De acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o preço do leite pago em junho, referente ao produto captado em maio, teve a sétima alta consecutiva, considerando a Média Brasil, realizada pelo órgão. Isso mostra que desde o período da safra na maioria das bacias leiteiras do país os preços, que deveriam estar em queda durante a estação em que se produz mais, estavam subindo. “O valor do leite pago ao produtor acumula avanço real de 30,4% (os valores foram deflacionados pelo IPCA de maio). O movimento de alta se explica pela redução da produção no campo. O Índice de Captação Leiteira (ICAP-L) do Cepea teve pequena reação de 0,14% de abril para maio, mas acumula baixa de 7,7% na parcial deste ano”, informou o Cepea em relatório no final do mês de junho.
Glauco Rodrigues Carvalho, economista da Embrapa Gado de Leite aponta que “sim, de fato estamos em um movimento de recuperação, mas os próximos meses vão exigir atenção dos produtores. Por enquanto estamos com pouca disponibilidade, o que tem ajudado nos preços”, disse.
Carvalho detalha que pontos de atenção devem ser levados em consideração pelo produtor nos próximos meses, recomendando que o setor produtivo deve “manter seu controle de custo e focar na gestão da atividade”. “Com a casa em ordem e boa eficiência, consegue manter rentabilidade”, reforçou.
Entre os pontos de atenção citados pelo economista estão a continuidade das importações de leite em volumes elevados, tendência de alta nos custos de produção, sobretudo os fertilizantes, e um possível impacto na ponta final consumidora em relação a repasse de preços.
Sobre os dois últimos pontos (custos de produção e impacto no consumo), Carvalho explica: “o próprio farelo de soja já subiu nos últimos dois meses e a desvalorização do real acarreta isso. Outra questão é que o setor varejista ficou com margem apertada neste primeiro semestre, sobretudo no leite UHT, e neste momento tem segurado os preços na indústria, enquanto sobe ao consumidor”, apontou.
Guilherme Dias, assessor técnico da Câmara Técnica da Pecuária de Leite da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) cita que há um cenário de cautela, apesar de ser um momento de preços mais favoráveis.
“Temos as importações ainda em patamares altos. Agora a gente está entrando, na maior parte do Brasil, momento de período seco em grandes bacias produtoras, centro-oeste e sudeste. Isso reduz a produção. A relação de troca de litros de leite X saca de milho, melhorou ao longo dos primeiros cinco meses do ano. Começou com 30 litros para comprar uma saca de milho e agora em maio precisava 21 litros”, disse.
Dias amplia o cenário e faz uma retrospectiva, relembrando um momento de crise aguda no setor. “Hoje a margem líquida da atividade está bastante baixa em relação aos últimos anos. Tivemos um boom na pandemia, depois um aumento nos custos de produção”. Ele complementa, explicando que “com a descapitalização do produtor, houve o descarte de animais menos produtivos, priorização da alimentação de animais em lactação, e isso atrasa a entrada de animais em produção no ciclo reprodutivo, e isso a gente vê nos anos subsequentes. 2022 teve um índice de captação muito baixo, e isso vai se refletindo”.
Voltando para a atualidade, o especialista da CNA destaca que o cenário do dólar, levando em conta que a maior parte dos principais insumos da pecuária usados no Brasil é dolarizado, a situação fica mais impactante para o Brasil porque o país não exporta leite. Por outro lado, com um dólar mais alto, reduz a competitividade do leite importado.
“Tem também os leilões de leite em pó GDT, que por mais que aconteça na Nova Zelândia, mexe com os preços no mercado externo. Tem a entrada agora de oferta de leite neozelandês, e teve uma retração de 7% na cotação média dos derivados nos preços internacionais e salto de 44% no volume negociado. O leite está voltando ao mercado internacional. Tem uma China tímida ainda nas compras pelo crescimento na produção interna. Temos também um cenário de preços internacionais em queda, contrabalanceando a questão do dólar, e a Argentina e Uruguai devem entrar em safra”, apontou Dias.
Paulo do Carmo Martins, pesquisador da Embrapa, destaca que este é um momento bom em termos de margem para o produtor de leite, porque os custos subiram, mas os preços do leite subiram mais ainda; entretanto, os preços na ponta consumidora também se elevaram.
“Em relação se isso vai se manter ou não, fica uma dúvida. O preço ao consumidor começa a pressionar a inflação, então isso pode reduzir consumo, e reduzindo consumo, o supermercado tende a baixar. A indústria está apertada em questão de margem, e vive a incerteza da reforma tributária, e acaba sendo estimulada a importar, já que os preços no Mercosul da matéria prima estão convidativos”, afirmou Martins.
APROVEITANDO O CENÁRIO DA MELHOR MANEIRA
Selvino Giesel, médico veterinário e presidente do Sindileite e do Conseleite de Santa Catarina, ressalta que o produtor de leite tem que ter gestão, tem que ter orientação. “Tem o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) que faz a Assistência Técnica e Gerencial (ATeG), que ajuda a fazer gestão, tem as cooperativas… Custo, unha e cabelo a gente tem sempre que estar cortando. Embora a onda esteja favorável, ele tem que otimizar seus ganhos, e quando está desfavorável, tem que empatar ou ganhar um pouquinho”.
Giesel explica ainda sobre o direcionamento de investimentos ou cortes de verbas, por exemplo, citando a restrição na alimentação dos animais, que é algo importante para garantir a produtividade, e que não deve ser reduzido.
