A combinação de falta de chuvas e queimadas, que afetou principalmente as regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste neste segundo semestre, já começa a afetar o bolso do consumidor. Os principais efeitos são sentidos na conta de luz e nos preços das carnes.
A inflação em setembro foi de 0,44%, ligeiramente abaixo das expectativas do mercado. No entanto, de acordo com Luiz Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, os dois itens que mais contribuíram para o aumento dos preços foram carne e energia elétrica, que juntos explicam 64% da alta do IPCA.
“A seca prejudica as pastagens, diminuindo o peso do gado e, consequentemente, a oferta de carne. Já as contas de luz subiram devido à mudança da bandeira tarifária de ‘verde’ para ‘vermelha patamar 1’”, explica Leal.
André Almeida, gerente de pesquisa de preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), detalhou que a forte estiagem e o clima seco foram determinantes para a redução da oferta. Durante o primeiro semestre de 2024, houve uma alta significativa na oferta de carne, impulsionada por um alto número de abates. Atualmente, o período de entressafra tem sido agravado pelas condições climáticas adversas.
Os impactos também são sentidos em supermercados e outros estabelecimentos que dependem de produtos frescos. “Com a menor oferta, os preços tendem a subir, afetando tanto os consumidores quanto o setor varejista alimentício”, afirma Eric Derbyshire, sócio da consultoria RGF Associados.
Queimadas podem ter impacto de médio prazo sobre a inflação
As queimadas também podem causar impactos na produção e na inflação no médio prazo, devido à degradação do solo, redução da fertilidade e aumento da erosão. “A desestruturação do solo não depende apenas da normalização das chuvas, mas exige a recuperação das propriedades do terreno para voltar a ser produtivo”, alerta Gilberto Braga, professor do Ibmec.
Até setembro, 22,4 milhões de hectares foram queimados, superfície quase equivalente à área de Roraima. O crescimento foi de duas vezes e meia em relação a todo o ano de 2023. Mais de 75% das áreas queimadas eram florestas ou formações naturais, aponta o Monitor do Fogo, da plataforma MapBiomas.
Preço das carnes devem aumentar nos próximos meses
Uma das maiores preocupações para os próximos meses é o aumento dos preços das carnes. Segundo Alexandre Maluf, economista da XP Investimentos, a cotação do boi gordo tem subido nos últimos meses e deve provocar uma aceleração nos preços das proteínas no último trimestre de 2024.
Os custos de produção de carne estão sendo pressionados pela necessidade dos produtores em comprar ração e suplementos, para compensar os problemas nas pastagens, que estão mais secas do que em anos anteriores.
O aumento nos preços pode se espalhar para outras proteínas, como frango e porco. Leandro Rosadas, especialista em gestão de supermercados, observa que, apesar da estabilidade recente no consumo de carne bovina, os preços de outras carnes também devem subir devido ao aumento da demanda, por causa da migração para esses produtos
Outros produtos agrícolas podem enfrentar dificuldades nos próximos meses. O Itaú BBA alerta que o atraso no plantio da soja devido à seca pode afetar a produção e os preços, apesar de os estoques globais ainda serem suficientes para atender à demanda.
A primeira safra de milho também pode ser menor do que o esperado. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima uma queda de 1,1% em relação à anterior. A menor oferta de milho pode elevar os preços, especialmente se houver demora na recuperação dos níveis dos rios usados para transporte.
A demanda externa por soja e milho também influencia os preços. A China, por exemplo, aumentou suas importações de soja brasileira em 12% nos primeiros sete meses do ano, em comparação ao mesmo período de 2023, segundo a alfândega chinesa. No entanto, a demanda chinesa por milho estrangeiro está em queda, com a produção local aumentando e o país buscando autossuficiência nesse cereal.
Chuvas vão ditar ritmo dos preços da energia
Com a sobretaxa na conta de luz, a tarifa de energia elétrica aumentou em média 5,36% em setembro. Foi a maior alta mensal desde 2021, segundo o IBGE.
