O estranho caso de Pablo González, jornalista russo-espanhol acusado de ser espião de Putin


No mês de agosto, uma troca histórica de prisioneiros entre o Ocidente e a Rússia trouxe à tona um personagem enigmático: Pablo González, jornalista russo-espanhol de 42 anos acusado de ser agente da inteligência do Kremlin. Recebido pessoalmente por Vladimir Putin no aeroporto de Vnukovo, em Moscou, sua libertação, após 886 dias de prisão na Polônia, reacendeu debates sobre espionagem, jornalismo e a guerra de narrativas em curso na geopolítica. 

De jornalista a suposto agente da GRU

Pablo González nasceu como Pavel Alekseyevich Rubtsov em 1982, em Moscou, ainda na antiga União Soviética. Seu pai, Alexey Eugenievich Rubtsov, era um cientista russo, que segundo informações teria ligações com a inteligência soviética, enquanto sua mãe, María Elena González, era espanhola, descendente de refugiados bascos que se estabeleceram na União Soviética durante a Guerra Civil da Espanha. Após o divórcio dos pais, Pablo González se mudou para a Espanha aos nove anos, onde adotou o nome espanhol e viveu entre o País Basco e a Catalunha.

Com formação em filologia eslava e mestrado em segurança internacional, González construiu uma carreira reconhecida como jornalista na Europa, chegando a contribuir para veículos como La Sexta, Público e o nacionalista basco Gara. Contudo, sua prisão pela Polônia em fevereiro de 2022, logo após o início da invasão russa na Ucrânia, levantou acusações de que sua carreira jornalística era, na verdade, uma fachada para sua atuação como agente da GRU, o serviço de inteligência militar da Rússia. 

As acusações de espionagem

Segundo as autoridades polonesas, que não revelaram suas provas, González desempenhava um papel ativo na coleta de informações estratégicas. Ele teria monitorado dissidentes russos, como Alexei Navalny, morto este ano em condições suspeitas numa prisão no ártico, e líderes opositores de Belarus que estão exilados, repassando dados sensíveis. Entre as informações obtidas, as autoridades polonesas citam que estavam endereços de clínicas em Barcelona, na Espanha, e Lausanne, na Suíça, que trataram de Navalny na época em que ele foi envenenado, além de detalhes sobre segurança de países do Leste Europeu. 

Outras provas coletadas pelos poloneses incluem mensagens que teriam sido interceptadas e documentos que indicam relatórios enviados a um suposto “Escritório Central”, uma referência, segundo as autoridades da Polônia, ao GRU. Esses registros continham descrições precisas de eventos e operações na Europa.

Equipamentos eletrônicos encontrados com González também levantaram suspeitas de comunicações clandestinas. Em mensagens interceptadas, ele relatava eventos que teria participado em Moscou com precisão e mencionava estar à disposição para cumprir ordens, mesmo fora de horários convencionais.

Antes de ser enviado para a Rússia, González foi indiciado na Polônia por “fornecer informações, espalhar desinformação e realizar reconhecimento operacional”. As autoridades citam que ele praticava tais atividades no país desde o ano de 2016.

Relações estratégicas e propaganda

Além da suposta espionagem, González teria usado sua influência para se aproximar de figuras de destaque da oposição russa. Ele cultivava relações amistosas com pessoas como Zhanna Nemtsova, filha do opositor russo Boris Nemtsov, assassinado em 2015, e Ilya Yashin, outro crítico do Kremlin. Sua habilidade para se infiltrar em círculos dissidentes levantou preocupações de que ele usava essas conexões para obter informações para fins de inteligência.

Seu trabalho como jornalista também refletia uma postura alinhada com a narrativa do Kremlin. Segundo reportagem do jornal espanhol El Mundo, González minimizou em 2020 o envenenamento de Navalny, argumentando que o líder opositor não era de fato um alvo do regime russo. Artigos seus também teriam sugerido que as organizações lideradas por Navalny poderiam operar livremente na Rússia – algo que foi desmentido pela subsequente prisão do opositor e perseguição contra aqueles que trabalhavam para ele. 

O que diz a defesa

A defesa de Pablo González nega todas as acusações sobre espionagem. Seu advogado, Gonzalo Boye, questionou ao site estatal americano Voz da América (VOA) a ausência de “provas concretas” contra o seu cliente e criticou o que chamou de “politização” do caso dele.

Para Boye, González foi uma vítima da crescente tensão geopolítica entre a Rússia e o Ocidente. Ele comparou o caso ao do também jornalista americano Evan Gershkovich, repórter do Wall Street Journal que passou um ano preso na Rússia sob acusações de espionagem e também foi libertado na troca de prisioneiros.

“Ninguém nos EUA questionou que Gershkovich era simplesmente um jornalista. Achamos que nem Gershkovich nem Pablo González são espiões, mas jornalistas presos em um novo tipo de Guerra Fria, onde a verdade importa pouco”, disse Boye.

A Federação Internacional de Jornalistas denunciou as condições em que González ficou preso, que incluiu longos períodos de isolamento e tratamento descrito como “desumano”. 

Consultados pela VOA, agentes da inteligência espanhola disseram acreditar que Pablo era de fato um espião do Kremlin infiltrado no Ocidente. Ainda segundo o site, a inteligência da Polônia e Richard Moore, chefe do MI6, o serviço de inteligência estrangeira do Reino Unido, também disseram que o russo-espanhol trabalhava para Moscou.

“[Gonzalez] estava tentando entrar na Ucrânia para ser parte de esforços de desestabilização lá”, disse Moore, se referindo ao local onde Pablo González foi preso em 2022, na fronteira entre a Polônia e a Ucrânia.

Troca de prisioneiros

A libertação de González foi parte da troca de prisioneiros que incluiu jornalistas, ativistas e até um assassino russo condenado na Alemanha. A recepção de Putin, pessoalmente presente no retorno dos prisioneiros a Moscou, reforçou as suspeitas internacionais de que González era mais do que apenas um jornalista.

Ao receber os libertados, incluindo o jornalista suspeito, Putin teria dito, segundo o VOA: “Quero agradecer por serem fiéis ao seu juramento, ao seu dever e ao seu país, que não os esqueceu”.

Pablo González possui esposa e filhos que ainda vivem na Espanha e mencionaram o desejo pelo retorno do homem, que neste momento está em solo russo. Enquanto as evidências do caso dele permanecem sob sigilo, o mistério em torno de sua situação continua a gerar dúvidas: González teria sido injustamente acusado ou era de fato um espião habilidoso usando o jornalismo como disfarce?

Fonte: gazetadopovo

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