Pesquisador: Gorbachev abriu panela de pressão e há razão interesseira por trás de apreço ocidental


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Segundo ele, o ex-líder soviético deixou “um legado histórico extremamente importante”, mas atualmente a sociedade russa se divide quanto ao apoio a suas ações, com a maioria sendo contrária ao seu governo (1985–1991).

“Ele simplesmente mudou a história no fim do século XX. Aquele mundo bipolar que existia, com os dois grandes ‘xerifões’, EUA e URSS [União das Repúblicas Socialistas Sov­­­­­­­­­­­­­­­iéticas], desapareceu”, diz Segrillo, que é professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).

Ele relata que o governo de Gorbachev foi o momento de maior aproximação entre os dois blocos, que culminou no colapso da antiga União das Repúblicas Socialistas Sov­­­­­­­­­­­­­­­iéticas.
“Mas o principal é que ele é uma das poucas pessoas que podem dizer que mudaram o mundo, claro que não sozinho, mas ele capitaneou esse processo”, apontou.
© Sputnik / Yuri AbramochkinO então secretário-geral da URSS, Mikhail Gorbachev, assina, ao lado do então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, documentos de cooperação soviético-americanos

O então secretário-geral da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Mikhail Gorbachev, assina, ao lado do então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, documentos de cooperação soviético-americanos - Sputnik Brasil, 1920, 01.09.2022

O então secretário-geral da URSS, Mikhail Gorbachev, assina, ao lado do então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, documentos de cooperação soviético-americanos. Foto de arquivo
Segundo o especialista, Gorbachev não tinha como objetivo o fim da URSS, mas sim seu fortalecimento por meio de reformas. Porém, em determinado momento, o ex-líder “perdeu as rédeas” do processo de abertura, e o bloco acabou se dissolvendo.

“As tentativas de reforma — e acredito que, no início, ele queria realmente reformar o sistema para funcionar melhor — acabaram não dando certo, e a URSS terminou. Não por uma vontade do Gorbachev, mas porque, ao reformar, abriram-se novos vetores de forças, como questões de nacionalismos e nacionalidades ali existentes, que fizeram o processo fugir do controle do Gorbachev e levar ao fim da URSS”, explicou Segrillo.

Ele indica que, de fato, foi a chamada “Perestroika” (reestruturação) que possibilitou o fim da URSS. Sem a abertura, a União Soviética não teria colapsado, aponta o especialista. “Com a abertura, haveria uma panela de pressão, que realmente qualquer líder teria dificuldade em lidar de maneira democrática”, disse.
© Sputnik / Sergei GuneevO então secretário-geral da URSS, Mikhail Gorbachev, discursa no Comitê Central do Partido Comunista da URSS durante o 28º Congresso do partido, em Moscou, em 1º de julho de 1990

O então secretário-geral da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Mikhail Gorbachev, discursa no Comitê Central do Partido Comunista da URSS durante o 28º Congresso do partido, em Moscou, em 1º de julho de 1990 - Sputnik Brasil, 1920, 01.09.2022

O então secretário-geral da URSS, Mikhail Gorbachev, discursa no Comitê Central do Partido Comunista da URSS durante o 28º Congresso do partido, em Moscou, em 1º de julho de 1990. Foto de arquivo
Segrillo acredita que Gorbachev foi ingênuo devido ao seu otimismo. Ele lembra que o ex-líder buscava concomitantemente a reforma do sistema e a manutenção dos padrões do modelo socialista.
“A missão a que ele se propôs era muito difícil. Era reformar um sistema que já estava bastante carcomido por dentro. Qualquer pessoa teria dificuldade nesse sentido”, afirmou.
Retrato de Mikhail Gorbachev em seu estudo no escritório da Fundação Internacional para Pesquisa Socioeconômica e Política (Fundação Gorbachev) em Moscou, em 31 de agosto de 2022 - Sputnik Brasil, 1920, 31.08.2022

Ocidente ‘apreciou’ esforços de Gorbachev

A morte de Gorbachev, na terça-feira (30), em Moscou, provocou uma série de homenagens no Ocidente. Líderes como o presidente dos EUA, Joe Biden, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e o presidente da França, Emmanuel Macron, prestaram suas condolências à família de Gorbachev.
O pesquisador recorda que, na época da Guerra Fria, a URSS era a grande inimiga dos países ocidentais, que ficaram “bastante agradecidos” a Gorbachev por suas medidas.
Segundo ele, porém, também há “uma visão menos interesseira” de que o ex-presidente “tentou abrir caminhos para toda a região do antigo bloco soviético e diminuir as tensões bélicas, principalmente de guerra nuclear“.
“Então, independentemente da razão mais interesseira de que o inimigo foi destruído, há também uma apreciação geral dos esforços de Gorbachev no sentido da democracia e da diminuição das tensões bélicas”, avaliou.
O então presidente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Mikhail Gorbachev, durante discussão de um projeto para estabilizar a economia, em Moscou, em 10 de setembro de 1990 (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 31.08.2022

Segrillo presenciou o período de colapso da URSS. Ele cursava um mestrado na União Soviética no fim da década de 1980, no governo de Gorbachev, e viu a popularidade do ex-líder cair entre 1985 e 1991.

“No fim da URSS, ele era bastante popular por permitir que as pessoas falassem, mas a partir de 1988, principalmente em 1990 e 1991, com o aumento dos problemas econômicos, da inflação e do desemprego, começou a se tornar muito impopular”, lembrou.

Segundo ele, já no fim de seu governo, muitos russos o criticavam, afirmando que Gorbachev falava mais do que fazia. Após o fim da URSS, o coro contra o ex-presidente aumentou.

“Apesar do Gorbachev não ser responsável pela crise da URSS sob [Boris] Ieltsin [1990–1999], alguns russos o associaram às dificuldades também do período da década de 1990, em que ele já não era mais o líder. Uma parte mantém essa visão, principalmente os mais velhos”, relatou.

Presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev, durante a visita oficial à República Federal da Alemanha em junho de 1989 - Sputnik Brasil, 1920, 31.08.2022

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