Política externa ‘altiva e ativa’ virou pó diante de tarifas de Trump contra Brasil, diz analista


Nesta sexta-feira (14), representantes dos governos de Brasil e EUA se reúnem em Brasília para debater os impactos das tarifas de 25% impostas pela Casa Branca contra as exportações de aço e alumínio do Brasil.
A reunião terá caráter técnico e não contará com a presença do ministro e vice-presidente Geraldo Alckmin, nem do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que cumpre agenda no Senegal, reportou o jornal O Globo.
Em nota, o Itamaraty lamentou as tarifas impostas pelo governo Trump, que terão “impacto significativo sobre as exportações brasileiras de aço e alumínio para os EUA”.
“Em defesa das empresas e dos trabalhadores brasileiros e em linha com seu tradicional apoio ao sistema multilateral de comércio, o governo brasileiro considera injustificável e equivocada a imposição de barreiras unilaterais que afetam o comércio entre o Brasil e os EUA, principalmente pelo histórico de cooperação e integração econômica entre os dois países”, versou o governo brasileiro.
Apesar de os EUA manterem superávit em suas relações com o Brasil de cerca de US$ 7 bilhões (cerca de R$ 40 bilhões), as tarifas poderão diminuir o faturamento das exportações de aço e alumínio brasileiros, estimados em US$ 3,2 bilhões (cerca de R$ 17 bilhões), segundo os dados da Secretaria de Comércio Exterior do Brasil.

© AP Photo / Jose Luis MaganaO presidente Donald Trump acena para a mídia ao sair de um almoço com o presidente da Câmara no Capitólio, Washington, EUA, 12 de março de 2025

O presidente Donald Trump acena para a mídia ao sair de um almoço com o presidente da Câmara no Capitólio, Washington, EUA, 12 de março de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 14.03.2025

O presidente Donald Trump acena para a mídia ao sair de um almoço com o presidente da Câmara no Capitólio, Washington, EUA, 12 de março de 2025
A medida de Trump foi adotada apesar de conversas realizadas pelo alto escalão do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços (MDIC) com o representante do Comércio dos EUA, Jamieson Green, na semana passada.

Segunda divisão

Apesar da celeridade com que foi marcada, a reunião prevista para ocorrer nesta sexta-feira será entre autoridades de segundo escalão. Por enquanto, os presidentes Lula e Trump ainda não realizaram contatos, e o ministro Mauro Vieira ainda não se reuniu com seu homólogo Marco Rubio.

© AP Photo / Mark SchiefelbeinO secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio

O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio - Sputnik Brasil, 1920, 14.03.2025

O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio
De acordo com a CNN, Marco Rubio já conversou com ministros de cerca de 58 países, mas não procurou o Itamaraty para dialogar. Na América Latina, Rubio não hesitou em conversar com países em polos opostos do espectro ideológico, como México e Argentina, mas ainda não com o Brasil.
“De fato é preocupante não ter havido um intercâmbio direto entre Rubio e Vieira. Isso mostra que, para os EUA, politicamente, o Brasil é um ator secundário”, disse o professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Vinícius Rodrigues Vieira, à Sputnik Brasil. “Aqui não estamos considerando se o Brasil é visto pelos EUA como um país aliado ou não. A questão é que o Brasil está sendo visto como ator secundário.”
Para o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Gilberto Maringoni, a ausência de relações diplomáticas no alto escalão não é tão preocupante, quanto a incapacidade do Brasil de retaliar as medidas impostas pela Casa Branca.
“Os EUA impuseram tarifas contra produtos relevantes para nossa pauta comercial, que vão abalar a nossa economia, e nós não temos condições de fazer uma reciprocidade. Nós importamos dos EUA insumos industriais que precisamos para a nossa própria produção”, disse Maringoni à Sputnik Brasil. “Isso mostra que não temos mais soberania em quase nenhuma das nossas cadeias de valores.”
O principal produto exportado pelo Brasil para os EUA é o petróleo, seguido de produtos semimanufaturados, como ferro e aço, além de commodities como café, celulose e carnes. Apesar do volume significativo exportado, os EUA podem adquirir esses produtos de outros mercados, caso o Brasil imponha medidas retaliatórias.

© AP Photo / Jeff ChiuUma equipe trabalha em construção após Trump impor tarifas de 25% sobre a importação de aço brasileiro, San Bruno, Califórnia, EUA, 12 de março de 2025

Uma equipe trabalha em construção após Trump impor tarifas de 25% sobre a importação de aço brasileiro, San Bruno, Califórnia, EUA, 12 de março de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 14.03.2025

Uma equipe trabalha em construção após Trump impor tarifas de 25% sobre a importação de aço brasileiro, San Bruno, Califórnia, EUA, 12 de março de 2025
Nesta quarta-feira (12), o governo prometeu em nota avaliar “todas as possibilidades de ação no campo do comércio exterior” para reagir às tarifas de 25% sob o alumínio e aço brasileiros. Já nesta quinta-feira (13), o vice-presidente Geraldo Alckmin questionou a efetividade de medidas retaliatórias, dizendo que “se fizer olho por olho, vai ficar todo mundo cego”.

© AP Photo / Rafiq MaqboolO vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, gesticula durante uma coletiva de imprensa na Cúpula do Clima da ONU COP29, Baku, Azerbaijão, 13 de novembro de 2024 (foto de arquivo)

O vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, gesticula durante uma coletiva de imprensa na Cúpula do Clima da ONU COP29, Baku, Azerbaijão, 13 de novembro de 2024 (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 14.03.2025

O vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin, gesticula durante uma coletiva de imprensa na Cúpula do Clima da ONU COP29, Baku, Azerbaijão, 13 de novembro de 2024 (foto de arquivo)
O professor da UFABC Maringoni lembra que o Brasil não foi o único alvo da política dos EUA, que tem como objetivo o fortalecimento de sua capacidade industrial doméstica.
“Os EUA voltam à sua vocação protecionista”, disse Maringoni. “Muitos se esquecem que os EUA se constituíram como um país industrializado adotando medidas extremamente protecionistas após a sua independência.”
Após praticamente um século de adoção de medidas protecionistas para alavancar sua capacidade industrial, os EUA puderam integrar-se ao mercado internacional partindo de uma posição fortalecida.

