempregados e seguridade social para idosos ajudou os EUA a se recuperarem da Depressão, com o país restaurando seu produto interno bruto (PIB) da era pré-crise no final da década de 1930. Mas foi a Segunda Guerra Mundial que pôs fim à Grande Depressão para sempre, pois milhões de novos empregos relacionados à defesa foram criados, e os EUA se tornaram a única grande economia não diretamente afetada pela guerra. A riqueza reprimida e o poder de compra ajudaram a assegurar o boom pós-guerra dos Estados Unidos, que durou mais de duas décadas.
No longo prazo, os EUA enfrentaram algumas das desvantagens do uso da moeda fiduciária, incluindo inflação (um dólar em 1933 equivale a mais de US$ 23 hoje — R$ 115,89) e gastos governamentais fora de controle. Esses impactos levaram muitos anos para serem sentidos pelos americanos comuns, porque durante décadas após a Segunda Guerra Mundial, os EUA conseguiram aproveitar o status de moeda de reserva mundial de fato do dólar para continuar introduzindo trilhões de dólares adicionais na economia sem sofrer, Wiemar hiperinflação ao estilo da Alemanha. No entanto, um número crescente de observadores agora está confiante de que o lugar do dólar sob o sol está chegando ao fim, o que significa que a capacidade do governo de aumentar continuamente os gastos e a dívida também pode estar chegando ao fim.
Retorno ao ouro?
“Estamos em uma situação em que se tornou mundialmente reconhecido com a falência do Banco do Vale do Silício [SVB] que os títulos do Tesouro dos EUA, que eram considerados investimentos sem risco, não são tão ‘sem risco’ quanto se pensava”, disse o Dr. Linwood Tauheed, professor associado de economia na Universidade de Missouri-Kansas City.
“E assim vemos que, em tempos de inflação, a ideia é que as pessoas devem comprar ouro porque o ouro vai manter seu valor à medida que os dólares diminuem em seu poder de compra“, explicou Tauheed, falando com Garland Nixon, da Rádio Sputnik, no The Critical Hour de quarta-feira (19).
O que há de novo na situação atual, segundo o professor, é que as pessoas estão começando a ver o ouro não apenas como uma proteção contra a inflação, “mas também uma proteção contra o aumento das taxas de juros do Federal Reserve para combater a inflação”. Em outras palavras, o metal precioso está sendo visto como uma resposta “a qualquer instabilidade no sistema, particularmente a instabilidade causada pelas ações do Federal Reserve, que supostamente tem o mandato de estabilizar a economia”.
“E então está ocorrendo uma fuga dos títulos do Tesouro. As pessoas estão dizendo, você sabe, eu invisto nos títulos do Tesouro quando, se o Fed aumentar a taxa de juros, o valor de face desse título, o valor de revenda desse título diminui? Ou eu invisto em ouro, que supostamente manterá seu valor apesar do que o Tesouro e os dólares fazem? Então, estamos aprendendo que há uma incoerência no sistema, mesmo em relação a algo como o ouro”, disse o Dr. Tauheed.
O acadêmico alertou que, com a possível fuga dos títulos do Tesouro, o governo norte-americano pode ter mais dificuldade para financiar sua dívida e seus gastos.
Períodos de instabilidade como o que vivemos hoje podem muito bem ver o retorno das restrições à propriedade privada do ouro.
Também no nível internacional, os esforços para recorrer ao ouro para escapar da hegemonia do dólar ou de outras moedas fiduciárias podem estar repletos de riscos extremos. O líder líbio Muammar Gaddafi provou isso, com sua ambiciosa ideia do “dinar de ouro” — uma moeda pan-africana lastreada em ouro que ameaçaria o dólar e o franco francês, sem dúvida uma das principais razões por trás da brutal operação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 2011, para derrubá-lo.
Fonte: sputniknewsbrasil