MST reforça laços com ditaduras na Venezuela, Cuba e China


Nos últimos dois anos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem intensificado as agendas e reforçado os laços com ditaduras como Venezuela, Cuba e China. A mais recente parceria envolve o envio de militantes para produzir milho, feijão e soja na Venezuela. O MST será responsável por contribuir com um projeto do ditador Nicolas Maduro, que abrangerá mais de 10 mil hectares no estado de Bolívar.

A ligação entre o movimento e as ditaduras se dá por interesses ligados ao socialismo. As relações internacionais do MST podem ser observadas desde a sua criação, há 40 anos, como é o caso das colaborações com Cuba. Por meio das chamadas brigadas internacionalistas, por exemplo, o movimento também tem relações com a Palestina, a Venezuela, o Haiti e a Zambia. Nesses países, sob o pretexto de promover a reforma agrária e a agroecologia, o movimento fortalece a formação política de seus militantes, sempre ligada a movimentos “revolucionários” e de “resistência”. 

O termo agroecologia usado pelo MST faz referência a uma alegada agricultura que tenta preservar ao máximo o meio ambiente, com foco na sustentabilidade de suas ações.

Cuba, China e Venezuela são os países com quem mais recente e frequentemente o MST tem se relacionado. O movimento leva estudantes para Havana, recebe implementos agrícolas de Pequim e disponibiliza apoio à “revolução bolivariana” de Nicolas Maduro. (Leia mais abaixo.) O líder e fundador do MST, João Paulo Stédile, esteve na Venezuela e na China nos dois últimos anos.  

A proximidade entre grupos políticos e países que buscam o socialismo é observada pela ciência política. O coordenador de Relações Internacionais e professor de Ciência Política no Ibmec-BH, Adriano Gianturco, explica que o socialismo tem raízes no internacionalismo.

“O socialismo, por definição, nasceu com grandes ligações internacionais. Desde sempre, a ideia era essa. Os jovens socialistas se opunham, entre outras coisas, à direita e ao nacionalismo”, afirma Gianturco.

Para Anne Dias, advogada e diretora do Ladies of Liberty Alliance (Lola), organização que promove a liberdade em 40 países, as relações internacionais do MST – expressas por suas “brigadas internacionalistas” e alianças com países ditatoriais – demonstram um “alinhamento ideológico com regimes autoritários e economias fracassadas”.

“Esses países enfrentam crises profundas, tanto econômicas quanto sociais e de direitos humanos, o que questiona seriamente o modelo que o MST defende e promove. Sob o pretexto de lutar contra a exploração imperialista e intervenções estrangeiras, o movimento na verdade endossa regimes que sufocam liberdades individuais e mantêm suas populações na pobreza”, afirma Anne.

Militantes do MST trabalharão em 10 mil hectares na Venezuela  

Há cerca de 20 anos, uma brigada internacionalista do MST leva militantes para “contribuir” com a Revolução Bolivariana na Venezuela.  A iniciativa teve início em 2006, após a visita do ex-presidente Hugo Chávez (1954-2013) a um assentamento do MST em Tapes, no Rio Grande do Sul, durante o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, no ano anterior.

O movimento deixa claro, em sua página oficial, que além da produção agroecológica e do intercâmbio de estudantes, a brigada também serve para estabelecer “articulações políticas com vários setores da sociedade venezuelana e do governo, na capital, Caracas”.

A iniciativa da brigada, no entanto, é diferente do convite feito por Nicolas Maduro ao movimento no começo de setembro. O ditador sugeriu que mil militantes fossem ao país para contribuir com a produção agrícola em uma área de 10 mil hectares (100 quilômetros quadrados) no estado de Bolívar.

O estado venezuelano, localizado no sul do país, faz fronteira com o Brasil e com a Guiana. Na fronteira com a Guiana está a região de Essequibo, por onde as tropas venezuelanas teriam que passar caso decidissem invadir a Guiana, como Maduro ameaça recorrentemente. No estado de Bolívar também está a região por onde entram no Brasil milhares de venezuelanos que fogem da ditadura de Nicolás Maduro.

À Gazeta do Povo, a assessoria do MST informou que os militantes “contribuirão para a construção agroflorestal da região”, no entanto, ainda não há mais detalhes sobre a parceria. “A partir do convite o tema está sendo debatido internamente, para que possamos apontar futuros desdobramentos da ação, que pretende levar para a Venezuela experiências das quais o movimento já tem experiência no Brasil”, explicou a assessoria do MST.

Após o convite, o líder e fundador do MST, João Pedro Stédile, se reuniu pessoalmente com Maduro, em Caracas, a capital da Venezuela, em 23 de setembro. O encontro foi registrado pelo ditador nas redes sociais. Nas publicações, Maduro chamou o MST de “poderoso movimento do campo” e associou as ações do grupo ao “socialismo do século 21”. 

