Margem Equatorial? ‘Ibama não está parado’, análises seguem, diz presidente do instituto à Sputnik


Principal instituição brasileira executora da política ambiental federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) completou 35 anos em 2024.
Entre outras atribuições, o Ibama é responsável por fiscalizar infrações e crimes ambientais e por questões do ponto de vista regulatório, como licenciamento ambiental federal, controle de importações e exportações e controle de substâncias químicas. O instituto também é responsável pelo combate a incêndios florestais e emergências ambientais.
A questão ambiental tem sido um tema de destaque no cenário global, principalmente no que diz respeito à transição energética e às adaptações necessárias para combater os efeitos do clima extremo, que tem causado desastres como o vivenciado recentemente pelo Rio Grande do Sul.
Atualmente o Ibama enfrenta uma greve de servidores que tem entre suas demandas o reajuste salarial, a gratificação pelo exercício de atividades de risco e a paridade entre servidores ativos, aposentados e pensionistas. Uma assembleia convocada para a próxima sexta-feira (14) vai discutir a possibilidade de uma greve geral, que, se aprovada, terá início no dia 24.
Em entrevista ao podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, listou os principais desafios do instituto e falou sobre a relação com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem colocado a agenda climática entre as prioridades de sua gestão.
Agostinho afirma que desde o ano passado o instituto vem se empenhando em recompor seu quadro de servidores e se recuperar dos cortes de orçamento e das “mudanças de entendimento jurídico no governo passado, que estavam causando um prejuízo ambiental enorme para o país”.

“Estamos trabalhando com muitas frentes. No ano passado, a gente conseguiu contratar os últimos remanescentes do último concurso, e nós estamos trabalhando agora a proposta de um novo concurso, para poder recuperar os nossos quadros. Já fizemos aquisição de um número muito grande de equipamentos, desde computadores, viaturas, helicópteros, para que de fato a gente possa ser mais assertivo e garantir a proteção desse patrimônio natural tão importante que o Brasil possui”, diz Agostinho.

Ele acrescenta que o Ibama, que já chegou a ter 6.300 funcionários, atualmente tem cerca de 2.500, sendo que quase mil estão se aposentando.
“Então nós estamos, desde o ano passado, reorganizando a estrutura, estruturando cada um dos setores do Ibama, desde a comunicação até as ações de campo.”
Ele sublinha que a retomada das fiscalizações é uma das metas atuais do instituto, e ressalta que a quantidade de multas no ano passado em todos os biomas brasileiros aumentou em 130%.

“Um total de mais de R$ 1 bilhão em multas foram aplicadas, porque de fato existe uma indústria de crimes ambientais no país”, afirma.

Desmatamento no Cerrado é um dos desafios atuais

Agostinho afirma que um dos problemas enfrentados atualmente pelo Ibama é o desmatamento no Cerrado, “que tem aumentado, principalmente com a expansão das fronteiras agrícolas“. Nesse contexto, ele aponta a negligência dos estados como um entrave.

“Quase todo o desmatamento do Cerrado é autorizado pelos estados, então fica difícil o nosso trabalho nesse caso […] Nós precisamos baixar o desmatamento do Cerrado. Em algumas regiões, o desmatamento está reduzindo, mas não porque as pessoas estão praticando menos infrações, mas porque, basicamente, em algumas regiões não sobrou Cerrado para derrubar”, explica.

“E o que a gente percebe é que o pessoal está trabalhando numa perspectiva de como o Brasil tem uma meta de desmatamento ilegal zero para 2030, as pessoas estão trabalhando numa perspectiva de ‘Vamos derrubar tudo o que a gente pode agora, porque em um determinado momento a gente não vai conseguir mais’. Então está uma corrida contra o tempo em busca do desmatamento das áreas mais valorizadas para a agropecuária brasileira”, acrescenta.
Questionado se o desmatamento ocorre com o conhecimento de lideranças dos estados, Agostinho afirma “não ter dúvidas disso” e aponta a necessidade de mudar a ideia de que florestas preservadas indicam falta de avanço no desenvolvimento.

“As pessoas olham para a floresta e acham que eles não são desenvolvidos ou não têm emprego porque tem uma floresta ali. Então, essa mudança cultural e de realidade precisa acontecer. As pessoas precisam olhar para os atributos ambientais e dizer ‘Olha, essa floresta que está aqui está produzindo água para a agricultura brasileira, essa floresta está produzindo polinizadores para a agricultura brasileira, essa floresta está ajudando a manter o clima, manter a biodiversidade local.'”

Arco do Desmatamento como região mais tensa

Agostinho afirma que uma das regiões mais tensas no que diz respeito ao desmatamento no Brasil hoje é o chamado Arco do Desmatamento, também conhecida como Amacro, que compreende o sul do Amazonas, Acre e Rondônia. Ele também cita o norte do Mato Grosso, principalmente ao longo da BR-163, e o sul e leste do Pará como áreas de alto índice de desmatamento.

“O Maranhão é um encontro de biomas, a gente tem ali no Maranhão, Caatinga, Cerrado e Amazônia, e é uma região agora de franca expansão agrícola. Então ali a gente também tem altas taxas de desmatamento, essas são as regiões onde a gente vem fazendo o combate mais estratégico.”

