O que é o laboratório de biossegurança Orion, ‘referência’ que promete elevar soberania científica?


Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil — incluindo da direção do próprio laboratório —, entendem que o Orion permitirá, via pesquisas, antever crises como epidemias ou pandemias, e até mesmo casos de bioterrorismo.
O diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), Antonio José Roque da Silva, destacou à reportagem que o aprendizado com o novo coronavírus mostra a urgência de estruturas de ponta para respostas rápidas. “Ou você tem infraestrutura e capacidade pronta para proteger a sociedade, ou você não tem tempo, porque a pandemia avança muito rápido.”
“Há uma demanda internacional. Pós-pandemia, o mundo inteiro percebeu que precisa estar mais pronto e mais organizado para eventuais novas pandemias — que é um consenso de que ocorrerão novamente. Quando ninguém sabe, mas algo assim vai acontecer”, afirmou.

O que é o laboratório de biossegurança Orion?

Roque da Silva explicou que a criação do laboratório Orion é resultado de iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), articulada ainda durante a pandemia. Segundo ele, o projeto nasceu da percepção de que o país precisava fortalecer infraestruturas de pesquisa de alta segurança biológica.
Ele lembrou que, naquele momento, a pasta direcionou recursos para construir laboratórios de nível de biossegurança 3 (NB3) em várias regiões do país, mas que o próprio ministério entendeu que era preciso integrar futuras instalações de nível de biossegurança 4 (NB4) com o acelerador de partículas Sirius.
Além disso, o avanço do projeto se consolidou com o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), no atual governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que “trouxe possibilidade de investimentos mais vultosos”, e ganhou também a cooperação do Ministério da Saúde. “É um projeto do governo federal que entendeu a importância de você ter uma infraestrutura desse tipo.”
O biólogo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) José Luiz Proença Módena, que participou de discussões prévias sobre o laboratório, explica que o Orion será uma unidade que permitirá estudo de vírus que já circulam no Brasil e de potenciais agentes emergentes, além de viabilizar parcerias com a indústria farmacêutica para testes de novos medicamentos.
Segundo ele, será possível estudar HIV, tuberculose, febre aftosa e outros vírus de alto risco humano e veterinário.
Ele também destaca que o laboratório permitirá superar gargalos existentes globalmente. Atualmente, há fila de quase três anos para testes pré-clínicos com primatas não humanos em laboratórios de nível máximo no mundo.
O custo estimado para experimentação em primata em estrutura NB4 é de aproximadamente 25 mil dólares por ano, diz. “Essa estrutura é importante como independência científica, mas também como modelo de negócio para estimular pesquisa aplicada, sem sobrecarregar os cofres públicos.”

O que significa o nível 4 de biossegurança?

O Orion será o primeiro NB4 da América Latina. Tais estruturas são capazes de lidar com os patógenos mais perigosos do mundo, como o vírus Ebola, por exemplo.
Para Roque da Silva, a ausência dessa infraestrutura impede que a região desenvolva métodos próprios de diagnóstico e tratamento para vírus de alta letalidade.
Além do NB4, o Orion também contará com laboratórios de NB3 — categoria à qual pertence o SARS-CoV-2, causador da COVID-19. O grande diferencial, segundo o diretor do CNPEM, será a integração com o acelerador de partículas Sirius, também em Campinas.
A estrutura, segundo o projeto, promete a realização de experimentos com primatas não humanos e produzir dados essenciais para vacinas e terapias. A ideia é que Campinas e o estado paulista se tornem polo internacional de pesquisa em virologia e inovação biomédica.
“É importante entender como o vírus entra na célula, controla a máquina de fabricação de proteínas e causa danos em tecidos. Com o Orion, será possível fazer imagens tridimensionais em nível celular e acompanhar a doença em seres vivos.”
Segundo ele, o projeto executivo levou cerca de dois anos para ser finalizado e já está em fase de seleção das empresas responsáveis pela obra.
Módena explica que os níveis seguem diretrizes internacionais, com particularidades locais.
O nível 1 é destinado a microrganismos não patogênicos, com trabalho feito na bancada e uso básico de equipamentos; o nível 2 envolve patógenos que oferecem risco ao operador ou ao ambiente, exigindo cabines de biossegurança que protegem o trabalhador; no nível 3, há pressões negativas no ambiente, de modo que o ar circula de fora para dentro, evitando contaminação externa.
Por fim, o nível 4 representa o ápice da segurança biológica. Nele, o operador não respira o ar da sala; utiliza-se roupa hermética ligada a uma fonte externa de ar livre de patógenos. Movimentos dentro do laboratório exigem conexão e desconexão controladas da fonte de ar, enquanto todos os resíduos e efluentes passam por tratamento e autoclavagem.