No vídeo divulgado, Maduro afirmou que há 30 anos ele e o MST esperam por transformações que abram caminho para uma época de transição para o socialismo.  

Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o aceno do movimento ao convite de Maduro é ainda um recado para o presidente Lula, que tem implementado a reforma agrária de forma “lenta”, na avaliação dos dirigentes do MST. No entanto, a avaliação é de que, com o tempo, esse aceno isole ainda mais o movimento.

“A aceitação desse convite, vindo de um país afundado em uma profunda crise humanitária e econômica, promovida por uma das ditaduras mais brutais da América Latina, não apenas isola o MST politicamente, mas também mancha ainda mais sua imagem. Ao se aliar a um regime falido, o movimento revela sua disposição em sustentar ideias ultrapassadas e autoritárias, ignorando o sofrimento do povo venezuelano e perpetuando um modelo que leva à estagnação e à miséria”, avalia Anne Dias, do Ladies of Liberty Alliance

O deputado Luciano Zucco (PL-RS), que foi presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST em 2023, vê a relação do movimento com os regimes autoritários com desconfiança.

“Em se tratando de MST, esse tipo de aproximação gera muita desconfiança. No passado, já tivemos denúncias do envolvimento de integrantes do movimento com guerrilhas armadas, como as FARC. Tenho minhas dúvidas que essa aliança técnica para a produção de alimentos seja uma fachada para acobertar treinamentos paramilitares com a ditadura de Maduro. Nenhuma entidade séria se aproximaria da Venezuela no momento em que o mundo inteiro repudia a perseguição imposta aos opositores, com prisões, mortes e tortura”, afirma o deputado. 

MST mantem apoio ao ditador da Venezuela após denúncias sobre fraude em processo eleitoral 

A relação entre Nicolas Maduro e o MST não foi abalada nem mesmo após o processo eleitoral da Venezuela ser questionado pela comunidade internacional. A aliança política e ideológica entre o movimento e o ditador desafia, inclusive, a posição adotada pelo presidente Lula. O governo brasileiro não reconheceu oficialmente a vitória do ditador ou da oposição e caminha para um possível “reconhecimento tácito” para manter o apoio a Maduro sem gerar mais desgaste político.

O MST lamentou que o presidente Lula não tenha reconhecido formalmente Maduro como vencedor da eleição. “Para nós, é triste a posição do governo Lula. Para nós do MST seria muito mais proveitoso e importante se ele estivesse ao lado do Maduro. Mas o Lula é uma coisa, o PT é outra, e o MST é outra. Então, a gente nem sempre vai estar alinhado nas mesmas ideias”, disse Milena Polini, do setor internacional do MST em entrevista para a Rádio França Internacional

Aliado histórico de Lula, Stedile, líder do MST, também criticou o governo do petista por “se meter” na soberania da Venezuela. “É muito sábia a posição do presidente do México, Lopez Obrador, sobre a situação da Venezuela. O Itamaraty [Ministério das Relações Exteriores brasileiro] deveria aprender com ele, em vez que querer se meter em assuntos de soberania de outros países”, disse Stédile, após o líder mexicano suspender as conversas com o Brasil e a Colômbia, que queriam pressionar o ditador a comprovar o resultado da eleição de 28 de julho.

Relação do MST com a China deve ser “amadurecida” 

Focado em projetos agrícolas e de mecanização da agricultura, o MST também tem estabelecido colaborações com a China. Em abril de 2023, Stédile fez parte da comitiva do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) que foi à China.

Na aproximação com o país comandado por Xi Jinping, o MST vem buscando “amadurecer” parcerias para o intercâmbio de tecnologias para produção de agricultores familiares. “Há alguns anos vem sendo amadurecidas parcerias entre o MST e representantes chineses em prol do intercâmbio de tecnologias da China especializadas na produção da agricultura familiar”, afirmou o movimento em nota à Gazeta do Povo.  

Como resultado da aproximação com a China, o MST já recebeu 33 máquinas agrícolas, como microtratores e semeadeiras, para que sejam testadas em áreas de assentamentos na região Nordeste do Brasil.

“A região foi escolhida, porque é onde existe o maior número de famílias camponesas do país. São cerca de 50%. [O Nordeste] é onde esse número de acesso das famílias aos maquinários agrícolas não chega a 3%”, afirmou o MST em nota.

A parceria entre a China e o MST, no entanto, levanta sérias preocupações sobre as motivações desse acordo. “Ao enviar máquinas agrícolas, a China não está apenas promovendo seus produtos, mas também garantindo que o MST e seus apoiadores fiquem dependentes de seu apoio, o que pode comprometer a autonomia do movimento e facilitar a entrada da agenda chinesa no Brasil”, afirma Anne Dias. 

