Sem consulta aos indígenas nem autorização, empresários cobram R$ 36 mil por pessoa para atividade irregular no Rio Mapuera
Mapa: Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Território Wayamu
No site da empresa Acute Angling/Amazon Peacock Bass na internet são anunciados pacotes para pesca esportiva no que chamam de “águas inexploradas com variedades exóticas”. “Ainda temos muito a aprender, mas uma coisa nós já sabemos. Há uma abundância incrível de peixes aqui e eles são estúpidos…nunca viram uma isca!”, diz o texto em inglês, convidando turistas estrangeiros a comprarem pacotes turísticos para visitar o que dizem ser uma “reserva indígena exclusiva”.
As empresas têm como sócios Wellington de Araújo Melo e Ronaldo Gumiero e agora eles podem ser obrigados a indenizar os moradores da terra indígena em pelo menos R$ 3 milhões. É o que pede o Ministério Público Federal (MPF) em ação ajuizada na Justiça Federal em Santarém (PA). O processo também pede que eles sejam obrigados a paralisar as atividades irregulares, cancelar qualquer expedição prevista para os próximos meses e serem proibidos de realizar qualquer atividade turística irregular dentro do território indígena Wayamu, na região dos rios Cachorro, Trombetas, Nhamundá e Mapuera, no noroeste do Pará.
Por trás da venda de pacotes que cobram R$ 36 mil por pessoa para expedições de pesca a partir do próximo mês de outubro, o MPF descobriu uma atividade ilegal dentro da terra indígena Nhamundá-Mapuera que funciona sem consulta aos indígenas, sem autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai) nem do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Com um agravante: a região tem registro de grupos indígenas isolados, que correm risco de vida com a presença irregular e descontrolada de turistas.
“Os réus invadiram o território indígena, instalaram e funcionaram pousada de pesca esportiva sem consulta prévia, livre e informada aos indígenas do Rio Mapuera; não obtiveram autorização válida da Funai para a atividade turística na Terra Indígena Nhamundá-Mapuera; e tampouco detêm licenciamento ambiental do Ibama”, resume a ação judicial. As empresas exploram pacotes de pesca esportiva na região pelo menos desde 2020 e a investigação do MPF mostrou que foram construídas estruturas ilegais dentro da área indígena.
Cooptação de lideranças – A atuação irregular das empresas ocorre dentro do território Wayamu uma área de floresta preservada formada por terras indígenas contíguas – Kaxuyana-Tunayana, Trombetas-Mapuera e Nhamundá-Mapuera, bem como as aldeias em áreas de ocupação tradicional ainda não demarcadas, no baixo curso do rio Jatapu. Além das ilegalidades e do risco aos isolados, a atividade prejudica a proteção de todos os territórios, pelo trânsito sem controle de pessoas de fora e provoca conflitos entre as comunidades.
Os réus na ação do MPF atuaram cooptando lideranças a quem ofereceram valores irrisórios desrespeitando o direito de consulta prévia, livre e informada previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os protocolos de consulta que os moradores do Wayamu já elaboraram e que determinam como deve ser feita uma consulta desse tipo. Ao descobrirem quanto os empresários estavam faturando com as atividades irregulares, os próprios indígenas denunciaram a situação ao MPF.
Ao analisar os pacotes vendidos pela internet, o MPF constatou que o faturamento total para a temporada de pesca que iria de outubro de 2022 a janeiro de 2023 seria de R$ 3,6 milhões. O pagamento às lideranças indígenas ia de R$ 1 mil a R$ 5 mil. “Estão sendo ofertados o total de 12 expedições exploratórias/pacotes no período de 2022 e 2023. Cada pacote conta com 8 pescadores pagando U$ 6.995,00 por pessoa”, diz a ação do MPF.
Reincidente – A ação do MPF destaca que não é a primeira vez que o réu Wellington de Araújo Melo promove atividades irregulares em áreas indígenas. Segundo as investigações, ele teria sido expulso de aldeias indígenas na região do Alto Rio Negro, no Amazonas, onde também explorava o turismo sem consulta aos povos, sem autorização da Funai ou do Ibama.
Para o MPF, o réu é reincidente na prática de adentrar terras indígenas sem autorização. Por esse motivo, um dos pedidos urgentes da ação judicial é para que a Justiça proíba o acusado de entrar na terra Nhamundá-Mapuera ou qualquer outra área do território Wayamu sem autorização da Funai e das lideranças indígenas.
Base comunitária – A prática de turismo em áreas indígenas não é proibida pelas leis brasileiras e pode ocorrer de acordo com regras estabelecidas pela Funai e com autorização do órgão ambiental – o Ibama – a depender de estudos de impacto sobre o meio ambiente. A atividade é regulamentada por uma instrução normativa da Funai – a IN 003/2015 – e só pode ser feita pelas próprias comunidades indígenas, o chamado turismo de base comunitária, em que toda a renda é revertida para os moradores.
A ação do MPF faz essa ressalva, afirmando que a instalação de atividades turísticas terras indígenas pode ocorrer, desde que “respeite a organização interna dos indígenas, principalmente seus PGTAs (planos de gestão territorial e ambiental) e protocolos próprios de consulta, seja de base comunitária, eleve a autonomia desses povos, siga os ditames da IN 003/2015 da Funai e, obviamente, seja precedido das devidas análises ambientais pelo órgão ambiental competente”.
Processo 1015433-24.2022.4.01.3902 – 1ª Vara Cível e Criminal da Justiça Federal em Santarém (PA)
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