Depois de tentar convencer o mercado de que está preocupado com as contas públicas, o desafio seguinte para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) levar seu terceiro mandato em segurança até o fim é recompor o seu grupo político.
A tarefa soa ainda mais desafiadora se avaliar o retrospecto de sua atual gestão, marcado por atritos com o Legislativo e pelo persistente enfrentamento de adversários eleitorais. Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam, contudo, que Lula já não tem outra opção para garantir a governabilidade se não fizer uma reforma ministerial impactante ainda este ano e redistribuir o largo poder do PT na máquina pública.
Com base parlamentar inconsistente, sobretudo na Câmara, e enfrentando dificuldades de aprovação popular, além de colecionar derrotas em votações no Congresso e sofrer pressão de líderes partidários insatisfeitos com os negociadores do Palácio do Planalto, Lula se vê em condição cada vez mais frágil.
Prova disso é que, muitas vezes, o governo recorre ao Supremo Tribunal Federal (STF) para prevalecer em embates com pautas legislativas. Outro sintoma dessa fraqueza é a dificuldade do presidente em substituir o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), recém-indiciado pela Polícia Federal (PF), sob a suspeita de corrupção.
O que parecia ser uma teimosia do chefe do Executivo, está virando um quebra-cabeça cada vez mais complexo para ele montar.
Desde o resultado do segundo turno das eleições de 2022, Lula tem adiado a tarefa de reduzir a predominância do seu entorno esquerdista e flexibilizar seu programa de governo, para alargar o leque de apoios e caminhar até o centro político.
Essa demora já indica uma elevação do preço a ser cobrado pelo Centrão para firmar os próximos acordos na agenda parlamentar. Essa tendência pode ganhar um reforço caso o PT e aliados históricos confirmem a expectativa de saírem menores das eleições municipais deste ano.
Chance de Pacheco e Lira no governo cresce com a falta de articulação política
Uma das soluções apontadas por especialistas para Lula estabilizar suas relações com o Legislativo e evitar o aprofundamento das crises institucionais seria ele ceder pastas ministeriais poderosas a figuras influentes do centro e centro-direita.
Os presidentes das Casas do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o deputado Arthur Lira (PP-AL), que retornarão à planície dos plenários em 2025, poderiam ocupar posições de destaque para atuarem como intermediários e investirem em seus projetos pessoais.
Rumores sobre esse arranjo crescem à medida que a primeira metade do mandato do petista se aproxima do fim e seus reiterados dramas de articulação política se evidenciam. Lira quer disputar uma vaga no Senado, enquanto Pacheco tenta viabilizar sua candidatura ao governo de Minas Gerais ou a reeleição.
A hesitação do chefe do Executivo em remover companheiros de longa data, ainda mais aqueles que se mantiveram próximos e leais nos momentos mais duros, como o da prisão em Curitiba, não se explica apenas por gratidão, mas também por um desejo de mais segurança contra eventuais traições e abandonos.
Na prática, contudo, a tendência é de partidos de centro-direita abrigados no ministério, como Republicanos, PP e União Brasil, se distanciarem do PT, com vistas às eleições de 2024 e 2026 e em reação a cobranças feitas pelo seu eleitorado. Apesar desse cenário em decomposição, Lula teme parecer ainda mais fraco caso dê ao público a impressão de que a sua gestão foi invadida ou interditada por oportunistas.
Ocorre, contudo, que, sem apoio popular e sem reorientação programática, Lula pode não apenas sofrer ainda mais derrotas políticas, mas também sofrer um completo abandono, alimentando discussões sobre mudanças na governança do país, além do risco de impeachment.
“Como será que vai terminar esse divórcio litigioso entre Legislativo e Executivo? Sem nenhum ministro de esquerda ou com impeachment? Estou curioso para saber”, comenta o cientista político João Henrique Hummel, diretor da Action Consultoria.
PT concentra o maior número de ministérios e é pressionado a ceder
Dos 39 ministérios, 12 são encabeçados pelo PT. As legendas que aderiram a Lula no segundo turno – MDB, União Brasil e PSD – têm três ministros cada. O PSB tem dois, enquanto Rede, Republicanos, PSOL, Progressistas, PDT, PRD e PCdoB são representados por um indicado cada.
