Para-brisa do carro sempre limpo é sinal de preocupação; entenda


Remover insetos grudados no carro fazia parte do pacote de viagem. A dianteira do veículo chegava coberta de minúsculos corpos, asas e fluídos de diferentes espécies e tamanhos. Para quem viajava de moto era mais crítico: era preciso parar de tempos em tempos para limpar a gosma que obstruía a visão na viseira do capacete.

Limpar marcas do massacre nos vãos da carroceria ou na viseira, porém, é incômodo cada vez mais raro. E isso não é bom: significa que a população de insetos declina. O biólogo dinamarquês Anders Moller foi dos primeiros a dar o alerta.

E de maneira inusitada: ao perceber que a quantidade de insetos mortos por seu carro na região rural da Dinamarca caía a cada viagem, Moller passou a contar os corpos no veículo. Padronizou percurso, horário e velocidade, e anotava dados como tipo de inseto e condições do clima.

A rotina diária foi de 1997 a 2017, e a conclusão preocupou — em 20 anos, houve redução de 80% de insetos colhidos pelo carro. A experiência recebeu o nome de “fenômeno do para-brisa”. O estudo foi empírico e localizado, mas despertou a comunidade científica para uma questão global: há menos variedade e quantidade de insetos povoando o planeta.

Essas criaturas não servem só para emporcalhar o carro ou ferroar incautos; são essenciais para o equilíbrio do ambiente. Abelhas e espécies de besouros, por exemplo, respondem pela polinização — inviável para homens e máquinas —, que assegura a reprodução de plantas. Alguns insetos garantem controle de pragas e até amaldiçoados pernilongos que atrapalham o sono têm papel na cadeia alimentar de aves e peixes.

“Somos educados a ver insetos como nocivos, mas poucos têm noção da sua importância”, diz André Freitas, do Instituto de Biologia da Unicamp. Com pesquisadores das universidades de São Carlos e do Rio Grande do Sul, Freitas participou do mais amplo estudo feito no Brasil. “Todas as pesquisas eram do Hemisfério Norte, mas não havia nada conclusivo na região dos Trópicos, onde existe a maior variedade de insetos do planeta.”

O estudo reuniu 45 pesquisas científicas e consultas a entomologistas e foi publicado em setembro de 2022 pela revista Biology Letters, do Reino Unido. Embora não existam números comparativos por falta de referências anteriores, a conclusão é de que há tendência de queda na biodiversidade e quantidade de insetos no país.

O uso de pesticidas comprovadamente nocivos — banidos na Europa e nos EUA, mas liberados no Brasil —, a crescente urbanização e a instabilidade climática são alguns dos fatores associados ao sumiço de insetos. Freitas crê ser possível reverter a tendência, pois o ciclo de vida dos insetos é curto. “Levamos 40 anos para impedir a extinção das baleias. Com insetos, levaríamos no máximo cinco anos.”

Revogar a permissão do uso dos agrotóxicos nocivos seria um passo para reaver o equilíbrio ambiental. Há outros, segundo Freitas: plantar no quintal de casa ou jardim de prédios árvores que atraiam insetos; ensinar às crianças seu valor; e, sempre que possível, substituir lâmpadas por outras, de luz amarelada, que são evitadas pelos minúsculos seres alados.

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Fonte: direitonews

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