Qual a diferença entre soft power e hard power?
“O conceito de soft power para [Joseph] Nye, ele é derivado da cultura, quando os países olham a sua cultura e falam ‘Nossa, que legal essa cultura, quero fazer igual, quero seguir esse país, quero ser como ele, quero tomar Coca-Cola, quero assistir cinema de Hollywood e jogar pôquer’.”
Quando a China começou a investir em soft power?
“Esse processo de atração de grandes eventos internacionais é tradicionalmente uma forma de exercer poder brando, exercer soft power, o Brasil faz isso também. É uma forma muito tradicional, muitos países do mundo fizeram isso, as Olimpíadas têm esse elemento bastante marcante.”
“Tinha a questão do Tibete, tinha a questão do Dalai Lama, tinha uma série de questões políticas […] [para as quais] a mídia ocidental teria dado mais atenção […] do que a verdadeira mensagem que a China queria passar, na interpretação chinesa, […] com as Olimpíadas, uma ideia de superação, de união e tudo mais, de desenvolvimento que a China queria mostrar para o mundo.”
“São gastos mais tradicionais e, talvez por isso, até mais visíveis para a gente no Ocidente, que está mais acostumado a lidar com essas outras presenças todas, mas a China tem investido muito, de forma constante e crescente.”
“Se eu precisasse falar de bate-pronto uma bebida da China, talvez eu tivesse dificuldades. Mas uma marca de tecnologia a gente já começa a falar com mais facilidade […]. Então eu acho que esses são todos elementos que mostram que a China vem investindo com constância e de uma forma crescente também .”
Qual o objetivo do Instituto Confúcio?
“Eles [a China] tinham 500 institutos Confúcio no mundo todo, […] quase 130 estavam nos Estados Unidos, então [os EUA] eram o lugar de destino principal. Mas, principalmente durante o governo [Donald] Trump, houve um fechamento em massa de institutos Confúcio por uma questão política mesmo, por um enfrentamento que estava acontecendo ali, político, com relação à China, uma desconfiança generalizada com relação a pessoas chinesas, inclusive com discursos bastante preocupantes e até mesmo xenofóbicos do [então] presidente dos Estados Unidos […], e houve um fechamento de 100 desses 130 institutos Confúcios; sobraram 30.”
“Por que o caso do cinema é diferente? Porque a China é o maior mercado cinematográfico do planeta. Então desde 2016 a China tem a maior quantidade de salas de cinema do mundo, e desde 2020 a China é o maior mercado cinematográfico do planeta em número de bilheteria mesmo, em valor de bilheteria. E isso faz com que Hollywood dependa muito do mercado chinês.”
Como funciona o sistema da China?
“[Joseph] Nye fala no livro dele, um dos iniciais, […] ele fala que antes de o Muro de Berlim ter sido derrubado pelas marretas, ele já havia sido perfurado pela cultura dos Estados Unidos. Então os alemães de Berlim Oriental já dançavam como Elvis Presley, […] já tinham sido contaminados pela cultura estadunidense”, explica Menechelli.
“Ele [soft power chinês] coíbe a entrada [no país], ele determina o que pode entrar, e ao mesmo tempo ele também tenta fazer um fortalecimento daquilo que deve ser mais divulgado ou não, ou daquilo que tem apoio governamental. Então filmes, por exemplo os filmes que são exibidos, produzidos, filmados e que vão ao cinema na China, todos eles têm que ter o selo, o selo do dragão, que é o selo de aprovação oficial do governo.”
“Enfim, tem muita coisa. O próprio fortalecimento na Coreia do Sul, por exemplo, da indústria cultural se dá no final da década de 1980, quando havia uma rejeição dessa presença massiva da cultura estadunidense ali e se queria proteger e fomentar a indústria local. Há muito disso. Não é só a China que faz isso, mas, de novo, a dimensão chinesa talvez nos chame a atenção para isso e nos faça ver essa ideia da utilização do soft power com mais interesse do que só o conceito original.”
Como o soft power do Brasil entra na China?
“‘Escrava Isaura’ fez um sucesso estrondoso na China. E até hoje as pessoas mencionam ‘Escrava Isaura’. Quando você vai falar lá, vai falar com algum diplomata chinês, o cara tem uma chance muito grande, depois que você falar que é do Brasil, de mencionar ‘Escrava Isaura’.”
“O filme [Na Estrada da Vida] fez muito sucesso, e a história daqueles dois caras em um caminhão […] repercutiu na China. O Milionário e o José Rico vão para a China, e foram feitas muitas matérias interessantes sobre isso. Se você der um Google, você consegue sempre achar Milionário e José Rico na China. Eles começaram a fazer shows lotados, e até hoje o pessoal da China menciona o Milionário e o José Rico”, acrescenta.
Fonte: sputniknewsbrasil