Lula diz que não pode gastar o que não tem. E faz “bondade” com dinheiro alheio


O presidente Lula não gosta de ser cobrado pelo rombo das contas públicas. Já disse que “nenhum país do mundo” faz essa discussão e que o governo não deve perseguir metas fiscais se houver “coisas mais importantes para fazer”.

Vez ou outra, assume ares de austeridade. Diz ser mais sério que os que “dão palpite” sobre as finanças do governo, que tem experiência de administração bem-sucedida e que traz responsabilidade fiscal do berço.

“Entre as muitas lições de vida que recebi de minha mãe, dona Lindu, aprendi a não gastar mais do que ganho”, disse certa vez. “Tem uma coisa na minha vida que eu sempre prezei muito: primeiro, eu não gosto de gastar aquilo que eu não tenho. Eu aprendi com uma mulher analfabeta, que era minha mãe”, contou em outra ocasião.

Pode ser que Lula seja mesmo cuidadoso com as próprias finanças. Na lida com o dinheiro coletado dos contribuintes, porém, o presidente parece entender que bom gestor é aquele que distribui bondades. No atacado e no varejo. Ele acaba de fazer mais uma – falaremos disso daqui a pouco.

A questão não é apenas a recusa do petista em cogitar corte de gastos, mas a obstinação em aumentar despesas. A começar pelas maiores.

Decisões de Lula aceleram gastos obrigatórios. Sobra menos para investir

Ao retomar a política de aumento real do salário mínimo (e, portanto, de aposentadorias, pensões e outros benefícios) e reindexar os gastos com saúde e educação a um porcentual das receitas, o petista acionou uma bomba-relógio. Esses itens representam 60% das despesas federais, excluídos os juros da dívida, e passaram a crescer muito além dos limites do arcabouço fiscal proposto pelo próprio governo.

Consequência: o Orçamento será cada vez mais consumido por gastos obrigatórios, sobrando ainda menos para todo o resto, até que não haja mais verba de livre manejo. Investimento público? Melhora dos serviços prestados pelo Estado? Difícil.

É importante ressaltar que, até a decisão de Lula, as despesas com INSS, auxílios, saúde e educação vinham sendo corrigidas pela inflação. Não havia ganho real, mas também não havia perda. O presidente viu nisso uma injustiça e decidiu repará-la.

A que custo?

A Instituição Fiscal Independente (IFI) calcula que o impacto é de R$ 1,7 trilhão em dez anos. É o dobro da economia gerada pela reforma da Previdência de 2019, de mais de R$ 800 bilhões em uma década, segundo estimativas do governo Bolsonaro na época.

Para órgãos como a IFI e o Tribunal de Contas da União (TCU), a máquina pública corre risco de estrangulamento em algum momento entre 2026 e 2028. Traduzindo: o Estado não fará nada além de coletar impostos para pagar servidores, aposentados e auxílios diversos. “O governo não vai governar mais”, resumiu o diretor-geral da IFI, Marcus Pestana.

Talvez ciente da penúria a que continuarão relegados os investimentos públicos, Lula decidiu recorrer a outra modalidade de dinheiro alheio: convocou fundos de pensão de estatais a aplicar a poupança de seus funcionários em obras de interesse do governo. Aconteceu o mesmo num passado não muito distante, e muitos trabalhadores lembram do resultado.

Há jeito de conter despesas. Presidente não quer saber

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sabe do problema decorrente da retomada das indexações do Orçamento. A ministra do Planejamento, Simone Tebet, também. Mas o presidente não quer saber. Assim, sempre que tocam no assunto, Haddad e Tebet logo relativizam, recuam, e finalmente se calam.

Gente da área propõe soluções, e algumas não são nada radicais.

Um exemplo. Vamos supor que Lula queira continuar dando aumentos reais ao salário mínimo, para premiar ganhos de produtividade de quem está na ativa. Ok. Nesse caso, o ideal seria corrigir aposentadorias e pensões apenas pela inflação, de modo a manterem o poder de compra – aliás, é o que acontece há muito tempo com os benefícios superiores ao piso salarial.

Enquanto isso, os gastos com saúde e educação, em vez de atrelados à receita do governo, poderiam ser vinculados a pisos reais per capita, conforme o público-alvo – a população total, no primeiro caso, e de crianças e jovens, no segundo. Assim, ficaria assegurado um determinado desembolso por pessoa, e este não seria corroído pela inflação.

Segundo o economista Bráulio Borges, autor da proposta, essa combinação já seria suficiente para reduzir, com o tempo, a relação entre despesa e PIB.

Lula vai topar?

Ele já deu a entender que não. Na verdade, está em outra vibração – a de sempre. Acaba de anunciar um aumento de R$ 10 bilhões em um programa para a baixa renda.

O Auxílio Gás, hoje pago a 5,6 milhões de famílias, chegará a 20,8 milhões até o fim de 2025. O gasto vai saltar de R$ 3,7 bilhões para R$ 13,6 bilhões por ano. Rebatizado de Gás para Todos, será “o maior programa de acesso ao cozimento limpo do mundo”, no dizer do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

Na mesma ocasião, o governo criou um incentivo tributário de R$ 1,6 bilhão para apoiar a indústria naval, outra obsessão do presidente.

Não custa lembrar que há pouco o Executivo se viu obrigado a congelar R$ 15 bilhões do Orçamento para tentar cumprir suas metas. E que Haddad trava uma batalha declarada para reduzir as renúncias fiscais, que drenam mais de 4% do PIB dos cofres federais a cada ano, segundo a Receita. Para ficar num exemplo, o ministro virou o ano brigando com o Congresso por causa da desoneração da folha salarial e seu impacto de mais de R$ 20 bilhões.

Responsabilidade fiscal seletiva: gastos e isenções para agradar o público

A responsabilidade fiscal que Lula aprendeu com dona Lindu, como se vê, é seletiva. E suscetível ao que ele entende ser a opinião popular.

Há uma preocupação em parecer bondoso, em conquistar simpatia. Foi assim que navegou pela controvérsia da “taxa das blusinhas”, que disse ter sancionado a contragosto, e pela questão dos medalhistas olímpicos, a quem deu de presente uma isenção não estendida a outros atletas ou profissionais de destaque.

Coisas pequenas, comparadas ao tamanho do Orçamento. Mas reveladoras.

A alternativa ao colapso da máquina, levando em conta a visão lulista, é aumentar os impostos. Taxar mais os ricos para dar aos pobres, por exemplo.

(Tivesse ganhado uma medalha de prata a mais, Rebeca Andrade voltaria milionária de Paris, e é de se perguntar em que ponto da escala de classes sociais de Lula ela estaria situada).

Mas haja taxação, pois não é pouco o dinheiro que falta para fechar as contas. E olha que está entrando bastante. No primeiro semestre, a receita líquida federal – já descontadas as transferências a estados e municípios – cresceu quase 9% acima da inflação. Nem isso bastou para levar as contas ao azul, porque as despesas subiram quase 11%. O resultado foi um déficit primário de R$ 69 bilhões.

Se a arrecadação continuar insuficiente, Lula não hesitará em mudar de novo as regras fiscais, reconhecendo que o rombo persistirá a perder de vista. O que significa continuar pegando dinheiro emprestado – dezenas, centenas de bilhões de reais por ano – para cobrir as contas do dia a dia. E mesmo assim culpar outros, incluindo os que emprestam o dinheiro, pelo aumento dos juros, da dívida e de tudo o que há de mal.

Fonte: gazetadopovo

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