Os padrões de precipitação mudaram ao longo das últimas décadas no Brasil. Enquanto parte do país registra aumento nos volumes médios anuais, outras regiões estão no caminho oposto. As alterações repercutem na ocorrência de extremos climáticos que são estabelecidos por dois indicadores: dias consecutivos secos (CDD) e precipitação máxima em 5 dias (RX5day). O estudo elaborado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a pedido do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sobre as mudanças observadas no clima no país nos últimos 60 anos subsidiam a elaboração do Plano Clima. Dados são fundamentais para a formulação de estratégias eficazes de adaptação às mudanças climáticas e podem auxiliar nas estratégias de desenvolvimento local, estadual e regional com relação a gestão do risco da mudança do clima.
“Observar dados de tendência de longo prazo é crucial porque nos permite identificar padrões consistentes e mudanças graduais no clima, que muitas vezes são sutis em curtos períodos de tempo. Isso é especialmente importante em um contexto de mudança climática, onde as alterações nas precipitações podem ter impactos profundos em setores estratégicos da sociedade, por exemplo, agricultura, e recursos hídricos”, afirma o climatologista e pesquisador do Inpe, Lincoln Alves, responsável pelo estudo.
As alterações observadas variam de acordo com a região do país. Segundo Alves, cada região possui uma especificidade climática, influenciada por diversos fatores além dos sistemas meteorológicos. Altitude, latitude, vegetação, relevo e proximidade com corpos d’água desempenham papéis cruciais na configuração do clima local. “Essas particularidades climáticas contribuem para as diferentes características e padrões de precipitação observados em todo o País”, explica o pesquisador.
A observação das últimas seis décadas de dados, que foram coletados pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), permitiu reconhecer o quanto o clima já mudou. A análise efetuada para todo o território brasileiro considerou o período de 1961 a 2020, considerando os primeiros 30 anos como período de referência, ou seja, a base comparativa. As décadas subsequentes foram segmentadas em três períodos: 1991-2000, 2001-2010 e 2011-2020.
Resultados – As anomalias de precipitação acumulada são observadas nas três décadas avaliadas. Contudo destacam-se duas regiões contrastantes no período mais recente (2011 a 2020). Os resultados indicam que os estados da região Sul e parte dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul registraram aumento nos volumes de precipitação. No período de referência, a média anual era de 1.500 mm, mas na década mais recente, entre 2011 e 2020, o volume chegou a 1.660 mm por ano, indicando um aumento entre 10 e 30%, a depender da região. Segundo o mapa de tendência de séries, algumas áreas pontuais no Norte do país também apresentaram aumento da precipitação.
De acordo com o pesquisador, o acréscimo de 160 mm na média anual indica que a região pode estar mais suscetível a desastres por conta da intensificação das chuvas. “Eventos como este tendem a ser potencializados com as mudanças climáticas, tornando-se ainda mais intensos e frequentes”, analisa.
O aumento de precipitação está associado à ocorrência de eventos extremos de chuva. O indicador RX5day revela a maior quantidade de chuva registrada em um período consecutivo de cinco dias. O índice é útil para identificar tendências de mudanças nos padrões de chuvas extremas, o que é importante para planejar infraestrutura, gestão de riscos de enchentes e inundações. “Em outras palavras, o índice informa qual foi o pico de chuva mais intenso em um curto período de tempo durante o ano, ajudando a entender quão extremos podem ser os eventos de chuvas em uma determinada região”, explica.
Segundo Alves, a análise do índice RX5day indica uma tendência preocupante. Comparando o período de referência com a década mais recente, o estudo identificou aumento de 20mm no índice. “Esse aumento não é um evento isolado, mas parte de uma tendência mais ampla observada nas últimas décadas, especialmente na região Sul do país. Aumentos na frequência e intensidade desses eventos extremos, como o que estamos vendo agora, exigem uma reavaliação das estratégias de adaptação”, afirma.
Caminho oposto – Enquanto parte do país registra aumento nas chuvas, outras regiões apresentaram tendência de queda na taxa média de precipitação. Áreas do interior do Nordeste até o Sudeste e no Brasil central registraram reduções com variações negativas entre –10% e –40%. A área com redução mais expressiva está indicada no mapa nas cores amarelo e alaranjado.
No período de referência, o valor médio da precipitação acumulada foi de cerca de 1.210 mm. O volume reduziu nas décadas seguintes, baixando para 1.030 mm no período de 2011-2020.
Segundo Alves a redução de até 40% na precipitação acumulada em algumas áreas do Brasil é significativa e pode acarretar “uma série de impactos preocupantes”. “Se essa taxa se mantiver, podemos ver o agravamento do que já estamos acompanhando: secas na Amazônia e um Nordeste ainda mais árido, o que afeta diretamente as populações e os ecossistemas”, avalia. O pesquisador destaca ainda que a diminuição das chuvas pode resultar em períodos cada vez mais prolongados de seca, o que afeta diretamente a disponibilidade de água para consumo humano, agricultura e atividades industriais. “Pode levar à escassez de alimentos e à perda de renda para os agricultores locais”, afirma.
A escassez de água pode desencadear conflitos pelo acesso dos recursos hídricos, aumento das desigualdades sociais e econômicas e gerar problemas de saúde pública, como aumento de incidência de doenças relacionadas ao acesso limitado à água potável.
Para Alves, a redução das chuvas no Brasil central pode resultar em secas mais severas e frequentes, o que compromete o abastecimento de água para consumo humano e para a agricultura, especialmente na região do Cerrado, que é um importante celeiro agrícola do país. “A longo prazo, isso pode não apenas afetar a segurança alimentar, mas também elevar os preços dos alimentos e da energia”, avalia.
Adaptação – Alves destaca que as evidências climáticas apontam para a necessidade da integração da gestão de riscos nos planos e políticas. “Isso significa adaptar estratégias em todos os níveis de governo, local, estadual, regional e nacional. Não apenas responder às alterações em curso, mas também preparar as comunidades para desafios futuros”, explica.
As mudanças climáticas observadas em diversas partes do Brasil são parte de um cenário global. O Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) ressalta que a mudança do clima já está afetando extremos de tempo e clima em todas as regiões do planeta. “Incorporar a resiliência climática em setores como agricultura, infraestrutura e saúde pública é essencial para proteger a economia, os ecossistemas e, acima de tudo, o bem-estar das pessoas”, finaliza.
Sobre o estudo – As informações climáticas são parte da base científica provida pelo MCTI para subsidiar as discussões de atualização do Plano Clima Adaptação. Conhecer as mudanças observadas é fundamental para caracterizar a ameaça climática e, por consequência, analisar os possíveis impactos, vulnerabilidades e adaptação. Exercício semelhante foi executado para a Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção do Clima.
Além da precipitação, foram observados o indicador de temperatura máxima, e três índices de extremos climáticos: dias consecutivos secos (CDD), precipitação máxima em 5 dias (RX5day) e ondas de calor (WSDI).
Fonte: noticiasagricolas