MARINA IZIDRO
LONDRES, REINO UNIDO – Você sai com os amigos e um copo de cerveja ou taça de vinho vira dois, três. No dia seguinte, vem o arrependimento: dor de cabeça, enjoo, boca seca. Você jura que nunca mais vai beber, até acontecer de novo. E se houvesse uma solução? Não é à toa que uma pílula que promete acabar com a ressaca esgotou menos de 24 horas após o lançamento no Reino Unido.
Como já passei por isso ao longo da vida, fiquei empolgada ao receber minha caixa pelos correios. A pílula se chama Myrkl –se pronuncia “miracle”, milagre em inglês. E funciona? Só tem um jeito de saber: experimentando.
Segundo o fabricante, trata-se de um suplemento alimentar com probióticos, vitamina B12 e o aminoácido L-cisteína. Criada por uma empresa sueca em 1990 e aperfeiçoada ao longo dos anos, a fórmula promete metabolizar até 70% do álcool em 60 minutos antes que chegue ao fígado, transformando-o em dióxido de carbono e água.
Menos álcool entra na corrente sanguínea, e efeitos da ressaca e danos aos órgãos seriam menores. Na Inglaterra, a caixa com 30 comprimidos, 15 doses, sai por 30 libras (cerca de R$ 180,80). São duas libras (R$ 12) por noite, um terço do preço médio de um “pint” (copo de 568 ml de cerveja).
Antes que alguém corra para o pub: ela não vai fazer efeito em quem bebe a noite inteira de estômago vazio.
Um dos donos da Myrkl, o suíço Frederic Fernandez, explica que a pílula não é para quem quer ficar embriagado (o que também seria mais demorado e caro) e, sim, para quem bebe moderadamente, vai a um churrasco ou almoço no fim de semana e deseja estar bem no dia seguinte.
“Em nossas pesquisas, vemos mulheres que gostariam de tomar uma, duas taças de vinho sem se sentirem mal no outro dia”, disse.
Fico mais animada ao saber que sou parte do público-alvo. Hora do teste. Para ser justa, decido repetir o que fiz da última vez que tive ressaca: três taças de vinho com pouca comida e dois copos de água.
A recomendação é ingerir duas cápsulas no mínimo duas horas antes de beber. Fernandez me diz que, quanto mais cedo, melhor. Tomo três horas antes de ir para o mesmo bar, no meu bairro, com uma amiga.
Depois da primeira taça, vem uma euforia mais suave do que o normal. Tomo a segunda, a terceira. Normalmente, eu já sentiria bastante o efeito do álcool, o que não acontece.
“Deve estar funcionando!”, penso. Como um pouco, bebo água, e o garçom oferece uma rodada por conta da casa. Aceito. Quatro taças depois, estou alerta, volto andando para casa. Bebo um copo de água e vou dormir.
Depois das minhas habituais 7h30 de sono, acordo cansada, mas sem ressaca. Não tenho enjoo, a boca não está seca. Bebo café, vou malhar e começa uma leve dor de cabeça. Saio para trabalhar. À tarde, tomo um analgésico, a dor vai e volta. O dia segue. Em vez do esperado mal-estar, estou bem disposta.
A pílula é comercializada como “a primeira fórmula na história com resultados promissores em quebrar o álcool de forma eficiente.”
A eficácia é baseada em um estudo randomizado e duplo-cego feito na Alemanha. Por uma semana, depois de um café da manhã leve, participantes tomaram um copo “moderado” de vodka, seguido de exames de sangue. A absorção de álcool foi mais de 70% menor em quem tomou a pílula do que em quem recebeu placebo.
O produto é autorizado por órgãos de saúde dos Estados Unidos e da Europa. Mas o hepatologista Ashwin Dhanda, professor da Universidade de Plymouth, aponta falhas no estudo feito com apenas 24 jovens, saudáveis e brancos.
“O formato é bom, mas não foi bem executado. Não escolheram indivíduos com doenças crônicas ou que tomam medicamentos. É muito pequeno”, alerta.
“Eu me preocupo com o fato de as pessoas verem isso como um tíquete para beber livremente ou decidirem dirigir pensando que estão abaixo dos limites legais, e não estarão.”
De fato, desde o lançamento, mês passado, a empresa ajustou expectativas no site, que agora avisa: “suplementos alimentares são absorvidos de forma diferente por cada pessoa e dependem de fatores externos”. A primeira versão da embalagem tinha a frase: “a pílula para tomar antes de beber que funciona”. Ela foi retirada.
Fernandez, porém, diz confiar na pesquisa feita com 1.229 pessoas no Reino Unido, 70% das quais aprovaram o produto. “Myrkl esgotou em 24 horas, temos consumidores satisfeitos. Temos a humildade de dizer que estamos aprendendo. Há coisas que não controlamos na experiência do consumidor.”
Ou seja, se eu tivesse jantado um prato de massa, estaria melhor no dia seguinte? Ou, sem comer nada, pior? Não dá para saber.
“Críticas são válidas. Mas é um suplemento, não um medicamento. Quando se lança um remédio, há várias fases de estudos. Não precisamos, por lei, de estudos clínicos. Somos transparentes com isso.”
“Álcool é um problema de saúde pública em muitos países. Também une as pessoas, então queremos ajudá-las a estar em seu melhor quando bebem de forma responsável. Nunca diremos que álcool é incrível ou focaremos a venda nos jovens ou em casas noturnas”, acrescentou.
A venda para o Brasil começa em outubro. Comigo, a Myrkl não foi um milagre completo, mas, fora a dor de cabeça, gostei de ter mais disposição do que teria se não tivesse tomado e de saber que estou, na medida do possível, poupando meu fígado.
Não vou beber mais por isso, pelo contrário. Agora que consigo comparar, estou mais consciente do que o álcool faz com meu corpo. No fim das contas, não há fórmula mágica: se você quer ter menos ressaca, beba menos.