Movimentos separatistas na Espanha dão força ao recrudescimento da figura de Franco, dizem analistas


A Espanha é um Estado unitário nacional composto por grupos étnicos regionais. Isso ocorre porque a formação do país se deu através da junção de vários reinos, que inicialmente formaram o Reino de Castela, que posteriormente se tornou a Espanha como hoje é conhecida.
Isso explica por que no país os habitantes não se referem a si mesmos como espanhóis, mas, sim, catalães, bascos, galegos, navarros e madrilenhos, por exemplo.
Apesar de Madri ser o centro da Espanha, as demais regiões possuem grau autônomo de organização e coesão sociais. A convivência dessa pluralidade, no entanto, não se sustenta de forma pacífica, e ao longo da história várias regiões já lançaram revoltas separatistas. Uma das mais famosas é a travada pela região basca, liderada pelo grupo ETA, classificado no país como terrorista, cuja sigla significa Euskadi Ta Askatasuna (Pátria Basca e Liberdade em euskara, a língua basca).
Há algumas décadas, as ações separatistas eram duramente reprimidas, especialmente durante a ditadura de Francisco Franco (1939–1977). Porém, nos últimos anos, o assunto tornou a ascender.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicam o que esses movimentos significam para a Espanha e quais são seus impactos políticos.

Por que os nacionalismos regionais persistem na Espanha?

Doutor em história pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especialista em identidades clubísticas e regionais no futebol espanhol, Victor de Leonardo Figols explica que as tensões observadas atualmente estão presentes porque há “um passado que não foi muito bem resolvido dentro da Espanha”.

“Regiões como a Catalunha, como o País Basco, a própria Galícia, conseguiram manter, de certa forma, algumas estruturas nacionais, do ponto de vista da língua, da culinária, de uma cultura própria, que tenta e busca se diferenciar do que seria esse espanhol. E normalmente esse espanhol está ligado a uma ideia de Castela, ou seja, a região central, Madri.”

Ele cita o caso da Catalunha, que no século XVIII pertencia ao Reino de Aragão, que em 1714, após uma guerra, foi anexado ao Reino de Castela.
“A partir desse momento, a região da Catalunha passa a ser dominada por Castela e, consequentemente, se tornará a Espanha. E essa região mantém alguns traços culturais da Catalunha, mesmo sob o domínio de Castela. Um dos pontos principais nessa dominação de Castela é a abolição da língua, que é o catalão, nas instituições públicas e, principalmente, no ensino”, explica, acrescentando que a língua se manteve viva em zonas rurais.
Porém o nacionalismo catalão reapareceu na metade do século XIX, “quando surge uma geração de intelectuais que vão pensar a região da Catalunha antes do domínio de Castela”.

“A língua, ou esse catalão medieval, era falado em trovas, em poemas, e eles vão rememorar isso e construir novas narrativas da Catalunha a partir disso. É um movimento que ficou conhecido como Renascença Catalã, e ali começa um surgimento de um nacionalismo catalão.”

Figols explica que ao longo dos séculos foram várias as revoltas separatistas na Catalunha reprimidas pela Espanha, que não pretende perder essa região, que é extremamente rentável para o governo. O mesmo ocorre com os bascos.
Ele acrescenta que após a ditadura de Franco, legendas como o Partido Popular (PP) herdaram o nacionalismo franquista que asfixiou revoltas separatistas. Porém, após a ascensão do governo do primeiro-ministro Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), eleito em 2018 e reeleito em 2023, criou-se uma coalizão conciliadora, que inclui o PP.
Questionado sobre se esse modelo de gestão incentivou o recrudescimento de revoltas separatistas, Figols diz que no momento elas estão frias, principalmente após as prisões políticas ocorridas durante a última revolta separatista da Catalunha, em 2018.

“Não vou dizer que acabou, eu acho que é um sentimento que ainda está muito presente, principalmente em algumas fileiras mais à esquerda dentro da Catalunha.”

Movimentos separatistas dão força à figura de Franco

Figols enfatiza que os movimentos nacionalistas regionais estão resultando na retomada de força da figura de Franco, que “continua muito viva dentro da Espanha e está ganhando contornos preocupantes”, afirma o especialista, citando a ascensão do partido de direita Vox.

“É um partido que reivindica uma herança franquista, ele é abertamente xenófobo com estrangeiros, mas também com esses nacionalismos regionais. É uma extrema-direita que está crescendo muito na Espanha e que se diz a herdeira do franquismo. […] eu acho que a figura de Franco não é um fantasma, eu acho que ela está muito presente, ela está ali; não está rondando, ela está ali, é visível.”

A opinião é compartilhada por Urko Gomez Egizabal, professor e cidadão do País Basco. Entretanto ele destaca que foi exatamente a ascensão de Franco e sua tentativa de unir o país apagando a memória de outros grupos étnicos regionais que fortaleceu as causas separatistas, em efeito contrário.
“Ele quis unificar tudo. Baixou uma [outra] bandeira. Essa bandeira é de quando? Eu não sei. Eu reconheço a outra, a republicana, [com] três cores, feita para esse trato de liberdade. Não essa nova bandeira que ninguém botou. Foi imposta por eles. Ninguém aceitou. Então é isso. A religião, o fascismo foram as chaves dessa unificação na Espanha. Não tentando falar com as pessoas e fazer uma confederação. Não, simplesmente ele sendo o ditador, ele mandando em todos porque sim.”
“Imagina a mãe da minha mãe, a minha avó. Ela cresceu só sabendo [falar] o euskara. Ela não sabia espanhol, não conseguia falar. Até na escola a monja brigava com ela, [dizendo] ‘Mulher, como você não fala castelhano? É obrigatório falar castelhano’. E aí era batida [apanhava]. Ela não sabia falar. Era uma pessoa humilde que trabalhava no campo. E ela morreu simplesmente só sabendo espanhol. Ela esqueceu todo o euskara. Então imagina a tua família apagar toda a sua cultura?’, questiona.
Egizabal afirma ainda que a Constituição da Espanha não fala do Reino da Espanha nem da Espanha, mas sim do Estado espanhol.

“Quer dizer, a Espanha é uma etiqueta que simplesmente nem existe. Existe, mas quantos anos tem essa bandeira da Espanha? Como era antes todo esse negócio? Tinha vários reinos […], mas não estava tudo unido. Daí também, os muçulmanos ficaram 700 anos aqui no Estado. Então como você pode falar em unicidade na Espanha quando a Espanha é uma nação de nações, que você tem muitas culturas, muitos idiomas diferentes? Então como é só uma? Não existe.”

Ele destaca que a questão da língua é outro entrave à convivência pacífica, por conta da imposição do espanhol.
“Catalão, euskara, castelhano, são todas línguas oficiais. E a Constituição da Espanha coloca que são línguas oficiais […], mas aqui, no País Basco, não pode falar na sua língua […], então o que é isso? […] Vocês não estão respeitando a Constituição?”, questiona o professor.
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Fonte: sputniknewsbrasil

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