De acordo com o MST, esse período de testagem do maquinário deve durar aproximadamente dois anos. No entanto, o movimento afirma que já foi possível observar “avanços significativos na produção das famílias assentadas”.

Ao que tudo indica, a parceria deve ser reforçada, já que o movimento esboça perspectivas de avanços. “Futuramente, se projeta a expectativa de intercâmbio com a China para que se construa no Brasil fábricas de máquinas agrícolas para a produção da agricultura familiar”, afirmou o movimento em nota para a Gazeta do Povo.

Médicos ligados ao MST já se formaram em Cuba 

Em geral, as parcerias do MST com Cuba são relacionadas à agroecologia e à formação de médicos em universidades cubanas. O MST também tem apoiado Cuba contra o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos. 

Ao longo dos anos, por meio de intercâmbios educacionais com Cuba, o movimento brasileiro afirma ter alfabetizado mais de 100 mil pessoas por meio do método cubano Yo sí puedo (Sim, eu posso, em tradução livre). Ao mesmo tempo, dezenas de sem-terra foram formados médicos na Escola Latino-Americana de Medicina (Elam), em Havana, por meio de um sistema de bolsas de estudo. 

Recentemente, 15 jovens do MST embarcaram para Cuba para estudar “medicina humanista”. Eles serão somados a outros de mil brasileiros que já se formaram em Cuba.  

A Elam foi concebida após uma crise humanitária causada pelos furacões George e Mitch, dois ciclones tropicais que devastaram toda a região, causando a morte de aproximadamente 10 mil pessoas. Desde 1999, quando começou a funcionar, pelo menos 30 mil estudantes de diversos países se formaram na universidade cubana.  

Atualmente, a maioria dos alunos vem da Colômbia, como parte dos acordos de paz assinados entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Nesses acordos, ficou estabelecido que a Elam receberia jovens de áreas afetadas pela violência, com o objetivo de lhes oferecer treinamento vocacional para sua reintegração social.

“Origens” do movimento são pretexto para conexões com ditaduras

Ao se conectar com as ditaduras, o MST usa pretextos ligados à origem do movimento. Enfatizando a luta pela reforma agrária, pela produção de alimentos e preservação do meio ambiente e a formação acadêmica de jovens pobres, o MST ganha apoios. 

Os movimentos políticos, via de regra, têm ligações internacionais. No entanto, quando se trata do MST, que é sabidamente um movimento socialista, já há premissa internacionalista desde a sua origem, que indica a questão ideológica, segundo analistas.

O cientista político Adriano Gianturco explica que, diferente de outras vertentes ideológicas que evidenciam o nacionalismo e opunham uma nação contra a outra, o socialismo prega a oposição de classes.

“Vale lembrar que na Primeira Guerra Mundial, a Internacional Socialista [organização internacional de partidos socialistas] sugeriu participar da guerra porque para eles podia ser a ocasião para derrubar as monarquias e colocar o povo no poder de forma internacional. Não por acaso, os jovens socialistas de vários países participaram tanto da Guerra Civil Espanhola quanto da Revolução Bolchevique, na Rússia”, explica Gianturco.

O cientista político lembra ainda que uma das figuras centrais do socialismo, Ernesto Che Guevara foi um argentino que lutou em várias guerras de independência e revoluções em toda a América Latina. Che Guevara participou da Revolução Cubana, mesmo sem ter nascido no país caribenho. 

Relações do MST com ditaduras preocupam políticos e analistas 

“A ligação do MST com ditaduras como – as da Venezuela, China e Cuba – é extremamente preocupante. Essas nações, marcadas pela repressão e a falta de liberdades individuais, servem de inspiração para um movimento que, em vez de defender a reforma agrária justa e pacífica, opta por táticas de invasão de terras e confronto direto com o setor produtivo”, afirma o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS). 

Anne Dias, diretora do Ladies of Liberty Alliance, reforça a preocupação e aponta que a relação com regimes autoritários contradiz as premissas que o movimento diz adotar. “Ao se aliar a regimes autoritários, como os de Venezuela, Cuba e China, o MST expõe sua preferência por governos centralizadores e repressivos que violam sistematicamente direitos humanos e cerceiam as liberdades individuais”, afirma Anne.  

Além disso, ela aponta que, ao abraçar ideologias autoritárias, o MST perpetua a “estagnação e o controle estatal, em vez de buscar soluções que promovam a autonomia e o progresso dos agricultores”. “No final das contas, essa aproximação evidencia uma visão ultrapassada e destrutiva, que prioriza o poder político em detrimento do bem-estar e da liberdade das pessoas que o movimento afirma representar”, critica. 

Fonte: gazetadopovo

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