© AP Photo / Nam Y. HuhLatas de alumínio seguem vazias em fábrica, após Trump impor tarifas de 25% sobre a importação de aço brasileiro, Chicago, EUA, 13 de março de 2025

Latas de alumínio seguem vazias em fábrica, após Trump impor tarifas de 25% sobre a importação de aço brasileiro, Chicago, EUA, 13 de março de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 14.03.2025

Latas de alumínio seguem vazias em fábrica, após Trump impor tarifas de 25% sobre a importação de aço brasileiro, Chicago, EUA, 13 de março de 2025
As tarifas impostas por Trump fazem parte do DNA da economia política norte-americana. Esse é o instrumento que eles usam quando não estão em condições vantajosas ou mesmo monopolistas no comércio internacional”, declarou Maringoni.

Xerife OMC

Em nota conjunta assinada pelo Itamaraty e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o Brasil considerou recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) para defender os seus direitos. A organização sediada em Genebra possui órgão de solução de controvérsias que funciona como um tribunal para mediar disputas comerciais entre países.
“A ideia de entrar com uma representação na OMC é um factoide, uma ação inócua”, lamentou Maringoni. “Primeiro, porque os EUA não respeitam as decisões da OMC. Segundo, porque a organização está em crise. E, por fim, porque uma decisão da OMC demoraria anos para ser concluída.”
Para ele, ao aventar uma solução na OMC, o Brasil prova que está “com poder de pressão mínimo” e “sem estratégia” não só em suas relações com os EUA, mas em sua política externa de modo geral.
“Infelizmente a diplomacia ‘altiva e ativa’ virou pó, porque ela não é possível em um país que está sem atributos materiais de poder”, declarou Maringoni. “Ela virou uma diplomacia declaratória, porque o Brasil está sem os meios concretos para agir externamente.”
Segundo ele, o Brasil experiencia um declínio em sua influência internacional, resultado de políticas persistentes de cortes de gastos e investimentos públicos, que remontam pelo menos a segunda metade da década de 2010.

© Marcelo Camargo/Agência BrasilO ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente, Celso Amorim, conversam durante sessão especial de abertura da primeira reunião de sherpas da presidência brasileira do BRICS, no Palácio Itamaraty, Brasília, 26 de fevereiro de 2025

O ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente, Celso Amorim, conversam durante sessão especial de abertura da primeira reunião de sherpas da presidência brasileira do BRICS, no Palácio Itamaraty, Brasília, 26 de fevereiro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 14.03.2025

O ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente, Celso Amorim, conversam durante sessão especial de abertura da primeira reunião de sherpas da presidência brasileira do BRICS, no Palácio Itamaraty, Brasília, 26 de fevereiro de 2025
Não temos como ter diplomacia ‘altiva e ativa’ sem estratégia de defesa nacional, sem soberania na área de infraestrutura e sem setores econômicos com poder para atuar em países estrangeiros – como um dia foram as nossas construtoras”, disse o professor da UFABC. “Não temos como ter altivez se nossa política externa quiser ir para uma direção, e a política de defesa atuar em sentido contrário.”
Mas nem tudo está perdido: a coordenação brasileira com seus vizinhos regionais poderá garantir algum poder de fogo para resistir às pressões de Trump, aponta Maringoni. Um exemplo seria o recente bloqueio da candidatura escolhida por Trump para a Secretaria Geral da OEA, derrotada pelo candidato apoiado por Brasil, Uruguai, Bolívia, Colômbia e Chile.

Estratégia brasileira?

A investida de Trump contra o aço brasileiro exigirá a formulação de uma estratégia mais clara para a política externa brasileira, acreditam os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil. Para Maringoni, “estamos agora com uma diplomacia sem direção clara”.
“A estratégia brasileira pode ser resumida da seguinte forma: tentar não responder frontalmente a Trump. […] não apostar em bravatas, agir de forma racional e não se subordinar às vontades dos norte-americanos”, disse o professor da FAAP Vieira.
Segundo ele, existem temas que podem aproximar as partes e reverter esse começo complicado de relações sob os governos Trump e Lula. A agenda energética e o potencial brasileiro no setor de terras raras poderiam fomentar o relacionamento bilateral, acredita Vieira.
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião ministerial no Palácio do Planalto. Brasília (DF), 8 de agosto de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 11.03.2025

“Além disso, temas pertinentes à segurança hemisférica também podem aproximar os países. Há uma boa vontade por parte do governo brasileiro em reforçar sua soberania em relação ao crime transnacional, e essa agenda pode ser explorada – desde que os EUA não partam para o intervencionismo“, considerou Vieira.
Lula discursa na cerimônia de 45 anos do PT, no Rio de Janeiro. Brasil, 22 de fevereiro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 22.02.2025

Para o professor da FAAP, as diferenças político-ideológicas entre Trump e Lula darão o tom das relações bilaterais daqui para frente, com pouco espaço para agenda presidencial.
“Não vejo uma agenda robusta, mas sim temas pontuais que podem garantir a cooperação. Mas enquanto Lula e Trump estiverem no poder, podemos esperar relações frias e distantes, mas pragmáticas“, concluiu Vieira.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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