A vinda do presidente da Argentina, Javier Milei, para a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), realizada neste fim de semana em Camboriú (SC), é mais um ponto de atrito com Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil. Na GloboNews, a jornalista Daniela Lima disse que a presença de Milei poderia gerar problemas diplomáticos, como a criação de um relacionamento paralelo entre Lula e os governadores da Argentina alinhados à esquerda.
Segundo Daniela Lima, fontes disseram a ela que, caso Milei fizesse ataques ao presidente brasileiro no nível em que está fazendo nas redes sociais, haveria “consequências diplomáticas”.
Entre as consequências mencionadas por Lima, estão a retirada “do embaixador argentino do nosso país para poder fazer um sinal de retaliação clara” e o trabalho do Palácio do Planalto que estaria focado “em uma estratégia de criar relações paralelas com os governadores da Argentina”.
O comunicado aconteceu antes da vinda de Milei ao Brasil para participar, ao lado de Jair Bolsonaro, da CPAC.
O chefe de Estado argentino também teria desistido de participar da Cúpula do Mercosul para não se encontrar com Lula, com quem trocou críticas na semana passada. Contudo, o porta-voz presidencial, Manuel Adorni, confirmou em conferência de imprensa que o cancelamento se deve “a questões de agenda”. A decisão ocorreu após o conflito com Lula, a quem chamou de “corrupto” e “comunista” como resposta à exigência de “pedido de desculpas” do petista.
Na CPAC, Milei evitou críticas a Lula, mas não poupou os governos socialistas, como a ditadura de Nicolás Maduro, e disse que Bolsonaro é um “perseguido judicial”. Se isso será suficiente para gerar retaliação do governo Lula ainda é incerto. Mas caso Lula tente passar por cima de Milei para negociar diretamente com os governadores encontrará sérias dificuldades, começando pelo Constituição argentina.
O que diz a lei argentina?
Apesar da retirada do embaixador argentino do Brasil ser contemplado pelas leis de ambos países, o relacionamento paralelo entre Chefe de Estado e governadores argentinos encontra uma série de limitações dentro da Constituição argentina.
Em seu artigo 1º, estabelece-se que “a nação Argentina adota para seu governo a forma representativa republicana federal, conforme estabelece esta Constituição”.
Isso significa que o povo não apenas elege seus representantes através do voto e que há uma divisão, controle e equilíbrio entre o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário; como também indica que ao ser um país federal, existe uma coexistência de dois tipos de governos, os governos provinciais e o governo federal. Este sistema permite controle e cooperação entre ambos.
Segundo o artigo 121 da Carta Magna, “as províncias conservam todos os poderes não delegados por esta Constituição ao Governo federal, e aqueles que tenham expressamente reservado por acordos especiais no momento da sua incorporação”. No entanto, esses poderes não incluem estabelecer tratados internacionais passando por cima do Estado Nacional.
Apesar de os governadores poderem gerar certos tipos de acordos internacionais, segundo o artigo 124, estes não podem ser “incompatíveis com a política externa da Nação” e não podem “afetar os poderes delegados ao governo federal ou ao crédito público da Nação; com o conhecimento do Congresso Nacional”.
Por sua vez, dificilmente Lula conseguiria establecer un vínculo com os representantes das províncias argentinas que já se comprometeram junto ao Presidente, a assinarem o Pacto de Maio, um acordo proposto por Milei aos governadores das 23 províncias argentinas e ao Chefe de Governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires, a fim de perpetuar um consenso entre ambas as partes pela liberdade dos argentinos.
O Pacto foi anunciado pelo Chefe de Estado em 1º de março de 2024, durante a abertura da 142ª sessão ordinária do Congresso e foi assinado nesta segunda-feira (9), dia em que se celebra a Independência da Argentina. O documento está constituído por dez pontos que abarcam a economia, a educação e as relações exteriores.
Queda de braço
“As coisas que eu disse são verdadeiras. Qual é o problema? Que eu o chamei de corrupto? E ele não foi preso por ser corrupto? E que eu o chamei de comunista? E ele não é comunista? Desde quando você tem que se desculpar por dizer a verdade? Ou estamos tão cansados do politicamente correto que nada pode ser dito à esquerda, mesmo que seja verdade?”, afirmou o presidente argentino, em uma entrevista ao vivo há duas semanas.
As declarações de Milei referem-se às falas anteriores de Lula, que em diálogo com jornalistas explicou o motivo pelo qual não trocou palavras com o liberal-libertário durante a reunião do G7 na Itália: “Não falei com o presidente da Argentina porque acho que ele deveria pedir desculpas ao Brasil e a mim. Ele disse um monte de bobagens. Eu só quero que ele peça desculpas. Eu amo a Argentina, é um país que gosto muito, é um país muito importante para o Brasil, e o Brasil é muito importante para a Argentina. Não é um presidente da República que vai criar discórdia entre Brasil e Argentina.”
Uma das primeiras declarações de Milei sobre o petista ocorreu em outubro de 2022, durante entrevista ao canal argentino TN quando criticou o partido Juntos pela Mudança por ter parabenizado Lula pela vitória eleitoral. “Parabenizei o Bolsonaro pela excelente eleição que fez e claramente não vou parabenizar o Lula (…). Lula representa um dos maiores expoentes do Foro de São Paulo. Quando dizem que Lula é moderado, não entendem o que está acontecendo. Seu discurso é violentamente socialista e lamento muito que o povo brasileiro tenha recaído no socialismo do século XXI.”
Durante a campanha eleitoral, o chefe de Estado argentino acusou Lula de ter financiado uma campanha suja contra ele. Na época, o mandatário brasileiro também enviou um grupo de marqueteiros para ajudar o candidato da oposição, Sérgio Massa. “O pessoal do Bolsonaro tem alertado que Lula está fazendo manobras para financiar esta campanha negativa contra mim”, disse ele ao escritor peruano Jaime Bayly.
Milei também definiu Lula como “um comunista”, disse que era “muito corrupto” e que “por isso que ele foi preso”. Ele enfatizou que se fosse presidente não pretendia se encontrar com o líder brasileiro. “As pessoas físicas poderão realizar transações comerciais com quem quiserem. Da minha posição como chefe de Estado, os meus aliados são Israel, os Estados Unidos e o mundo livre.”
Em entrevista ao jornalista norte-americano Tucker Carlson, o economista afirmou ser “um defensor da liberdade, da paz e da democracia. Os comunistas não entram lá. Os chineses não entram lá. Putin não entra lá. Lula não entra lá. Isto é, queremos ser o farol moral do continente, queremos ser os defensores da liberdade, da democracia, da diversidade e da paz. Do Estado não vamos promover nenhum tipo de ação com comunistas ou socialistas. Se os argentinos querem negociar com a China, com a Rússia ou com o Brasil, isso é um problema dos argentinos”.
Desde que assumiu o poder, Milei convidou Bolsonaro para sua posse com tratamento de chefe de Estado. Apesar de também ter enviado um convite formal a Lula, o petista o recusou devido às anteriores declarações do líder argentino a respeito dele.
Fonte: gazetadopovo