Oportunidades perdidas: uso de armamentos da OTAN limita potencial brasileiro, dizem analistas


A crise da Avibras é o último episódio de um grande problema na Base Industrial de Defesa (BID) do Brasil. Em busca de um comprador, duas empresas internacionais se mostraram dispostas a adquirir a fabricante do sistema de mísseis Astro: a australiana DefendTex, e a chinesa Norinco.
Avibras era, até pouco tempo atrás, a única empresa do hemisfério Sul que fabricava combustível de foguete, afirma Lucas Kerr, professor no Programa de Pós Graduação em Integração Contemporânea na América Latina (PPG-ICAL) na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos, Geopolítica e Integração Regional (NEEGI).

“Talvez seja por isso que os australianos estejam interessados em comprar, como forma de resolver o problema deles de autonomia nessa área.”

A disputa pela empresa brasileira ainda é representativa de um outro problema do setor de defesa brasileira, sua predisposição pela compra de armamentos ocidentais, em vez de uma aquisição variada e do desenvolvimento nacional.
Bárbara Diniz, pesquisadora associada do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES-Unesp) e do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE) explica que existem vários fatores que influenciam na escolha dos militares por um ou outro equipamento, como o treinamento dos militares no uso de uma nova tecnologia, a facilidade de manutenção, possíveis transferências de tecnologia e as relações geopolíticas e diplomáticas do país.
Este último ponto, diz Fabrício Avila, doutor em ciência política e presidente do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), é o que justifica a proximidade entre as Forças Armadas brasileiras e os exércitos ocidentais. Em 1920 o Exército Brasileiro recebia a missão militar francesa, que chegou ao país com o intuito de moldar o EB para o século XX.
A consolidação das relações, contudo, aconteceu em 1943, com a atuação da Força Expedicionária Brasileira ao lado dos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial. “E o oceano Atlântico favorece esse contato.”

“Ou seja, constrangimentos históricos e geográficos colocaram naturalmente a Europa Ocidental e América do Norte ao alcance dos militares e sociedade do Brasil.”

Kerr destaca que o Brasil passou por momentos de investimento e sucateamento da indústria bélica. “Nos anos 60 tínhamos uma capacidade industrial razoável, que foi desmontada em partes no começo da ditadura militar”, diz. Foi o caso da Panair do Brasil, que teve suas operações encerradas por um despacho do governo militar em 10 de fevereiro de 1965.
Para o final do período da ditadura militar, o governo voltou a investir na criação de uma indústria autônoma, inclusive com parcerias Sul-Sul, apontou o pesquisador. Esse período durou até o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando a ideologia neoliberal tomou conta do país, quando o país deixou de apoiar essas indústrias, “inclusive, deixando elas falirem”.
A política de investimentos foi retomada, até certo ponto nos primeiros governos Lula como com Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub). No entanto, dificuldades orçamentárias no governo Dilma desaceleram essa visão de autonomia, que cessou completamente nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. “Voltamos à lógica de compra de prateleira de mercado.”
Esse pensamento traz consigo diversos riscos, aponta Diniz, como “a vulnerabilidade do país a embargos tecnológicos, restrições às transferências de tecnologias e a flutuações nos preços internacionais”.

“Essas vulnerabilidades comprometem a autonomia estratégica brasileira e inibem o potencial de desenvolvimento da indústria de defesa nacional.”

Na história mundial há diversos casos que exemplificam a necessidade de uma indústria autônoma, como a guerra das Malvinas, quando nações ocidentais cortaram o fornecimento de mísseis à Argentina, que na lutava contra a Inglaterra. Os mísseis antinavios argentinos eram Exocet franceses, lembra Kerr.
Não só os franceses cortaram o fornecimento de mísseis Exocet para o governo argentino, na época gerido por uma junta militar comandada por Leopoldo Galtieri, como também jamais entregaram os códigos de ativação dos mísseis já entregues. “Ao que tudo indica, os ingleses ainda receberam da França os códigos de desativação dos mísseis.”
Outro exemplo, destaca o pesquisador, foi a invasão da China pelo Japão na Segunda Guerra Mundial.
Durante a guerra sino-japonesa, os chineses conseguiram segurar as forças nipônicas graças aos armamentos comprados da Itália e da Alemanha. Depois, entretanto, o Japão negocia com seus aliados europeus o término dessa vendas, fazendo com que a China, dependente dos armamentos ocidentais, tivesse dificuldades de se defender.

O que o Brasil pode comprar de outros países?