Soberania científica

Segundo o diretor do CNPEM, o Orion será essencial para garantir que o país tenha capacidade de responder a emergências sanitárias e tecnológicas sem depender totalmente do exterior, o que está diretamente ligado à soberania científica brasileira.
Para ele, há uma mudança no cenário político e econômico global: “O que antes defendia-se que era um grande coletivo mundial, hoje, cada país agora está percebendo que precisa ter as suas capacidades.”
Por exemplo, durante a pandemia de COVID-19, países sem produção local de insumos tiveram maior vulnerabilidade.
“Esse estímulo do ecossistema científico é central para a soberania e para a garantia de que o país conseguirá dar as respostas necessárias.”
O diretor ressaltou a importância dessa autonomia ao mencionar a recente crise do metanol. “O Brasil não tinha insumos para os antídotos. O Brasil precisa ter capacidade ampla de produção desse tipo de insumo”, exemplificou.
O engenheiro naval e nuclear Leonam dos Santos Guimarães, coordenador do Comitê de Ciência e Tecnologia da AMAZUL e diretor técnico da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), comparou a importância do Orion com o fortalecimento da infraestrutura no setor nuclear.
Para ele, assim como o domínio do ciclo de combustível nuclear dá autonomia, a operação de laboratórios de biossegurança de nível máximo permite ao Brasil desenvolver pesquisas com patógenos perigosos de forma independente. “Ambos simbolizam a soberania científica e a capacidade de gerar conhecimento crítico sem depender de estruturas externas.”
O engenheiro também apontou que há potencial de integração entre o setor nuclear e pesquisas biomédicas de alta segurança feitas no local. Segundo Guimarães, tecnologias de contenção, monitoramento, descontaminação e rigor regulatório são comuns em ambos os campos. “A infraestrutura e o rigor regulatório do setor nuclear podem servir de referência para laboratórios como o Orion”, opinou.
Módena também destacou a relevância para a soberania científica brasileira, defendendo que a capacidade local de produção é “estratégica“. Além disso, ele ressaltou que a construção cria oportunidades para formação de especialistas e fortalece a integração entre academia, governo e indústria. “São condições essenciais para transformar capacidade científica em poder tecnológico efetivo.”
Contudo, o diretor do CNPEM afirmou também que o Orion não deve ser visto como solução isolada.
“O Orion não é a panaceia do Brasil. Será uma grande infraestrutura única, mas é fundamental que haja apoio à ciência brasileira e aos pesquisadores que serão os usuários do Orion”, defendeu.

Como a fuga de cérebros afeta o Brasil?

O diretor do CNPEM afirmou que a construção do Laboratório Orion também pode contribuir para reduzir a chamada “fuga de cérebros” do Brasil — movimento de pesquisadores que deixam o país em busca de melhores condições para desenvolver suas pesquisas.
Segundo ele, essa relação “faz sentido”, já que oferecer infraestrutura científica de ponta é um dos principais fatores de atração e retenção de talentos.
“O próprio Sirius já tem um pouco esse impacto, no sentido que você provê para aqueles pesquisadores que estão almejando fazer pesquisa de ponta, de fronteira e que precisam de infraestrutura e ambiente adequados. Ter essas estruturas no Brasil, com certeza, permite uma atratividade.”
Módena avalia que o Orion tem potencial para transformar a região em um dos principais pólos mundiais de virologia. Segundo ele, a estrutura “é de ponta, inovadora, que vai permitir estudos de estrutura dessas partículas”. “Vai ser uma porta de trabalho importante para biólogos.”

Tem acelerador de partículas no Brasil?

O laboratório Sirius possui o acelerador de partículas brasileiro, localizado em Campinas, e faz parte do CNPEM, organização social do MCTI. O diretor-geral do Centro afirma que “o Sirius já é uma infraestrutura singular, demonstra a capacidade do Brasil”, por meio de um acelerador de elétrons não para colisões de partículas, como ocorre em grandes laboratórios na Europa, mas “para gerar luz — uma luz com uma faixa ampla, que inclui principalmente o raio X”.
“O raio X do hospital é mais como uma lanterna, feito para iluminar grandes objetos. O do Sirius é mais parecido com uma ponteira laser — bom para iluminar pequenos objetos, mantendo um altíssimo brilho”, disse. Com isso, o equipamento permite “fazer imagens tomográficas de uma célula única individual com resolução que pode permitir eventualmente enxergar vírus dentro da célula”.
Membro da equipe do centro de pesquisa próximo ao colisor de elétrons-pósitrons VEPP-2000 no Instituto Budker de Física Nuclear em Novosibirsk, Rússia. - Sputnik Brasil, 1920, 28.06.2023

O Sirius, um dos poucos aceleradores de quarta geração abertos ao público científico no mundo, é usado por centenas de pesquisadores em áreas que vão de energias renováveis à biomedicina.
Essa infraestrutura será agora conectada diretamente ao Orion, conexão direta considerada inédita em nível mundial. O projeto prevê ligação por meio de três linhas de luz: “Uma para estudar células, uma para estudar tecidos e outra para estudar pequenos animais, todas com o objetivo de fazer tomografia de altíssima resolução, com alta velocidade e outras capacidades que você não consegue fazer num tomógrafo normal.”
“A possibilidade de ter uma linha de luz do laboratório Orion para o NB4 possibilita fazer coisas como estudar estrutura, fazer imagens de alta resolução de organismos infectados”, explicou Módena. Segundo ele, essa característica torna a instalação única no mundo.

Onde está sendo construído o laboratório Orion?

