Se antes era uma estratégia, hoje é o retrato da competência. Estudos recentes da Boston Consulting Group (BCG) indicam que os carros produzidos na China são baratos porque nascem em um ambiente de produção de baixo custo. Não encontramos em nível global baterias e eletrônica produzidos de forma mais econômica num processo altamente verticalizado, com fornecedores integrados em fábricas novas e modernas, todos aliados a plataformas modulares e com foco na otimização dos preços.
Afinal, os tempos são outros. Antigamente, preço baixo era sinônimo de corte de equipamentos ou qualidade dos itens do veículo. Nos anos 1990, o Brasil teve que incluir uma regulamentação mínima para incluir espelhos retrovisores no lado do passageiro ou ao menos uma luz de marcha a ré… As empresas abusavam mesmo!
Hoje, mesmo os carros mais simples de fabricação nacional têm trio elétrico, ar-condicionado de série e tantos outros equipamentos incluídos por força de lei, como o ABS. No entanto, os veículos chineses conseguiram virar esta chave. Chegam ainda mais completos pelo mesmo preço, ou por valores menores do que os similares nacionais.
E isso não ocorre por mágica. É resultado de um trabalho orientado e de um planejamento de longo prazo. O atual setor automobilístico chinês tem identidade, qualidade e tecnologia. O governo daquele país desenvolveu a infraestrutura e a logística, investiu em educação e, por conseguinte, na indústria.
Para decepção de muitos, este não é um caso único. Muito menos significa um problema. Todos os mercados que tiveram desenvolvimento de seu parque fabril automobilístico em nível mundial tiveram envolvimento direto dos seus governos em investimentos e planejamento.
Não à toa, decisões do governo chinês nos últimos 25 anos fizeram com que o país se tornasse a potência que é. Decisões regulatórias, políticas públicas e estratégias comerciais, isoladas ou em conjunto, desenvolveram o potencial da indústria e diminuíram os custos da base da cadeia produtiva.
No processo de eletrificação, a indústria chinesa foi pioneira na massificação do uso de baterias e atualmente detém, de forma única, alguns dos processos mais relevantes na tecnologia das baterias de íons de lítio. Com redução do custo por kWh, escala e tecnologia, uma montadora do país dificilmente será superada por uma fabricante ocidental.
Outro fator determinante é a verticalização da indústria e dos ecossistemas vinculados a ela. Enquanto o modelo tradicional depende de uma rede complexa de fornecedores independentes, os grupos chineses integram quase todos os processos internamente, desde a célula da bateria, passando pela eletrônica embarcada e chegando até o desenvolvimento do software. Este processo produtivo deixa menos intermediários, produz menos logística, causa menos variação no preço e, por fim, reduz custos.
As novas e modernas fábricas, construídas especificamente para as plataformas modulares numa indústria verticalizada com alto grau de automação, conseguem produzir mais por um menor custo. Plantas antigas, tradicionais, pelo próprio tempo de uso, exigem maior manutenção e a adaptação a nova realidade do mercado demanda investimentos que, no fim, elevam os custos de produção.
Fabricar diferentes versões é igualmente caro, por aumentar a complexidade da produção. A indústria tradicional já se movimentou nos últimos 15 anos nesse sentido, enxugando a oferta de opcionais nos veículos aqui produzidos, mas, de qualquer forma, a indústria chinesa parecer ser insuperável neste quesito ao oferecer produtos extremamente bem equipados a baixos custos.
Para completar, os tempos são outros. Era comum observarmos veículos chineses 10 ou 15 anos atrás já carregados de equipamentos de série. Mesmo assim, o consumidor da época tinha nítida preferência pelos veículos aqui produzidos ou importados de outras países mais tradicionais. Os veículos chineses não eram nada competitivos e carregavam o estigma de uma indústria de baixa qualidade.
Mas as empresas chinesas evoluíram, e não vieram para brincar. Acostumada a margens conservadoras e certo domínio do mercado, a indústria tradicional se viu repentinamente ameaçada por essa nova indústria, em especial para o mercado de carros e comerciais leves eletrificados (por enquanto) que tem por foco margens menores e volume.
No entanto, a confiança do consumidor nas marcas chinesas está num período de crescimento; e este processo não é simples. Passa obrigatoriamente por outras fases, como a consolidação da rede de concessionárias, fornecimento de peças, oferecimento de serviços com qualidade e agilidade, atendimento ao consumidor e respeito às leis brasileiras.
Todos estes fatores serão determinantes para a aceitação do cliente e para a credibilidade da marca — que passa também pelo valor residual do produto e custos de manutenção, fatores determinantes para que não caia em desgraça.
Hoje a indústria chinesa é respeitada e tem uma participação de mercado entre os veículos de passeio perto dos 10%, podendo facilmente aumentar esta participação para 15% no curto prazo.
Em suma, nos últimos 15 anos a indústria automobilística chinesa renasceu para ser tecnológica, eletrificada, com design próprio, trazendo inovação de ponta e, principalmente, se utilizando de produtos acessíveis e competitivos para competir diretamente com a indústria tradicional.
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Fonte: direitonews