A ideia de que a produção de vinhos, no Brasil, está voltada para o Sul do Brasil certamente prevalece na mente de muitas pessoas. Há protagonismo da região nesta atividade, mas é preciso reconhecer que a atividade cresce em todo território nacional, e a região Centro-Oeste possui um lugar nesse mercado.
Atualmente, o estado de Mato Grosso e Goiás possuem cinco vinícolas em atividade. A maior parte delas se dedicam à produção da espécie Vitis labrusca, uma variedade utilizada para fabricação de vinhos de mesa, que possuem um preço mais modesto em relação aos vinhos refinados e em geração, se destinam ao consumo interno. Em menor escala, existe a produção da espécie Vitis vinífera, que é dedicada à produção de vinhos finos, destinadas principalmente para a exportação.
Frente ao mercado crescente de produção e consumo do vinho, aliados ao grande volume de resíduos agroindustriais oriundos dessa atividade, faz-se necessário o emprego de tecnologias que visem o melhor aproveitamento dos resíduos gerados pela indústria vinícola. Nesse contexto, uma pesquisa está sendo conduzida na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Câmpus do Araguaia, apoiada pelo edital Mulheres na Ciência, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat).
Os estudos acontecem vinculado ao Laboratório de Biologia Vascular & Histopatologia do Câmpus, a docente e coordenadora do projeto, Fernanda Regina Casagrande Giachini Vitorino, explica que os estudos começaram em agosto de 2022. “ O objetivo geral com a pesquisa é caracterizar os compostos bioativos presentes em resíduos vinícolas advindos da produção de vinhos finos produzidos no Centro-Oeste, e a partir disso determinar se esses compostos possuem a capacidade de proteger o sistema cardiovascular”, pontua.
A estratégia para testar se os resíduos possuem essa capacidade de proteção será o tratamento de ratos hipertensos com uma ração enriquecida com o bagaço oriundo da produção de vinho, para avaliar os possíveis efeitos na pressão arterial e no sistema cardiovascular desses animais. A pesquisadora ressalta que a pesquisa só é viável, devido à parceria com a professora da UFMT, Paula Becker Pertuzatti, que tem grande conhecimento na identificação de biocompostos e é reconhecida nacional e internacionalmente por sua linha de pesquisa nessa área.
“A professora participa no projeto em todos os estágios, desde a concepção até a entrega do produto final. Ela é uma aliada na busca de novas fontes com atividade biológica, nos presenteando com seu conhecimento”, ressalta.
Pesquisa mostra benefícios para saúde e meio ambiente
Para a docente, caso a hipótese de que os resíduos vinícolas gerados localmente possuam elevada quantidade de compostos bioativos, as possibilidades são ilimitadas para a criação de novos subprodutos. Ressalta-se que uma vertente crescente no mercado é a elaboração de produtos nutracêuticos, que engloba uma variedade de alimentos e componentes alimentícios com benefícios à saúde. Exemplo disso são as farinhas extraídas dos resíduos viníferos, que são altamente ricas em fibras alimentares e compostos antioxidantes, com uso previsto para a panificação, confeitaria, massas, biscoitos, entre outros.
“Isso representa um avanço significativo na manutenção do equilíbrio do meio ambiente, evitando problemas relacionados à armazenagem e eliminação sustentável desses resíduos”. Outro ponto de ressalva é a participação de uma equipe formada quase que exclusivamente por mulheres, sendo que algumas recebem uma bolsa de pesquisa por meio da Iniciação Científica e Tecnológica Júnior, incluindo estudantes do ensino médio e de cursos de graduação da UFMT.
Desafios, descobertas e espaços para elas
Fernanda Regina Casagrande Giachini Vitorino conta que a gestão de resíduos é um compromisso social na geração da produção sustentável, redução de custos, bem como inovação, como por exemplo na produção de alimentos mais ricos nutricionalmente, ou na elaboração dos nutracêuticos.
“Neste projeto, que traz objetivos ambiciosos, contamos com alunas tanto da rede pública e privada de Barra do Garças, que demonstraram interesse em aprender mais sobre as diversas técnicas e projetos desenvolvidos em nosso laboratório. Para o recrutamento das alunas, procuramos a coordenação de escolas parceiras, que nos indicaram alunas com grande potencial em desenvolver o projeto, sem gerar prejuízo para as atividades do ensino médio”, conta.
Entre elas, a estudante Gabriella de Oliveira Neif, 17 anos, exprime cada sentimento pelas descobertas. “ Com certeza participar do projeto de iniciação científica júnior foi uma das melhores oportunidades que eu tive. Sou apaixonada por cada detalhe da vida na ciência. Aprender mais sobre a nossa vida, desde do macro ao micro, os processos para se chegar em algum medicamento ou até mesmo uma vacina, trabalhar microscopia”, destaca.
A estudante Maísa Farias de Oliveira, 16 anos, também demonstra satisfação em participar. “Está sendo uma experiência incrível. Estou adquirindo cada vez mais conhecimentos sobre o mundo da ciência, dos laboratórios e das pesquisas. Cada dia que vamos para os laboratórios aprendemos sobre algo diferente é muito gratificante”, conta.
A docente explica que neste semestre, as alunas do ensino médio irão desenvolver um plano de trabalho próprio, adequado ao seu grau de formação, capacidade, treinamento e tempo disponível. “No futuro, pretendemos ajustar esse processo de seleção de alunas do ensino médio, para oportunizar a inscrição de um número maior de alunas, levando em conta o perfil necessário para desenvolver os projetos em questão”, relata, complementando que também participam da pesquisa alunas da graduação e pós-graduação da UFMT.
Os trabalhos devem ser finalizados em dezembro deste ano, e os impactos iniciais se desdobram em diversas áreas. “ Ademais, a possibilidade de manipulação dos resíduos de uva como fonte de antioxidante é de interesse direto dos laboratórios envolvidos. No campo da bromatologia, como exemplo, tanto as graduandas da engenharia de alimentos como as graduandas de farmácia, poderão trabalhar na elaboração de alimentos com alegações de propriedades funcionais e suplementos alimentares”, finaliza a docente.
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Fonte: ufmt