O Laboratório Orion está sendo construído no CNPEM, localizado em Campinas (SP), a aproximadamente 100 quilômetros (Km) da capital paulista.
O Centro está situado na rua Giuseppe Máximo Scolfaro, no Polo II de Alta Tecnologia de Campinas. O centro abriga laboratórios de ponta como o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), o Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR) e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano).
De acordo com o diretor, parte das obras civis já foi iniciada. “A escavação para o subsolo já foi feita, já está pronta, e iniciamos há pouco tempo o estaqueamento, que esperamos concluir até o fim deste ano. A expectativa é começar a construir o prédio para cima no início do ano que vem”, afirmou.
© Foto / Divulgação CNPEMConstrução do laboratório de biossegurança Orion, em Campinas, São Paulo

Construção do laboratório de biossegurança Orion, em Campinas, São Paulo - Sputnik Brasil, 1920, 11.10.2025

Construção do laboratório de biossegurança Orion, em Campinas, São Paulo
O Orion terá quatro andares, projetados de forma a atender às exigências técnicas de segurança biológica. O piso principal de trabalho, que é o térreo, abrigará o NB4 e a conexão com as linhas de luz. “É obrigatório que haja um subsolo, porque é ali que se faz o descarte e a inativação de insumos biológicos por gravidade, sem bombeamento, o que é proibido nesse tipo de ambiente.”
Os andares superiores abrigarão sistemas de filtragem e controle ambiental para garantir segurança dos profissionais, com roupas “parecidas com as de astronautas”.
O estágio atual inclui a fundação e o estaqueamento de cerca de mil estacas, além da escavação do subsolo já concluída. “Esperamos concluir essa parte civil em 2027. Isso será o prédio, a infraestrutura. Depois teremos que levar os equipamentos, concluir as linhas de luz e preparar o laboratório para operação.”
As três linhas de luz que conectarão o Orion ao acelerador Sirius também começaram a ser construídas. “Elas começam dentro do Sirius, então já podem ir sendo montadas antes da conclusão do prédio do Orion. Até o fim de 2027, devemos ter essas três linhas prontas para instalação.”

Qual a importância da segurança no laboratório?

O professor José Luiz Proença, do Instituto de Biologia da Unicamp, reforçou a importância da capacitação de profissionais para atuar em laboratórios de alto risco biológico, como o Orion.
Segundo ele, “é importantíssimo quando a gente pensa num laboratório desse nível de segurança, você ter um alto grau de capacitação e de formação das pessoas que vão trabalhar lá”.
O treinamento já está em andamento, com turmas de todo o Brasil sendo preparadas para operar em laboratórios de nível 3, e há previsão de programas específicos para o nível 4.
Para garantir a segurança, o Orion contará com um “laboratório fake“, estrutura idêntica ao nível 4, mas sem agentes patogênicos, onde os profissionais podem treinar sem risco. Segundo o pesquisador, a formação é rigorosa e envolve etapas teóricas e práticas.
Nos primeiros meses, os profissionais nunca trabalham sozinhos, sempre acompanhados por um tutor que orienta a manipulação dos microrganismos. “Depois que passa todo esse período de tutoria, você pode trabalhar sem o tutor, mas você nunca trabalha sozinho, você sempre trabalha em dupla, porque se acontecer um acidente, você tem outra pessoa junto para fazer as medidas de segurança.”
O treinamento completo para atuar no nível 4 leva cerca de um ano, tornando-se a primeira experiência desse tipo no Brasil. Módena destacou ainda que a criação do Orion não se limita à resposta a pandemias recentes, como a da COVID-19, mas permite “antever algumas complicações de determinados vírus”, estudando agentes com potencial emergente antes que se tornem uma ameaça.

O que sabemos sobre o vírus Sabiá?

Patógenos emergentes como o vírus Sabiá, considerado de nível máximo de risco, são um dos principais alvos iniciais.
Segundo Módena, “o Brasil é considerado o país mais megadiverso do mundo em termos de vida”, o que inclui mamíferos, aves, insetos e plantas — e, consequentemente, uma grande variedade de microrganismos, muitos ainda desconhecidos e com potencial de infectar humanos.
Entre os agentes de maior risco presentes no país, ele cita o vírus Sabiá, classificado como nível quatro. “O Sabiá é um arenavírus que causa uma doença hemorrágica muito grave. Ele não é do mesmo grupo do Ebola, mas causa uma doença semelhante, com taxa de mortalidade muito alta e sem tratamento”, explicou.
O especialista destaca a incerteza sobre a circulação natural do vírus e alerta para a importância de estruturas que permitam pesquisa prévia e mitigação de riscos, como o caso do Orion.
Além do Sabiá, há outros vírus silvestres, como o Oropouche, que circula principalmente na Amazônia entre bichos-preguiça, primatas e roedores, transmitido por mosquitos conhecidos como maruins. “Ele circula de maneira silenciosa na floresta, mas devido à ocupação humana e à mudança na dinâmica dos vetores, houve surtos recentes em áreas urbanas do Amazonas e até em outros estados, como Espírito Santo e São Paulo”, relatou.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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