Ao Jabuticaba Sem Caroço, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Arthur Neto e Thaiana de Oliveira, especialistas mostram suas reticências quanto a uma análise pouco aprofundada feita por grande parte dos veículos brasileiros.
Vitória do centro?
Ao todo, o Brasil possui 5.570 cidades e, de fato, partidos considerados de esquerda como PT, PV, Rede, PCdoB, PDT, PSB, PSOL e PSTU obtiveram 752 prefeituras. Já os demais 4.817 municípios restantes foram divididos entre partidos considerados de centro e de direita.
Tamanha disparidade deixa evidente a derrota eleitoral sofrida pelo chamado setor progressista, tendência iniciada em 2016, quando, em meio aos escândalos da Lava Jato, o Congresso decidiu pelou impeachment da então presidente Dilma Rousseff, acusada de editar decretos de créditos suplementares sem autorização do parlamento e de ter atrasado repasses de recursos para equilibrar as contas e bancar programas como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida.
O leitor atento, que fizer a conta, perceberá que a soma resulta em 5.569. Isso se deve ao fato de que o gestor de Brasília, DF, não é considerado um município e, portanto, não tem nem prefeito nem vereadores.
A partir disso, a análise são apenas dados. O que cada portal noticioso difere é no posicionamento dos demais partidos dentro de um espectro político. Poder 360 e UOL, por exemplo, discordam em como categorizar partidos como PP, Avante, Rede, Cidadania e outros.
Com isso, uma avaliação de vitoriosos e derrotados se torna mais difícil.
Ao programa, Rosemary Segurado, cientista política e professora do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), explica que a definição de centro é contenciosa.
Para ambos os portais, o Partido Social Democrático (PSD), de Gilberto Kassab, é definido como um partido ao centro. A especialista, no entanto, discorda, afirmando que esta e outras legendas são referidas assim devido às suas participações no centrão, arranjo no Congresso Nacional de partidos que negociam apoio com o Poder Executivo.
“Mas, ideologicamente, são partidos de direita […]. Não acho que dê para chamar o MDB ou o partido do Kassab de centro.”
Da mesma forma, ainda que se fale em derrota da esquerda, o maior partido progressista do país viu seu número de prefeituras aumentar, ainda que de maneira “tímida”. “Aquém, inclusive, do que o partido projetava nesse momento.”
Em Natal, por exemplo, cidade onde o PT não colocava um candidato no segundo turno há 28 anos, a aposta, a deputada federal Natália Bonavides, quase desbancou Paulinho Freire (União) em uma disputa apertada, que terminou em 55,3% contra 44,7% da petista.
Robson Carvalho, pesquisador do Instituto de Ciência Política (Ipol) da Universidade de Brasília (UnB), destaca, por sua vez, que embora não seja possível apontar um vencedor de maneira clara, há um grande derrotado: o bolsonarismo.
Segundo o especialista, candidatos que se utilizaram de um radicalismo e um extremismo em seu discurso foram preteridos por aqueles que se mostraram mais moderados. A única exceção foi Cuiabá, onde um “bolsonarista raiz”, Abilio Brunini (PL), foi eleito.
“É caso da eleição do [Eduardo] Leitão (PT) em Fortaleza. Sem dúvida, ele foi eleito na reta final pelo radicalismo muito forte e pelo comportamento de violência política muito expressivo adotado pelo outro candidato.”
Da mesma forma, a vitória de Ricardo Nunes (MDB) pode ser vista sob esse ângulo. O candidato à reeleição usou Pablo Marçal (PRTB) para diminuir sua própria figura direitista e se apresentar como um moderado frente a Marçal e Guilherme Boulos (PSOL).
A disputa paulistana também demonstrou o efeito limitado dos apoios presidenciais. Por um lado, Bolsonaro mal participou da campanha de Nunes. Do outro, a votação deste ano de Boulos praticamente não se ampliou em relação a 2020. Este ano, mesmo com um leque de alianças por trás, o candidato psolista obteve 40,65% dos votos válidos, enquanto no pleito anterior foram 40,62%.
Nesse sentido, Carvalho lembra que há monitoramentos e pesquisas que indicam que há eleitores de Lula que votam em Ricardo Nunes, por exemplo. “Uma coisa é votar em Lula, outra coisa é votar em Guilherme Boulos.”
Da mesma forma, o pesquisador da UnB destaca que não se pode extrapolar o resultado municipal para a corrida presidencial. “Mas, em relação ao Congresso Nacional, pode-se esperar um reflexo.”
“Essas eleições municipais são base para a projeção de deputados federais, senadores e deputados estaduais.”
Fonte: sputniknewsbrasil