O Globo 100 anos: jornal fez 1º teste de carro do Brasil com a Rural Willys


Na edição de 5 de dezembro de 1959, na página 9, o jornal O Globo publicou o primeiro teste automotivo do Brasil. O veículo escolhido para tal feito foi a Rural Willys 1960, que acabava de ganhar um desenho renovado para o mercado nacional.

O teste foi escrito pelo publicitário Mauro Salles, que enfrentou desafios como, por exemplo, o espaço reduzido de meia página do jornal. Ainda sim, Salles conseguiu dar suas impressões e acrescentar a ficha técnica da Rural, além dos dados de consumo e aceleração. Agora, 66 anos após a publicação, Autoesporte publica o texto na íntegra em comemoração aos 100 anos de O Globo.

Logo depois da guerra, quando o jipe começou a aparecer pelo interior brasileiro, o redator desta coluna fez uma viagem num deles, em ampla região alagoana onde as estradas não mereciam esse nome e onde automóveis convencionais e caminhões falavam fim de mundo ao tentarem, ainda com a ajuda de muita-salvação, por sua conta e pela dos jipes se envolverem na fúria da topografia — burros ou jegues voltavam ao leilão.

O jipe chegou, passou e ajudou ainda um Ford 29 que se enfiara em uma vala. O matuto, que não conhecia aquela besta mecânica, chegou analisou, e deu a sua opinião:

Os filhos da Station-Wagon, precursoras da nossa Rural, foi a resposta mais vantajosa. Resultado de um amálgama de um implemento rural com um furgão e um automóvel, procurou tirar partido das vantagens dos três e reduzir ao mínimo os inconvenientes.

A Station-Wagon americana ficou pequena. Apareceu um primo maior, mais forte, em caminhoneta fechada. E, em pouco tempo, um automóvel mais forte, mais largo e mais feio. Finalmente, uma Rural com motor nacional Willys, em carroceria nova, lançada este ano.

Ela mantém o aspecto da Station-Wagon, mas seu chassis foi modificado em função da nova carroceria. É mais baixa, mais larga, tem melhor estabilidade e é muito mais confortável que as anteriores.

Não só isso: tem aparência e jeito brasileiro. Resultado de um novo desenho nosso, a Rural 1960 está adaptada às condições e aos condutores do Brasil. Estética e tecnicamente, está mais acertada. A dianteira, agora totalmente original, apresenta traços modernos e robustos.

Rodamos mais de 500 km. Fizemos os mais variados tipos de experiência e, além disso, mantivemos conversações com mecânicos, motoristas, proprietários e engenheiros. Viajamos sozinhos e acompanhados, em cidade e estrada, em subidas e descidas, em paralelepípedos, saibro, areia fofa, barro e asfalto. Aceleramos forte e andamos devagar.

Carregamos peso e andamos leves. Sentamos na frente, no banco de trás, e até em cima da carga. Subimos no motor e enfiamos o corpo embaixo da carroceria. Comparamos e conferimos. Com o cuidado de procurar simular condições reais de uso, os testes foram registrados com objetividade e clareza. Muitos reparos desta reportagem seriam evitados, caso houvesse um melhor preparo deste ou daquele motorista.

Quando o motorista assume o comando da Rural 60 nota que pouca coisa difere do modelo 59 com relação ao condutor. O banco é duro e incômodo, como se tivesse sido projetado para carregar passageiros de 180 quilos ou sacos de cimento, o pedal do acelerador é pesado, exigindo esforço grande do motorista, principalmente para exercê-lo mais tempo. Não há acelerador de mão.

O freio manual está colocado em posição incômoda, não há indicação de pressão e existe “marcha” avante com a alavanca do freio contínua levantada ou caída. As duas alavancas do câmbio, além de feias, são incômodas. O câmbio é curto e duro, exigindo um esforço inútil que houver que desculpar apenas em função da robustez do carro. Os pedais podiam estar melhor distribuídos.

Por que não se adota um sistema como o dos automóveis de passeio? O automóvel melhora com os anos, a caminhoneta também deve progredir. Fazemos aqui uma lista de pequenos defeitos que, se corrigidos, tornariam a Rural ainda mais confortável.

A versão anterior já merecia críticas quanto à visibilidade. Essa é imperfeita no modelo 58/59, resultando em maior cansaço ao motorista e menor segurança. No modelo 60 foi ampliada e isso se agradece. Com um simples movimento pode-se rebaixar o banco traseiro e fazer grande espaço para carga ou mesmo dormir.

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O estepe é volumoso e pode ser incômodo. Se o motorista souber arrumar melhor sua carga ou se não se importar, o estepe suspenso por uma corrente não será problema. A porta traseira se abre horizontalmente, facilitando o uso e poupando espaço.

