Em nota técnica, órgão afirma que o valor resguardado para o endividado viver é irrisório e estimula a contratação de novos empréstimos
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O Ministério Público Federal (MPF) divulgou, nesta segunda-feira (15), nota técnica em que defende a revisão do Decreto 11.150/2022, que regulamenta a chamada Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021), incorporada ao Código de Defesa do Consumidor. O decreto fixa o mínimo existencial – quantia mínima da renda de uma pessoa para pagar despesas básicas e que não pode ser usado para quitar dívidas – em 25% do salário mínimo, o que atualmente corresponde a R$ 303. Para o MPF, o valor “irrisório” do mínimo existencial definido pelo decreto aumenta a vulnerabilidade dos mais pobres e estimula o superendividamento dos brasileiros. O documento foi elaborado pelo Grupo de Trabalho Consumidor, vinculado à Câmara de Consumidor e Ordem Econômica do MPF (3CCR).
A nota técnica ressalta que o objetivo da Lei do Superendividamento foi preservar os direitos do consumidor e equilibrar as relações de consumo, permitindo um desenvolvimento sustentável das atividades econômicas. Para isso, a norma criou diversos mecanismos de prevenção, tratamento e conciliação de situações de superendividamento. Entre eles, o mínimo existencial, que corresponde ao valor da renda de uma pessoa que não pode ser contabilizado pelo credor na hora de conceder empréstimos ou negociar dívidas.
Segundo o MPF, porém, ao regulamentar o tema, o decreto presidencial desvirtuou o sentido original da lei, ampliando as possibilidades de endividamento da população, especialmente daquela mais vulnerável. “É notório que tal valor é irrisório para assunção realizável dos compromissos domésticos mais basilares. Além disso, a ampla margem disponibilizada para endividamento não contribuiria para a sustentabilidade nem das relações de consumo, nem do mercado de crédito”, registra a nota técnica.
O documento questiona, ainda, o fato de o decreto excluir, para fins de aferição da preservação e não comprometimento do mínimo existencial, despesas com dívidas não relacionadas ao consumo. Entre elas, dívidas de financiamento imobiliário, de empréstimos com garantias reais, de tributos e despesas condominiais, de crédito consignado, limites não utilizados de cheque especial e linhas de crédito pré-aprovadas. Para o MPF, o dispositivo viola o Código de Defesa do Consumidor, que já definiu expressamente que a prevenção e o tratamento do superendividamento englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos na relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.
Regulação – O MPF alega que o endividamento exagerado é uma fonte de vulnerabilidade para o consumidor, e alerta para o assédio agressivo de alguns fornecedores de crédito, especialmente à população mais pobre e com baixa escolaridade. Para atingir suas metas de lucro, esses agentes fornecem crédito e empurram empréstimos, sem se preocupar com a real capacidade financeira desses consumidores de arcar com as dívidas contraídas. Essa prática compromete não apenas o indivíduo, mas interfere na própria ordem econômica. “O poder regulador deve evitar, ou pelo menos manter em um nível saudável, a influência dos credores no ambiente regulatório como forma de manter a paridade de forças entre um e outro”, aponta a coordenadora do GT Consumidor, procuradora da República Mariane Guimarães.