Deputados de esquerda estão tentando barrar o avanço do “pacote anti-MST” na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, usando dispositivos burocráticos do regimento interno da Casa, como pedidos para retirada de pauta, pedidos de vista e longos discursos para atrasar as votações. A oposição, porém, tem se mostrado disposta a vencer a obstrução, evitando fechar acordos com governistas que colocariam as propostas na gaveta.
A resolução em avançar com a pauta anti-MST ganhou impulso após uma tentativa do MST de barrar a comitiva do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Pará, no começo da semana. Também é uma resposta ao crescente número de invasões de terras registradas desde 2023. Em um ano e meio de governo Lula 3, mais de 100 foram registradas – embora o presidente tenha dito que “faz tempo” que MST não invade terras.
O pacote anti-MST, também chamado de pacote “invasão zero”, tem três projetos em tramitação na CCJ:
- PL 8.262/2017, que trata da retirada de invasores, permitindo a ação da polícia sem ordem judicial em retomada de imóvel;
- PL 4.183/2023, que trata da personalidade jurídica, prevendo que movimentos sociais e populares que tiverem atuação em mais de três estados tenham que ser formalizados.
- PL 4.432/2023, que prevê a criação de um cadastro nacional de invasores de terras.
O que falta para as propostas avançarem
O projeto sobre a retirada de invasores, permite que, em caso de invasão, os proprietários de terras possam acionar a polícia sem precisar que a justiça decida pela reintegração de posse da área. A esquerda argumenta que o texto fere a Constituição Federal ao retirar a necessidade de aguardar a decisão da Justiça sobre a retirada de invasores.
“O Estado tem esse papel de mediar [as invasões]. Não haver a decisão da Justiça é muito grave”, disse o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ).
As discussões sobre o PL 8.262/2017 foram encerradas e ele só não foi votado porque o relator do texto, Dr. Victor Linhalis (Podemos-ES), deve analisar pedidos de alteração. À Gazeta do Povo, o deputado disse que a proposta estará na pauta da CCJ novamente já na próxima semana. Sendo aprovado, o projeto seguirá para o Senado.
O projeto de lei da personalidade jurídica possibilitará que movimentos sociais, como o MST, sejam responsabilizados civil e penalmente caso estejam envolvidos em crimes. O relator, deputado Alfredo Gaspar (União-AL), é favorável à proposta e disse que o texto promove maior transparência e organização, prevenindo crimes. Mas a base governista discorda.
Como forma de retardar o avanço do PL 4.183/2023, o deputado Patrus Ananias (PT-ES) pediu vista, ou seja, mais tempo para analisá-lo. Sendo assim, o PL da personalidade jurídica tem previsão de voltar à pauta da comissão após uma semana. Outros deputados não poderão repetir o pedido de vista na CCJ. Se for provado pelo colegiado, o projeto pode seguir direto para o Senado.
O projeto que cria o cadastro nacional de invasores de terras também recebeu um pedido de vista, em sessão anterior, e poderá voltar à pauta da CCJ na próxima semana. Neste cadastro deve constar um “perfil” dos invasores, com informações pessoais (como nome completo e documento de identidade), registro de ocorrência realizado pelas forças de segurança por causa da invasão e o endereço da propriedade invadida.
O pacote anti-MST tem ainda um outro projeto, que determina o corte de benefícios do governo para invasores (PL 709/2023). Este já foi aprovado na Câmara e seguiu para apreciação no Senado.
Durante os debates desta semana, a base governista defendeu os movimentos sociais. “Ocupar terra improdutiva é algo que ajuda no desenvolvimento social”, afirmou o deputado Chico Alencar (Psol-RJ).
Deputados contrários as propostas também questionaram a constitucionalidade dos textos, reforçando ameaças do governo de vetar e até judicializar os projetos, enviando-os ao Supremo Tribunal Federal (STF). A oposição defendeu o direito de propriedade e se posicionou contra a invasão de terras.
Pacote de propostas anti-MST foi criado durante a CPI do MST
Um pacote com mais de 10 projetos de lei foi criado durante os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou uma onda de invasões de terras no começo do terceiro mandato de Lula.
Nos quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foram registradas 72 invasões de terra. No governo Lula 3 já são mais de 100, sendo que 30 ocorreram somente em abril deste ano, durante o chamado Abril Vermelho do MST.
Durante a CPI do MST, realizada entre os meses de abril e setembro de 2023, deputados ouviram líderes e ex-integrantes do movimento, além de especialistas em reforma agrária. Durante os trabalhos, no entanto, o governo impediu a convocação de ministros supostamente envolvidos com o movimento. Além disso, houve articulação para a alterar a composição da comissão, o que fez com que vários requerimentos de quebra de sigilos e convocações não fossem aprovados.
Ao final dos trabalhos, o relatório apresentado pelo deputado Ricardo Salles (PL-SP) pediu o indiciamento de 11 pessoas. No entanto, o documento acabou não sendo votado devido ao término do prazo para funcionamento da CPI.
Apesar disso, os projetos elaborados a partir dos trabalhos da CPI seguiram em tramitação.
“Enfim, aquela CPI do MST que eles desgastaram teve um grande resultado. Estamos vendo agora. Projetos aprovados nesta Casa que vão acabar com esses movimentos criminosos”, disse o deputado Luciano Zucco (PL-RS), que foi presidente da CPI do MST e preside a Frente Parlamentar Invasão Zero.
Fonte: gazetadopovo