Por dentro de Dzaleka: como é a vida em um dos maiores campos de refugiados da África?


O episódio desta sexta-feira (5) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, foca a realidade desse campo de refugiados, que possui cerca de 60 mil residentes.
Para trazer o dia a dia do campo, os apresentadores entrevistaram o jornalista e narrador esportivo Evaldo José, que também atuou durante muito tempo como coordenador pedagógico na educação básica.
O repórter conta que chegou ao país através de uma proposta para ficar apenas 20 dias coordenando uma proposta pedagógica para as crianças do acampamento. O tempo, no entanto, foi passando, e a escola abriu no final de 2019. No ano seguinte veio a pandemia, e Evaldo morou no país por seis meses.
“Por opção, eu poderia ter voltado naquele último voo que rolou antes dos aeroportos serem fechados totalmente, mas eu fiz a opção de permanecer.”
Localizado a apenas 41 km da capital, Lilongwe, o campo de Dzaleka surgiu como uma forma de receber as pessoas que fugiam da Guerra Civil de Ruanda, explica José. Com o passar dos anos, no entanto, mais e mais refugiados foram chegando de conflitos ao redor, como os que atingem a República Democrática do Congo e Moçambique.
Prédio da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês) parcialmente destruída por militares israelenses sob a justificativa de encontrarem túneis usados pelo Hamas nas proximidades. Faixa de Gaza, 8 de fevereiro de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 19.03.2024

Isso faz com que o campo tenha uma diversidade muito grande de pessoas e culturas, afirma José. As escolas montadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) atendem crianças que têm “dialetos, religiões, culturas e costumes completamente distintos”.
De acordo com as Nações Unidas, que rege a alimentação de Dzaleka através da Organização para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), com a pandemia e a irrupção de conflitos no Oriente Médio nos últimos anos, muitos dos recursos antes destinados a Dzaleka foram redirecionados para outras regiões.

“Então ela não consegue hoje entregar a todos os refugiados — são quase 60 mil que moram em Dzaleka —, a ajuda de US$ 5 [R$ 27,34] por mês”, destaca José.

Esse valor coloca os beneficiários abaixo da linha da pobreza extrema definida pelo Banco Mundial, que é de US$ 1,90 (R$ 10,39) por dia.
A situação humanitária é piorada pelo fato de que “esse é o único campo de refugiados do mundo em que a ONU celebrou um acordo com o país local [que diz] que o refugiado não tem direito ao trabalho“.
“E olha que no campo há médicos, advogados, engenheiros, artistas, enfermeiros. Tem todas as profissões dentro do campo. Gente que, por uma razão que está acima da sua vontade, teve que deixar o seu país. Esses profissionais, muitas vezes gabaritadíssimos, eles não podem trabalhar.”
Voluntária carrega saco de grãos distribuído pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) - Sputnik Brasil, 1920, 29.12.2023

De acordo com Evaldo José, essa restrição do governo malawiano se deu como forma de tentar proteger a própria população. “É um país que tem uma longevidade muito baixa, tem uma média de vida em torno dos 50 anos. Estou falando de um índice de desemprego alto, de uma condição socioeconômica muito comprometida.”
“E aí isso talvez justifique o pensamento de tentar proteger, tentar criar uma política que possa valorizar um pouco mais o cidadão ou o camarada que é nativo.”
Nesse sentido, alguns abusos chegaram a ser cometidos, segundo o jornalista. “Há dois anos, com a mudança de governo, começou uma política de restrição [à movimentação] muito forte, que culminou em uma ação muito violenta.”
Nos 30 anos de existência do campo, durante muito tempo os residentes podiam sair conforme quisessem, e por isso “havia homens e mulheres que haviam estabelecido relação com malawianos. Já tinham filhos, estavam morando em algum lugar do Malawi, já tinham família nova, tinham seu próprio negócio, estavam vivendo lá”.

“E houve praticamente um movimento de caçada a esses refugiados, a 8 mil pessoas. E elas foram obrigadas a sair, largar seu companheiro, sua companheira, a pessoa com quem estavam vivendo, seus filhos, e foram colocadas em um grande galpão dentro do campo de refugiados.”

“Ninguém escolhe ser refugiado”, lamenta José. “E daí vem a origem do termo ‘refugiado’. Gramaticalmente, define alguém cuja última e única forma de sobreviver foi fugir.”
Nesse sentido, Evaldo sublinha que o campo de Dzaleka raramente é a primeira opção dos refugiados de outros países, por conta das muitas restrições ao trabalho e à movimentação.
“O [campo de refugiados do] Malawi, por conta dessa particularidade, não é […] desejado por todos os povos da África. Pelo contrário, […] acaba sendo uma última opção para quem já fugiu.”
Onde funciona hoje o campo de Dzaleka existia uma prisão de segurança máxima de mesmo nome. Na verdade, ensina José, em chichewa, uma das línguas faladas no Mali, “a palavra ‘Dzaleka’ significa ‘fim da linha’; ‘terminou, perdeu, acabou para você'”.

“[Contudo] Para o refugiado Dzaleka não é fim da linha, é o contrário. É o começo, é nova vida, é esperança, é nova oportunidade, é recomeço.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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