Objetivo é garantir que Iphan e Iepha não se omitam no seu dever de fiscalização do patrimônio cultural do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Pampulha
Margem da Lagoa da Pampulha totalmente assoreada e coberta por vegetação.Foto: MPF-MG
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais recomendaram ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) a adoção de todas as providências necessárias para promover e fiscalizar o efetivo desassoreamento da Enseada dos Córregos Água Funda/Bom Jesus e Braúnas, mais conhecida por Enseada do Zoológico, para que ela retorne ao seu estado original, com restauração integral da orla e do espelho d ́água.
Também foi recomendado que a Enseada do Zoológico não seja mais utilizada como bota-espera dos serviços de desassoreamento da Lagoa da Pampulha ou em desacordo com as diretrizes de proteção cultural.
O objetivo é garantir proteção integral ao Conjunto Paisagístico da Pampulha, considerado patrimônio cultural mundial pela Unesco em julho de 2016. Antes disso, o Conjunto da Pampulha já havia sido objeto de tombamento federal em 1997, e estadual, em 1984.
No processo de reconhecimento pela Unesco e nos dois tombamentos, foi expressamente considerado que o Conjunto da Pampulha é uma junção indissociável das construções arquitetônicas com a paisagem natural formada pela integração entre a Lagoa da Pampulha [espelho d’água e orla] e o paisagismo ao seu redor.
“Apesar disso, o que temos visto é a descaracterização ilegal desse patrimônio, por meio de ações omissivas e até propositais, com o assoreamento crescente de enormes áreas da Lagoa e até o aterramento de alguns trechos, como ocorreu na construção do Parque Ecológico”, afirma a procuradora da República Silmara Cristina Goulart.
U$ 75 milhões – De acordo com a recomendação, a Prefeitura de Belo Horizonte, desde 2013, já captou no exterior, tendo a União como garantidora do contrato de financiamento, pelo menos U$ 75 milhões de dólares para a execução de ações do Programa de Recuperação da Bacia Hidrográfica da Pampulha. No entanto, apesar da previsão de retirada de milhares de metros cúbicos de sedimentos, as enseadas e o fundo da lagoa, na sua extremidade oeste, continuam gravemente assoreados, e particularmente a Enseada do Zoológico está praticamente aterrada.
“Além disso, as ações de desassoreamento realizadas ao longo dos anos têm negligenciado vários trechos assoreados na orla, inclusive com o aterramento de alguns deles, de forma ilícita, especialmente na área chamada de Enseada do Zoológico. Essa situação acaba por obstruir dezenas de caixas de drenagem de água pluvial, o que, além de trazer risco de dano irreversível ao espelho d’água, também potencializa o alagamento das vias terrestres circundantes”, relata a recomendação.
Outro ponto destacado pelos ministérios públicos é que, desde 2015, a Prefeitura de Belo Horizonte já lançou pelo menos dois Procedimentos de Manifestação de Interesse, por meio dos quais pretende, ao invés de recuperar a Enseada do Zoológico e seu espelho d’água, transformá-los em um parque semelhante ao que foi feito na Enseada dos Córregos Ressaca e Sarandi, onde foi implantado o “parque ecológico”.
“Acontece que o assoreamento e indevido aterramento da lagoa, sobretudo em sua extremidade oeste, descaracteriza a orla e o espelho d ́água, ameaçando a integridade dos atributos que conferem ao Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Pampulha distinção enquanto Patrimônio Mundial”, lembra a recomendação, para considerar que, nesse aspecto, o que se percebe é a “intenção deliberada de descaracterização, destruição e/ou mutilação de bem tombado”, o que pode configurar eventual prática dos crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural previstos nos art. 62 e 63 da Lei 9.605/98.
Desvio de finalidade – A recomendação também descreve a maneira como os órgãos de proteção ao patrimônio cultural têm sido omissos na proteção à Lagoa da Pampulha.
Em novembro do ano passado, técnicos do Iepha/MG posicionaram-se contrariamente à solicitação da Sudecap de uso permanente da enseada do Zoológico para o uso de bota-espera dos resíduos provenientes das ações de dragagem da lagoa, e disseram, por meio de nota técnica, que, além da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte estar em atraso com as obrigações assumidas de desassoreamento da área, a permanência do bota-espera colocaria em risco a integridade do bem tombado pelo Estado de Minas Gerais e pela União.
