O ciclo 2023/24 da agricultura brasileira está tendo que conviver com elemento ingrato, a mosca-branca. A pressão da praga já foi muito alta durante a soja na safra de verão e depois se espalhou para as culturas subsequentes como o algodão safrinha e o feijão, chegando até mesmo a preocupar os produtores de milho, cultura que não é o hospedeiro principal do inseto.
De acordo com Paulo Garollo, Fitotecnista e Especialista Para Cultura do Milho na Fitolab, os padrões de clima já apontavam a perspectiva de que a pressão da mosca-branca seria maior em 2024, porém os níveis foram ainda maiores do que o esperado.
“O El Niño, com calor e menos chuva, torna as pragas mais presentes, além de encurtar o ciclo dos insetos e aumentar a capacidade reprodutiva deles. Houve um avanço muito expressivo da praga na cultura da soja, algo histórico, nunca houve tanta pressão”, avalia.
Além de mais presente, as moscas chegaram mais cedo na safra de soja 23/24 do que costumavam chegar em anos anteriores.
“Teve uma infestação bem maior na soja desde o início da cultura, até nas áreas semeadas mais cedo. Normalmente elas costumam aparecer mais tarde, nas áreas plantadas a partir de novembro, mas nessa safra já nos plantios de outubro houve a presença e a necessidade de controle com defensivos”, conta Lúcia Vivan, Entomologista da Fundação MT.
No entendimento da especialista, as condições climáticas nesta safra foram ideais para o aumento da população nas lavouras de soja do Brasil.
“Acredita-se que foi a condição do ambiente mais seco. Houve a primeira infestação de adultos que colonizou as áreas, a umidade deveria evitar essa colonização, mas a população se espalhou rápido. A população consegue aumentar muito rápido, especialmente no calor”, relata Vivan.
Outro fator que contribuiu para o aumento do problema foi o escalonamento no plantio da soja e a necessidade de realizar replantios em muitas das regiões produtoras.
“A soja é o principal multiplicador da mosca-branca no campo e houve um plantio escalonado, com necessidade de replantio, o que deu alimento no campo por mais tempo para os insetos com semeaduras avançando em outubro, novembro e dezembro. Além disso, alguns agricultores abandonaram áreas porque não sabiam se iam produzir, o que também ajudou na multiplicação da mosca”, explica Eliane Quintela, Pesquisadora da Embrapa Arroz e Feijão.
Ainda olhando para a soja, a entomologista da Fundação MT destaca que, uma vez nas lavouras, a mosca-branca causa perda das folhas da planta e antecipa o ciclo da oleaginosa, refletindo diretamente na produtividade. “Houve diferença de cerca de 20 sacas por hectare entre áreas com aplicação e sem aplicação”.
Diante da ineficiência do controle durante a safra de soja, o problema persistiu e se espalhou para as culturas subsequentes de segunda safra como o algodão e, especialmente o feijão.
“A planta de soja é hospedeira dos dois vírus transmitidos pela mosca-branca para o feijão, o Cowpea mild motle virus (carlavirus), que causa a Necrose da haste da soja, e o Bean Golden mosaic virus (geminivirus), o vírus do mosaico dourado do feijoeiro. Quando se planta feijão logo após a soja a produção é muito afetada, como a soja se estendeu até abril, quem semeou o feijão logo depois teve perdas de até 100%”, relata Quintela.
Entre as regiões mais afetadas para feijão estão os estados de Goiás, Mato Grosso, Bahia e Paraná, especialmente nas áreas que registraram climas mais quentes e secos no período.
É o caso do município paranaense de Prudentópolis, que se destaca na cultura do feijão preto. Diretor do Sindicato Rural de Prudentópolis, Romildo Salanti, conta que as produtividades foram muito afetadas na região devido ao sério problema com a mosca-branca.
“A cultura foi muito danificada. Além de perder produtividade houve aumento nos custos de produção, já que foi necessário realizar várias aplicações de inseticidas para tentar controlar e mesmo assim foi difícil. Houve áreas de soja safrinha após a cultura do feijão em que o ataque também foi violento. Os prejuízos vão ser grandes”, relata Salanti.
Esse difícil controle da praga é reforçado pelas especialistas. Lúcia Vivan destaca que não pode haver demora para entrar com aplicações de defensivos, já que a colonização ocorre rápido, aumentando a população da praga na lavoura.
“É importante acompanhar a população de adultos e realizar a aplicação quando observar de 5 a 10 ninfas, esse é o momento de iniciar a aplicação”, aponta Vivan.
A importância deste olhar para as ninfas também é destacada por Eliane Quintela. “O principal problema do controle pelos produtores é que eles pensam somente nos adultos, mas se existem ninfas no campo elas viram novos adultos. Então o correto é utilizar inseticidas que atinjam tanto os adultos quanto nas ninfas”.
A pesquisadora da Embrapa Arroz e Feijão explica que é importante iniciar o controle desde a safra de soja e no começo do ciclo da praga, que se reproduz rápido e consegue “se esconder” embaixo das folhas.
“De 15 a 18 dias já se tem uma nova geração de moscas, então é importante realizar a aplicação com as ninfas ainda no 1º ou 2º instar, quando as ninfas ainda estão nas folhas do ponteiro. A fêmea faz a postura na folha do ponteiro, com 6 dias já tem ninfas de 1º instar, mais 9 dias tem ninfas de 2º instar ainda no ponteiro. Se deixar para o 3º ou 4º instar as ninfas já estão no meio e baixeiro das plantas e a maior parte dos inseticidas atingem mais a parte superior das folhas”, detalha Quintela.
ALERTA AMARELO LIGADO NO MILHO
Ao contrário das culturas da soja, algodão e feijão, o milho funciona apenas como abrigo para a mosca-branca, sem registros de que a praga causa danos as plantas.
Porém, neste ano de 2024 com as moscas se deslocando da soja, à medida em que a colheita avançava, para culturas como feijão e milho, houve um avanço da população do mosca-branca nas lavouras da safrinha de milho, o que chamou a atenção dos especialistas.
“Esse ano pude notar um avanço muito alto da população de mosca-branca na cultura do milho e uma coisa que me causou espanto foi que ela se multiplicou, ela conseguiu se multiplicar na cultura do milho. A gente encontrava, não só o adulto, mas muitas ninfas de mosca branca na parte inferior da folha de milho”, aponta Paulo Garollo.
O cenário causou espanto no especialista, diante do risco de a praga passar a ser um problema também no milho. “Foi um susto, eu fiquei muito preocupado porque eu imaginei a mosca-branca também se tornando uma praga que poderia vir a ser importante na cultura do milho, mas o que eu notei é que ela foi se extinguindo dentro do sistema agrícola”.
Mesmo assim, o sinal de alerta está ligado para que os pesquisadores sigam acompanhando a situação e estudando novas mutações do inseto que possam trazer risco também à cultura do milho.
“Então, a princípio, não deixa de ter um sinal amarelo para que a gente continue estudando e observando o comportamento da praga com possibilidade de ela causar dano ao milho. Aí pode se tornar um grande problema, mas por enquanto isso acabou não acontecendo. Continuamos então tendo a planta de milho como planta apenas de abrigo e não uma planta que sofre danos da mosca branca”, conclui Garollo.
Fonte: noticiasagricolas