Sobre a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, na chamada Margem Equatorial, que tem o apoio de Lula, Agostinho afirma que ainda não há uma conclusão desse projeto específico.
“Estamos licenciando uma série de empreendimentos em todo o país, incluindo o novo pré-sal. O novo pré-sal são duas mil novas perfurações de petróleo. O Ibama não está parado, as análises continuam […]. A Petrobras vem dialogando junto com os servidores do Ibama para encontrar as saídas e, obviamente, os encaminhamentos necessários”, diz Agostinho.

Biodiversidade faz do Brasil território fértil para o tráfico de animais silvestres

Agostinho enfatiza que “o Brasil, notadamente, é o país que tem a maior biodiversidade do mundo”.
“Praticamente em todos os grupos o Brasil lidera. Nos grupos que o Brasil não lidera, está em segundo lugar e provavelmente é por falta de pesquisa, porque esse é um outro problema que o Brasil tem.”
Em contraponto, ele alerta que essa riqueza somada ao baixo orçamento na área de pesquisa que, entre outras coisas, contribuiria para compreender a importância da preservação, se torna um elemento atrativo para criminosos dedicados ao tráfico de animais.

“Notadamente, a gente tem seis grandes biomas terrestres, mais o bioma marinho. Então é uma riqueza biológica muito grande. E isso faz com que muita gente se ache no direito de retirar esses animais da natureza, ou mesmo plantas. E eu não acho que é um problema que está aumentando. Mas, obviamente, a gente ampliou as nossas ações, ampliamos as nossas operações. Estamos com 160 fiscais novos, que nós formamos no ano passado. Então, por isso, os números acabam aumentando.”

Governo Lula está cumprindo sua agenda climática?

Em 2023, quando assumiu a presidência, Lula colocou a agenda climática como uma das prioridades de seu governo e vem empregando esforços para fazer do Brasil líder no tema. Questionado se as ações do governo estão alinhadas com a retórica do presidente, Agostinho afirma não ter dúvidas quanto a isso.
“Quase todos os ministérios têm uma agenda de sustentabilidade. O ministro [da Fazenda Fernando] Haddad está lá com o seu plano de transição ecológica. Nós temos a estratégia de sustentabilidade presente nas mais diferentes agendas e como componente estratégico no plano plurianual”, afirma.
“O Ministério do Meio Ambiente vem liderando todos os debates internacionais. O mundo inteiro quer discutir com o Brasil [sobre] sustentabilidade, conservação de florestas, mercado de carbono, conservação da própria biodiversidade. O Brasil […] já é referência no mundo em energia limpa, em energia renovável”, complementa.
Ele acrescenta que o tema da sustentabilidade também será central na agenda do G20 neste ano, na cúpula presidida pelo Brasil, marcada para novembro, no Rio de Janeiro.
“E no ano que vem nós teremos a [Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas] COP30, que será realizada no Brasil, em Belém, e que também vai trazer para dentro da Amazônia, pela primeira vez, uma cúpula de clima.”
Ele sublinha que o Brasil ainda precisa se adaptar aos efeitos causados pelo clima extremo, e destaca que existem no país “mais de mil municípios que não têm resiliência às mudanças climáticas e são municípios extremamente sensíveis”.
“Esses municípios vão precisar mudar seu plano diretor, sua lei de zoneamento, eles vão precisar criar espaços protegidos, separar áreas de mananciais, elaborar grandes projetos de infraestrutura. O governo federal está disposto a ajudar estados e municípios nessa busca, mas de fato a realidade que a gente tem no Brasil e no mundo é basicamente de cidades não preparadas para enfrentar as mudanças climáticas.”
Agostinho aponta a necessidade de “escancarar esse problema” e diz que “a crise no Rio Grande do Sul mostrou isso”.
“Cidades superdesenvolvidas, cidades ricas, que foram simplesmente varridas do mapa pela ação climática. A mudança climática vai atingir a todos, seus efeitos serão muito mais graves para a população mais pobre, que não tem capacidade de se recuperar rapidamente”, alerta o presidente do Ibama.

Agronegócio sustentável vs. desmatamento ilegal

Apontado como um dos principais vilões da preservação do meio ambiente, o agronegócio é também um dos principais motores da economia brasileira. Questionado se o setor vem prejudicando as políticas de preservação ambiental, Agostinho afirma que não, e aponta a necessidade de desassociar o agronegócio do desmatamento ilegal.
“O que a gente percebe é que o agronegócio exportador, pensando em uma indústria de commodities, ele vem buscando estratégias de rastreabilidade, vem buscando certificação, utilização de bioinsumos, aplicação de novas técnicas como agricultura regenerativa, integração, lavoura pecuária, floresta”, afirma.
Ele acrescenta que existe “todo um agronegócio exportador que, de fato, quer a sustentabilidade”, ao mesmo tempo que também há pessoas que “querem se enriquecer e que buscam a própria sorte, com a compra de terras a baixo custo, notadamente na Amazônia, em áreas públicas, que são desmatadas ilegalmente”.

“Eu acho que é muito complicado a gente querer misturar as duas coisas. A gente tem uma indústria de grilagem, de ocupação de terra pública, de desmatamento ilegal na Amazônia, e que não necessariamente se mistura com o agronegócio, […] um agronegócio ultramoderno, preocupado com a sustentabilidade e que está tentando entender e fazer a sua parte também. Dessa mesma forma, eu falo em relação ao Congresso Nacional. Não necessariamente os deputados que estão ali do agro, de fato, representam a agropecuária brasileira”, conclui.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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