Não notamos, no entanto, com duas falhas. A falta de um mostrador de temperatura no painel é grave. Um motorista prudente sabe controlar sua marcha com um simples olhar. E não se entende por que uma caminhoneta feita para uso pesado e de estrada não tem esse mostrador.

O outro é o velocímetro, que marcou 8% a mais. E a quilometragem marcada por ele também divergiu nas longas distâncias, o que alteraria consideravelmente um cálculo de consumo. A Rural é inteiramente mecânica, sem nenhum acessório elétrico, e seu motor resiste às condições mais difíceis de temperatura e de combustível.

Nos três dias deste ensaio, tivemos o cuidado de fazer muitas verificações na Rural. Seus freios são bons, eficazes e de ação bem distribuída. A suspensão é firme mas confortável. A direção, não muito leve, é precisa e segura. O painel é claro e bem disposto.

Os faróis são bons e a carroceria apresenta boa rigidez. Os detalhes de acabamento não são finos, mas satisfatórios. O banco dianteiro é regulável. No geral, a estética da Rural é agradável. O nível de ruído é suportável e ela se comporta bem nas subidas.

No barro e nas ladeiras, tivemos impressão de robustez. Numa das provas, com inclinação acentuada, a Rural subiu devagar, mas sempre, com tração nas quatro rodas. E, depois, mesmo com as quatro rodas em rotação livre, continuou em frente. Os pneus, estreitos, não resistem bem à lama. Num dos trechos com muito barro, tivemos problemas ao passar o segundo diferencial (em lama) e a caminhoneta patinou.

Depois de todas as provas, quando a hora de lavá-la chegou, a Rural estava inteiramente coberta de lama e terra. Foi bastante comum ouvir um maniqueque lá de trás para colocá-la em condições de participar de qualquer desfile de elegância.

Este é o primeiro teste realizado com veículo especialmente cedido ao O GLOBO com o intuito de ser testado, não só como automóvel de passeio, mas também como instrumento de trabalho, de carga, de transporte em estrada, em montanha, em condições boas, médias e ruins. Nosso critério foi técnico e objetivo.

Para a primeira série de testes, o carro foi cedido diretamente pela fábrica e autorizado a rodar sem limite de quilometragem. Com isso, a direção do Automóveis no Globo acredita que o “verdadeiro” ensaio do veículo brasileiro só é possível se a fábrica estiver disposta a cooperar tecnicamente e a submeter seu carro a qualquer exame, mesmo os mais severos. Essa série será chamada de:

Cada série de testes terá quatro fases: ensaio de estrada; ensaio de cidade; ensaio de resistência; ensaio de rendimento de combustível. Ao fim da série, se fará um novo teste final comparativo, com dados e conclusões. Todos os testes são conduzidos pelo próprio colunista, com a assistência de técnicos e especialistas de fábrica.

Parado em um sinal com a Rural Willys, um motorista hábil, sabendo encaixar na hora uma segunda, dificilmente fará papel feio. A Rural não é ágil como os jipes antigos — mas não é nenhuma tartaruga. Mas sua grande massa exige cuidado ao dirigir.

Nos testes de aceleração (com tração simples) obtivemos os seguintes resultados:

Nos testes de aceleração os passageiros eram 1 para 2. Foram feitas na estrada (40 km de São Gonçalo) e na subida da serra de Teresópolis. A velocidade máxima de primeira é 15 km/h. Em 2ª marcha é de 40 km/h. Os 55 km/h chegam a 3ª marcha.

De acordo com os novos padrões de economia, fixados mundialmente pelas Fiat, Volkswagen e DKW, a Rural não poderá ser considerada econômica. E não foi feita para isso. Mas, pelos padrões de consumo de caminhonetas com tração nas quatro rodas, é razoável. Em estrada de rodagem, andando a 80 km com velocidade média de 70 km/h, fizemos 7,6 km/l.

Com velocidade constante de 60 km/h, chegamos a 8,5 km/l. Em uso normal, com trechos de subidas, estrada e uso urbano, fizemos 5,5 km/l. Na terra fofa, andando a 50 km/h, fizemos 4,7 km/l. No teste de força, andando na serra com 6 passageiros, motor em 1ª e 2ª marcha, o consumo foi de 6,4 km/l.

A caminhoneta Rural que tivemos em mãos foi o modelo de tração nas quatro rodas com câmbio de força. Há também uma versão mais acessível, com tração simples, que permite menores gastos de manutenção e preço. Essa versão não conta com a reduzida, mas é adequada para a maioria dos usuários urbanos e de estrada leve.

A Rural 60 representa uma evolução nítida da indústria nacional em direção a um veículo mais robusto, adequado às nossas condições e competitivo com os similares estrangeiros, ainda mais se pensarmos nos preços atuais. Sem maior concorrência ainda, a nossa vence.

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Fonte: direitonews

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