No entanto, meses depois, “o mesmo órgão de proteção, contrariando toda a fundamentação desenvolvida nas Notas Técnicas anteriores, passou a admitir, de forma injustificada e casuística, a utilização da Enseada do Zoológico como bota-espera até o ano de 2026, mesmo assumindo que “quando do tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Lagoa da Pampulha, a enseada se configurava como espelho d ́água e que consta, em fotos de antigas vistorias e foto aérea de 1984, imagens dessa condição” e que “o que se observou foi o paulatino processo de assoreamento e aterramento da referida área, que deveria estar restaurada na presente data”.
Para os autores da recomendação, essa recente admissão configura ato ilícito, que fere o princípio da precaução e pode ser entendido como desvio de finalidade (Lei n. 4.717/65, art. 2º) e ainda como crimes de prevaricação (Código Penal, art. 319) e contra a Administração Pública (art. 321 do Código Penal), além de improbidade administrativa (art. 11, V e §3º, da Lei n. 8.429/92), “sobretudo porque a mudança repentina de posição pelo órgão de proteção coincide com o momento processual em que o Tribunal de Contas de Minas Gerais concedeu medida liminar suspendendo procedimento licitatório eivado de ilicitudes (Representação/TCE-MG n. 1.126.963, que trata dos vícios nos contratos para desassoreamento e limpeza da Lagoa da Pampulha, reproduzidos no pregão eletrônico SMOBI 022/2022), sendo a NT nº 251/IEPHA/GPO/2022 usada para embasar pedido de revogação da liminar”.
Iphan – A recomendação afirma que também o Iphan vem sendo omisso na proteção do patrimônio cultural constituído pelo Conjunto da Pampulha, ao autorizar o projeto de desassoreamento da Lagoa sem fiscalizar ou cobrar o “retorno do seu traçado original”, condição que havia sido imposta ao Município para a realização da intervenção.
Na verdade, em 2021, a Superintendência do Iphan em Minas foi intimada a se pronunciar sobre as ilegalidades relativas ao assoreamento da Enseada do Zoológico e dos pontos da extremidade oeste da Lagoa da Pampulha, como também instada a informar quais medidas de fiscalização teria tomado em face das intervenções promovidas para desassoreamento desses pontos. No entanto, a autarquia permaneceu inerte, não respondendo as intimações do Ministério Público.
A questão é que, segundo a recomendação, os órgãos de proteção ao patrimônio cultural não podem se eximir de suas responsabilidades, que são, fundamentalmente, as de fiscalizar e controlar todas as intervenções, reprimindo as atividades potencialmente degradadoras por meio de fiscalizações, lavratura de autos de infração, embargos etc., sob pena de omissão e desrespeito às normas jurídicas.
“Nunca é demais lembrar que, na esfera penal, a omissão dos órgãos de proteção pode configurar eventual crime de prevaricação, sobretudo quando a gravidade do paulatino assoreamento da extremidade oeste, com consequente redução do espelho d’água, bem como do assoreamento e aterramento da Enseada do Zoológico foi noticiado em diferentes instâncias administrativas e amplamente divulgada pelo Ministério Público desde 2021”, adverte a procuradora da República Silmara Goulart.
Por isso, os ministérios públicos recomendam expressamente aos agentes públicos do Iepha que assinaram a nota técnica permitindo, “em desvio de finalidade, de forma ilícita e inconstitucional”, a ação de bota-espera na Enseada do Zoológico, que reconsiderem essa decisão, sob pena de virem a sofrer medidas jurídicas e processuais de responsabilização pessoal, e eventualmente responderem pela prática dos crimes de prevaricação e contra o patrimônio cultural e por improbidade administrativa.
Também foi recomendado ao Iphan e ao Iepha que exerçam seus deveres de “forma efetiva e abrangente em sua atuação na matéria sob análise, seja quanto às questões do assoreamento, qualidade das águas, limpeza urbana, paisagismo e arquitetônicas, para a garantia da proteção do Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Pampulha, no qual se incluem a orla e o espelho d ́água da Lagoa da Pampulha, informando aos ministérios públicos, por meio de relatórios mensais, instruídos com documentação pertinente, o integral cumprimento da recomendação.
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