“Quando o produtor faz um investimento necessário e produtivo, é importante. Orçamento alimentar, ter noção de expectativa de retorno sobre algum investimento, sempre contando que o mercado oscila. Ter conhecimento de sua atividade, saber de seus indicadores, produção por dia, partos, vacas em lactação ou secas, quanto tempo leva para a novilha entrar em cio, quantas doses de sêmen precisa para emprenhar uma vaca… Eu acho que as crises sempre trazem um aprendizado muito grande. Nestes momentos é que o produtor senta e reflete. Aquele que fez o investimento tem que ver o que pode fazer o que pode afastar a maré ruim. Tem que entender o que pode vir pela frente e evitar maiores danos. Entender de que forma conseguiu atravessar outras crises em outros anos”.
Para Guilherme Dias, da CNA, a gestão dos custos de produção é fundamental. Segundo ele, é necessário fazer o monitoramento do mercado para realizar as melhores compras, comprar na baixa e vender na alta. “O produtor tem que gerir os custos porque ele não tem controle sobre os preços. Havendo possibilidade de armazenamento de insumos, também é uma boa opção”, pontuou.
Um bom resumo é feito por Paulo do Carmo Martins, pesquisador da Embrapa, que diz que “é necessário ter um otimismo moderado, porque os produtores sabem que de agora para dezembro entra a safra, o custo de produção tende a reduzir em termos unitários, o que deixa ainda alguma margem”. ele prossegue, pontuando que “o produtor precisa ter cautela nos investimentos que precisa fazer. Os preços não vão se manter elevados nestes patamares. Os preços ao produtor estão subindo e no varejo também, porque está faltando leite, por isso busca lá fora. A gente não consegue manter um ano em que cada semestre seja estável. Cada semestre é motivo de surpresa, e não é bom que nos negócios surpresas aconteçam”.
COM A PALAVRA, O PRODUTOR
Pecuarista leiteiro no Município de Jóia, no Rio Grande do Sul, Fabrício Nascimento contextualiza que a região viu uma curva de elevação nos preços pagos ao produtor, mas que já está se estabilizando e deve começar a ceder.
“Agora seria o pico de produção, mas com muita umidade por causa das chuvas, estragos na pastagens, ainda que aqui não tenha ocorrido enchente, atrasou o pico de produção. Teve também bastante compra de leite em um período muito curto por causa das doações para as áreas atingidas no Estado. Agora, com os preços na gôndola como estão, a economia não suporta”, aponta Nascimento.
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Observando o cenário nacional, Nascimento afirma que há, de fato, uma redução na captação, as importações diminuíram, mas voltaram a crescer em junho, chegando a 178 milhões de litros de leite internalizados no Brasil, mesmo com medidas tomadas pelo Governo Federal e por alguns Estados produtores de leite para tentar conter as importações. “Sobre as importações, acho que nesse momento, pelos atrasos na pastagem aqui na região, o produto importado ainda é mais competitivo que o nosso aqui no Rio Grande do Sul. Tem muitas empresas que optam por isso, mas claro que é importante também que o produtor opte em vender para empresas que valorizem o produto nacional”, destacou.
Olhando para os meses anteriores, Nascimento explica que quem estava com os animais em pico de produção, quem trabalha com pastagem, compensa uma aplicação a mais de ureia para oferecer uma pastagem melhor, quem teve capacidade de comprar animais, conseguiu ‘surfar’ a alta produzindo mais. “Quem já estava em dificuldade, quando você aumenta a produção, provavelmente a alta já passou e começa a inverter”.
“Uma das coisas é fazer a compra certa no momento certo. Lá no final de abril/maio era a hora de comprar os fertilizantes, quando o dólar estava melhor. Usando a ureia como exemplo, hoje a ureia está R$ 500,00 mais caro do que em abril, quando eu comprei. Além disso, a questão de medicamentos, insumos e se estiverem com um prazo de validade longo, é bom fazer estoque, principalmente aqueles que usam bastante. Eu gosto sempre de trabalhar assim: pensar em aproveitar ao máximo o potencial produtivo das vacas, sem diminuir os custos, mas diluindo, investindo naquilo que está dando retorno. Quando sinaliza baixa, dá para esperar, por exemplo, troca de equipamentos que não há necessidade naquele momento. Sempre pensar também que há alguma emergência que pode acontecer”, finalizou Nascimento.
Em terras mineiras, outro polo tradicional na produção leiteira no Brasil, Áureo Carvalho, que atua na pecuária de leite em Santa Rita de Caldas, Minas Gerais, cita que o produtor tem o controle da porteira para dentro, sendo assim, o foco está em baixar custos, porque o mercado é soberano, e o pecuarista não consegue brigar pelos preços.
“Eu e meus amigos que estão se sobressaindo na atividade trabalhamos com compras bem feitas na hora certa. O cenário hoje está melhor do que há um ano e meio, quando o leite bateu R$ 3,70, mas também havia um custo de produção muito mais elevado. Então o cenário hoje é bom. Para quem se planejou, para quem se programou, a margem é melhor. Para mais do que olhar o preço, tem que olhar a margem”.
Carvalho ainda explica que o preço pago ao produtor vem há sete meses em alta, e as cotações dos grãos começaram a ter tímida alta. Entretanto, o preço do leite pago ao produtor já começa a sinalizar estabilidade a queda. “O que eu percebo é que o preço do leite não vai subir tanto. Quando sobe muito, trava o consumo, o supermercado não consegue repassar ao consumidor. Se o leite bater na casa de R$ 3,70, ele fica inacessível e as importações mais agressivas tendem a voltar”.
Fonte: noticiasagricolas