O Mestre da Fumaça mistura maconha e artes marciais na Mostra SP


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“Seja água”, disse Bruce Lee em uma série de TV no ano de 1971. Mantra definitivo nas artes marciais, o comando hoje recebe uma atualização inusitada: “Seja fumaça”, diz o mestre Yan Wu (Tony Lee) ao seu jovem aprendiz, Gabriel (Daniel Rocha). Para lidar com uma rixa que existe há três gerações, Gabriel busca aprimorar sua técnica de luta para vingar o irmão (Thiago Stechinni), hospitalizado após tomar um tiro da tríade chefiada por Caine (Tristan Aronovich). Todo o conflito gira em torno de uma técnica marcial lendária, o Estilo da Fumaça.

O Mestre da Fumaça está em cartaz neste mês, na 46ª Mostra Internacional de São Paulo, e reúne humor, pancadaria e muita nostalgia pelos grandes clássicos da Sessão da Tarde dos anos 1980 e 1990. Feito com maestria e afeto, o filme tem excelente apelo ao público e chance de carreira internacional.

Conversei com André Sigwalt e Augusto Soares, codiretores estreantes de uma mistura de gêneros inédita no Brasil e também no mundo: a comédia stoner e o kung fu.

Acredito que muitos perguntarão sobre as lutas. Como escolheram seus atores? Habilidade em artes marciais existe separadamente de habilidade em atuação? Foi fácil encontrar o elenco necessário para as duas coisas? Como se deu esse processo?

André Sigwalt Nem todos os atores foram necessariamente escolhidos por conta de suas habilidades marciais; os critérios foram mais amplos. Porém, um dos nossos protagonistas, Daniel Rocha, já tinha experiência com boxe, dentro e fora das telas, e isso foi de extrema importância. Nosso outro protagonista, Tony Lee, não tinha experiência marcial; porém, trouxe uma interpretação ímpar para o filme, além de todo seu repertório da cultura chinesa. Posso citar também o ator Thiago Stechinni, coadjuvante na nossa história, que, além de sua qualidade de interpretação, possuía larga experiência com artes marciais. Fundamentalmente, o principal para a qualidade das lutas do filme foi o período de preparação antes das filmagens, em que todos os atores puderam experimentar a essência das lutas com bastante antecedência. Além disso, em nossos ensaios prévios às filmagens, a coreografia das lutas foi passada para os atores com a tranquilidade necessária. Claro que nossos dublês (personagens) elevam, e muito, a qualidade das lutas, com suas reações precisas aos golpes.

O filme já foi apresentado com plateia antes? Como os espectadores reagem a alguns dos momentos mais imaginativos e empolgantes?

Augusto Soares – O filme já foi exibido no Fantaspoa, em Porto Alegre; no Macabro, realizado na Cidade do México;  no Cinequest, na Califórnia; e já tivemos a primeira sessão da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. A reação do público foi muito melhor do que a gente esperava! Além das piadas escritas para arrancar aquela gargalhada certeira que funcionaram muito bem tanto com o público “canábico” quanto com o público em geral , notamos que a galera reagiu a diversos outros momentos do filme, inclusive com reações às lutas e às principais cenas de ação. Descobrimos a força de muitos outros veios de ouro em nossa comédia, que estavam lá, mas quem encontrou foi o público. Também notamos muitas diferenças entre a reação dos espectadores de cada país e região do Brasil. No México, por exemplo, eles riam de absolutamente tudo; nos EUA, talvez por conta da barreira da linguagem, as piadas mais visuais foram mais bem recebidas, e por lá eles reagem muito mais às cenas de ação, com alguns “uau”, “óóó”, o que foi muito positivo para a gente.

Augusto Soares e André Sigwalt

Várias referências, como Cheech e Chong, Bloodsport e Bruce Lee, permeiam o filme, e todas são estrangeiras. O Brasil não tem uma tradição de stoner movies, pelo menos no mainstream, assim como exemplos limitadíssimos de filmes de luta, apesar de um enorme interesse de consumo por estes, desde os anos 1980. Acha que os dois gêneros foram negligenciados nacionalmente?

Augusto Soares – O Mestre da Fumaça é o primeiro stoner movie feito no Brasil, e o cruzamento entre filmes de kung fu e stoner movie é inédito em nível mundial. Estamos apostando nessa ideia e nessa originalidade para atrair o público. No Brasil, apesar de sermos consumidores assíduos de filmes de ação, de filmes de luta, e até de stoner movies, nós não temos uma produção periódica de filmes dessa natureza, salvo produções feitas na marra, como a nossa. Nós trouxemos o Brasil para o filme de diversas formas, mas realmente não tínhamos referências cinematográficas nacionais para agregar à nossa receita maluca.

O filme mistura gêneros, mas também línguas, incluindo inglês, chinês, português e até uma pinta de francês. É algo raramente feito em produções. Essa decisão vem mais da estética que buscavam ou também é afetada pelo prospecto de exportação do filme?

André Sigwalt – Na realidade, a escolha das línguas se deu mais por conta de uma tradição cinematográfica de kung fu do que por motivos de exportação do filme. Tradicionalmente, nos filmes de kung fu da era dourada do gênero, os vilões falam inglês ou japonês, que eram os invasores da China na época. Nosso vilão é americano; portanto, ele fala inglês. Tínhamos interesse em prestar reverência à cultura chinesa, que tornou possível a existência do gênero. Assim, manter presente o chinês na narrativa cumpre esse papel, além de dar profundidade para alguns personagens. O português é falado pelo núcleo brasileiro da história e acaba sendo a base do nosso filme. Existe um momento em que as línguas se misturam, que é justamente quando o francês dá uma pinta; nessa hora, homenageamos uma cena específica do filme Ghost Dog, do grande Jim Jarmusch. No fundo, a opção por essa “[Torre de] Babel” se deu muito mais por considerarmos divertido e essencial para as representatividades que nossa história levanta do que para a venda do filme, até porque o mercado internacional gostaria que o filme fosse inteiramente em inglês.

A Mostra Internacional de SP é um dos festivais com maior visibilidade no ano. Como vocês avaliam a presença de The Smoke Master na programação?

André Sigwalt – É maravilhoso estar presente na Mostra Internacional de Cinema. Avaliamos que nossa presença na programação será um divisor de águas. É extremamente raro a Mostra de São Paulo exibir filmes de gênero, e muitos festivais tradicionais pelo mundo tendem a olhar com desdém para essa cinematografia. A sensação é de que estamos furando a bolha do cinema de arte e drama brasileiro; ao mesmo tempo, essa exibição ao lado de filmes com um orçamento muito maior que o nosso é algo extremamente promissor. Tomara que outros festivais pelo Brasil e pelo mundo tenham a mesma coragem que a mostra.

Augusto Soares Nós não esperávamos estar na Mostra Internacional de Cinema, essa é a verdade. Desde o início, nós sabíamos que seria um caminho realmente independente, sem apoio do governo, sem patrocínio e, no fim de tanto trabalho, chegar à mostra foi um reconhecimento sem tamanho e um nascimento da nossa carreira como diretores e realizadores de cinema.

O Mestre da Fumaça tem sessão dia 25 de outubro, às 14 horas, no CineSesc. Ingressos

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