Os outros nove ministros são tidos como técnicos, entre eles a responsável pela Saúde, Nísia Trindade. Ela é o principal alvo do Centrão porque comanda um dos ministérios com maior capilaridade e orçamento. As ações do ministério atingem todas as cidades e servem como vitrine para os gestores.
Lula até admite em conversas reservadas, segundo noticiou o Estadão no mês passado, uma reforma ministerial, mas apenas após as eleições de outubro. A intenção é avaliar o cenário após a escolha de prefeitos e vereadores, identificando quais partidos se fortaleceram ou enfraqueceram e quem poderá oferecer mais apoio ao governo no Congresso.
O presidente está ciente de que membros de partidos da base aliada, como Republicanos e Progressistas, preferem não vincular sua imagem a Lula. Superada essa questão, o presidente não poderá delongar tanto nas trocas ministeriais quanto as poucas feitas no ano passado.
Outro fator que o governo espera apurar melhor antes das mudanças ministeriais é a definição das candidaturas às presidências da Câmara e do Senado. O objetivo é determinar se Lira terá força para eleger seu sucessor ou se o Planalto conseguirá apoiar uma candidatura alternativa. No Senado, o ex-presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) deverá enfrentar menos dificuldades para retornar ao cargo.
Até líder de Lula na Câmara defende uma “renovação” ministerial e nova agenda
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As dificuldades para alargar a base parlamentar mais os contratempos na área de comunicação levaram o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), a defender, há exatamente um mês, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, uma reforma na equipe ministerial e uma “chacoalhada” na agenda do governo, como estratégia para superar os percalços políticos.
Ele chegou a dizer que, se estivesse tudo bem, Lula estaria com a popularidade de 80%. Segundo o deputado, “toda renovação é bem-vinda e é preciso evitar a acomodação”. Ele reconhece, ainda, que a comunicação do governo deve ser repensada, com novo nome e estratégia.
Cargos em ministérios perderam a importância para as estatais federais
O foco principal de interesse dos políticos, sobretudo líderes partidários, não está nos ministérios, mas sim nas grandes estatais federais. Para o cientista político Ismael Almeida, isso se tornou a principal barreira entre Lula e os potenciais novos integrantes de seu grupo político.
“O problema do governo é filosófico. Lula ainda não entendeu que nenhuma reforma ministerial pode obrigar partidos a aderirem às pautas de Lula e do PT. É aí que está o conflito que ele não consegue parar”, disse. Assim, as mudanças que o presidente fizer no time ministerial acabarão virando só remendos, sem estancar a perda de apoio.
“Os primeiros mandatos de Lula tiveram sucesso porque o pragmatismo prevaleceu sobre a política ideológica do PT. Hoje, quem se beneficia dos ministérios é, na maioria das vezes, apenas o ministro indicado pelo partido”, observou.
Com os limites de manobra na Esplanada, o campo das estatais permanece sob o predomínio do PT. “O ministro é apenas decorativo, especialmente em tempos de orçamento dominado pelo Congresso. Para atrair apoio, o governo teria que dividir a parte maior do bolo”, disse.
O PT sabe que o poder efetivo atualmente está nas estatais, sobretudo quando os partidos ampliaram seu controle sobre as verbas do Orçamento da União. Por esse motivo, explica Almeida, Lula e seu grupo político até cede ministérios para aliados de ocasião, mas não abdicam de controlar o caixa das maiores empresas da União.
Exemplo disso é o Ministério das Comunicações estar com o União Brasil, do titular Juscelino Filho, mas os Correios, vinculados ao organograma dele, são dominados pelo PT.
Os resultados negativos dessa estatal, depois de registrar lucro no governo anterior, sugerem a retomada crescente do seu uso político. Também não por acaso, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, preso por quatro anos na Operação Lava Jato, já está de volta influenciando na Petrobras, palco dos maiores escândalos de corrupção em gestões petistas, segundo informaram o Globo e o Poder 360.
Fonte: gazetadopovo