Analistas avaliam que o aumento nos custos de energia deve ter efeitos indiretos em outros segmentos, elevando o preço de produtos e serviços que dependem fortemente de eletricidade.
Braga, do Ibmec, aponta que uma eventual falta de chuvas nos próximos meses poderá forçar maior geração de energia pelas termelétricas, o que elevaria ainda mais o custo da eletricidade.
Nesta segunda-feira (14), de acordo com levantamento do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), as regiões Sudeste e Centro-Oeste apresentavam a pior situação em termos de abastecimento de energia, com os reservatórios operando a 42,57% da capacidade.
Modelos meteorológicos desenvolvidos na Europa e nos Estados Unidos indicam que, nas próximas semanas, as chuvas serão mais distribuídas. Há a expectativa de que frentes frias vindas do Sul ganhem força e alcancem outras regiões do país.
Outro ponto de atenção é o retorno do fenômeno climático La Niña. Com o resfriamento das águas do Oceano Pacífico Equatorial, o clima em várias regiões do mundo é alterado. No Brasil, isso costuma trazer mais chuvas para o Norte e Nordeste, enquanto o Rio Grande do Sul tende a ter tempo mais seco.
Bacias hidrográficas enfrentam seca histórica e afetam logística
A crise climática tem reduzido a navegabilidade dos rios, dificultando o transporte de mercadorias, especialmente no Norte do país. De acordo com o monitoramento do Serviço Geológico do Brasil (SGB), quatro bacias hidrográficas da região estão enfrentando seca severa: Amazonas, Acre, Madeira e Xingu.
“Após atingir o nível mínimo histórico na semana passada, em Manaus, o rio Negro voltou a subir. No entanto, isso ainda não significa o fim da estiagem. Precisamos de chuvas consistentes e bem distribuídas, tanto nas cabeceiras quanto nas partes central e a jusante da bacia, para que os níveis se recuperem”, explica a pesquisadora Jussara Cury, do SGB.
Segundo o Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial do Estado do Amazonas (Sindarma), todas as calhas dos rios da região apresentam dificuldades para navegação. “Isso está causando atrasos nas entregas e aumento dos custos logísticos, afetando a cadeia de suprimentos e o abastecimento do comércio”, afirma Eric Derbyshire, da RGF Associados.
O volume de carga transportada caiu até 80%. As embarcações estão sendo forçadas a reduzir o peso e a quantidade de produtos transportados para garantir uma navegação segura e evitar encalhes em bancos de areia.
Outra bacia enfrentando dificuldades é a do rio Paraguai, que no último sábado (12) registrou a menor cota em 124 anos na estação de Ladário (MS). A expectativa é de uma recuperação lenta.
As primeiras chuvas da estação úmida já começaram a atingir a região. “As precipitações devem continuar, mas não com intensidade suficiente para promover uma rápida elevação dos níveis neste trecho e em toda a bacia”, aponta o pesquisador Marcus Suassuna, do SGB.
Secas contínuas afetam o PIB brasileiro e o agronegócio
A situação não é nova, alerta a consultoria LCA. Desde 2012, secas mais severas vêm sendo registradas. O impacto econômico dessas secas é estimado entre 0,8% e 1,6% do PIB ao ano. Embora o governo tenha ampliado os gastos públicos para estimular o crescimento do país, os problemas climáticos recorrentes já subtraíram mais de 10% do PIB brasileiro no período.
O cenário é particularmente desafiador para o agronegócio, setor vital para a economia. Segundo levantamento conjunto do Centro de Estudos Avançados em Economia da Universidade de São Paulo (Cepea/USP) e da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o agronegócio foi responsável por 21,5% do PIB no primeiro trimestre deste ano.
Outras preocupações levantadas pelo Itaú BBA em relação à produção rural incluem o risco de alterações nas decisões de plantio, atrasos no calendário agrícola e aumento nos custos de produção.
“O clima tem se mostrado um fator decisivo para o sucesso ou fracasso das colheitas, e os produtores precisam se preparar cada vez mais para enfrentar essa variabilidade”, ressalta André Lins, vice-presidente de agro da Alper Seguros.
Fonte: gazetadopovo