Se por um lado os especialistas apontam os riscos do Brasil não diversificar os fornecedores e nem desenvolver sua base industrial de defesa, há também dificuldades associadas, como a adaptação desses armamentos à logística preexistente das Forças Armadas.
Isso não quer dizer, contudo, que a aquisição de equipamentos de outros países fora da esfera ocidental não seja tema de debate dentro das Forças Armadas. Equipamentos russos, chineses e indianos, países que são parceiros estratégicos do Brasil dentro da iniciativa do BRICS, frequentemente aparecem nas licitações do Exército, Marinha e Aeronáutica.
“Cada uma dessas nações possui um parque industrial de defesa robusto e oferece uma gama diversificada de produtos, com características e preços que podem ser atrativos para o Brasil”, sublinha Diniz.
Para Kerr, o fato dessas nações serem do BRICS são um grande benefício para as negociações brasileiras. “Deveriam ser a nossa prioridade para pensar tanto no desenvolvimento de coisas em conjunto.”
É o caso do Sukhoi Su-35, caça russo que estaria muito bem adaptado para as necessidades brasileiras uma vez que, ao contrário do sueco Gripen, é um avião voltado para viagens de longo alcance, ideal para um país continental.

“Não é preciso abandonar o Gripen, mas seria muito útil a gente ter alguns aviões de longo alcance, capaz sair de Brasília, por exemplo, e ir até Manaus sem precisar reabastecer”, afirma Kerr.

Fabrício Avila destaca que a Rússia histórico de desenvolvimentos de blindados e artilharia de forma autóctone e costuma preservar os elementos principais dos armamentos como “comunicação, munição, blindagem e motor” como modo de facilitar a produção em escala dos mesmos.
Nesse sentido, há diversos equipamentos que poderiam ser utilizados pelas forças brasileiras, como tanques T-90, sistemas de defesa antiaérea S-400 e os helicópteros de ataque Mi-35, destaca Diniz.
Inclusive, a Força Aérea Brasileira deveria repensar o uso do Mi-35, batizado por aqui de AH-2 Sabre. A FAB possui 12 helicópteros de ataque desse tipo em seu poder, mas foram aposentados antes da hora, diz Ávila.
Conhecidos como tanques aéreos eles poderiam ser utilizados para o “fortalecimento da Amazônia, principalmente, para o apoio cerrado ao 18º Regimento de Cavalaria Mecanizado em Roraima”.
Outro exemplo de parceria dentro do BRICS que seria bastante proveitosa para o Brasil é o Irã, ressalta Kerr, que tem “um programa fantástico de mísseis e drones inteiramente nacional”. Versões desses armamentos iranianos são inclusive bastante utilizados por grupos de resistência ao Ocidente pelo Oriente Médio.
O país persa ainda fabrica outro tipo de armamento que seria bastante útil para o Brasil, sublinha o professor da UNILA: mini-submarinos. “Seria interessante pra gente tanto pra resgate, como pra treinamento, como pra defesa de ponto no litoral, por exemplo, defesa da foz do Amazonas, de plataformas petrolíferas, quase de um navio de águas marrons nesse sentido.”

‘Negócio da Índia’

Outro país que poderia servir de fornecedor para as Forças Armadas brasileiras é a China, que desenvolveu sua indústria bélica a largos passos nas últimas décadas. Ainda por cima, hoje o país ainda produz armamentos em diferentes versões, uma para o mercado doméstico adepto de seus padrões, e uma “para exportação”, isto é, que se adequa a outros padrões logísticos, como o “padrão OTAN”.
Para Avila, as fragatas chinesas Tipo 054A, conhecidas como Jianjkai II na versão padrão OTAN, seriam facilmente operadas pelos marinheiros brasileiros uma vez que são inspirados na classe de navios franceses La Fayette. O país asiático conta ainda com catamarãs de defesa costeira de alta qualidade, diz Kerr, “inclusive armados com mísseis antinavio”.
Os especialistas são incisivos quanto a necessidade do Brasil de não só diversificar seus fornecedores, mas desenvolver uma “política de defesa clara e consistente, que permita a modernização das Forças Armadas de forma eficiente”, como expõe Diniz.
Nesse sentido, há um caminho claro a ser seguido: o da Índia.
A Índia usou de sua posição, enquanto grande país emergente, para fazer uma “barganha diplomática” e conseguir se industrializar com a ajuda de diferentes nações, explica Kerr.
“”Eles importam caças russos, porque a Rússia é um parceiro tradicional deles, e os caças russos cobrem metade do país.Eles importam também caças ocidentais, geralmente da França, que eles vigiavam outra parte do país”, detalha. “É como se fosse dois comandos aéreos diferentes.”
A diversificações de exportações, seja com a Rússia, China, ou qualquer outro país “deveria passar pelo menos caminho pragmático que escolheu a Índia”, diz Avila. “Os indianos produzem localmente a maioria dos armamentos russos que necessitam, gerando emprego e reduzindo a dependência do fornecimento externo desde a Guerra Fria.”

“O Brasil teria equipamento sino-russo de qualidade internacional, produzido localmente sob licença para uma América do Sul mais estável e unida.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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