O juiz de direito da 4ª Vara Civil de Tangará da Serra, Raul Lara Leite, acatou o pedido do Ministério Público Estadual (MPE) no corpo de uma Ação Civil Pública e determinou a reversão do imóvel onde atualmente funciona a prefeitura de Tangará da Serra ao domínio do município.
O imóvel em questão compreende uma área de 8,47 hectares adquirida pelo município em 1997 pelo valor à época de R$ 60 mil, sendo posteriormente doada à extinta Faculdade Unitas mediante escritura pública que obrigou a instalação da faculdade em dois anos, a oferta de quatro cursos de nível superior em 1998 e a concessão de bolsas de estudos para a Secretaria Municipal de Educação durante quatro anos, equivalente ao valor de aquisição, conforme previsto na Lei nº 1.340/1997.
A Unitas tempo depois, repassou o imóvel a IUNI EDUCACIONAL – UNIC TANGARÁ NORTE LTDA (Unic Educacional Ltda), sendo administrado pela Vertia Empreendimentos Imobiliários Ltda.
O objetivo da ACP é revogar o ato de doação e cancelar o registro deste no domínio do Município de Tangará da Serra/MT, conforme autorizado pela Lei Municipal nº 1.340 de 1997, devido ao descumprimento dos encargos relacionados ao imóvel urbano de 8,47 hectares, registrado inicialmente sob a matrícula nº 822 do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Tangará da Serra, atualmente averbado sob as matrículas nº 21.838, 21.839 e 21.840.
Consta nos autos que foi instaurado o Inquérito Civil nº 1859-009/2019 pelo Ministério Público Estadual para investigar irregularidades na aquisição do prédio onde atualmente funciona a Prefeitura Municipal.
A investigação apontou para o descumprimento do encargo estipulado na escritura pública que fundamentou a Lei Municipal nº 1.340/1997, condição para a doação do referido imóvel.
Segundo consta na decisão judicial, o MPE identificou que o cumprimento desses encargos não foi averbado nas matrículas correspondentes, e não foram encontrados documentos na Prefeitura que comprovassem o cumprimento das condições, indicando, assim, o descumprimento dos termos da doação.
Negócio suspeito
Em abril de 2019, o ex-prefeito Fábio Martins Junqueira não percebeu ou fez vistas grossas para a grave irregularidade e enviou projeto de lei à Câmara Municipal com pedido de abertura de crédito especial de R$ 14,4 milhões para pagar a aquisição do imóvel.
A compra do imóvel, que já era da prefeitura, somente não foi efetivada porque houve forte reação popular, com o ex-vereador Niltinho do Lanche na linha de frente da oposição a compra do imóvel.
O Município de Tangará da Serra, representado pelo prefeito Vander Masson (UB) solicitou sua habilitação no polo ativo da ação, e o pedido foi deferido pelo magistrado.
Em sua decisão, o juiz Raul Lara Leite destacou:
“Constata-se que o encargo assumido na doação não foi cumprido até o termo final. A pretensão do Ministério Público é revogar a doação e cancelar o registro, referente ao imóvel urbano de 8,47 hectares. Devido ao não cumprimento dos encargos estabelecidos no momento da doação, o autor pleiteou a revogação da doação desse imóvel”.
Em outro trecho da decisão, o juiz explica que a doação foi formalizada como Escritura Pública de Doação, arquivada no livro 006, às fls. 44-45v, com data de 13/10/1997 (documento de identificação 80559839 – pág. 61).
“Foi imposta a condição de que, de acordo com o artigo 4º da Lei nº 1.340 de 03.09.97, a doação estava condicionada aos termos do Artigo 5º da mesma lei, que exigia a instalação do Campus e o funcionamento dos cursos até 03 de setembro de 1990, sob pena de retrocessão ao patrimônio do Município de Tangará da Serra/MT”, escreveu.
Ainda de acordo com a decisão judicial, a Lei Municipal n. 1.340/1997 autorizou a municipalidade de Tangará da Serra/MT a realizar a doação à UNITAS-União das Faculdades de Tangará da Serra Ltda, sob o título de Escritura Pública de Doação, lavrada no Cartório do Registro Civil do Distrito de Progresso-MT, no livro 006, às fls. 44-45v, datada de 13/10/1997, com uma cláusula de encargo.
“A Administração Pública pode realizar doações com encargos de bens móveis ou imóveis públicos, por meio de lei, com o objetivo de incentivar atividades de interesse coletivo. Em tais doações, é indispensável a inclusão de uma cláusula de reversão para o caso de descumprimento dos encargos estipulados”, pontuou o juiz Raul Lara.
“Conforme estipulado na escritura pública de doação, a condição imposta foi que, conforme o artigo 4º da Lei nº 1.340 de 03.09.97, a doação estava condicionada ao cumprimento dos termos do Artigo 5º da referida Lei para a instalação do Campus e operação dos cursos até 03 de setembro de 1990, sob pena de reversão do imóvel ao patrimônio do Município de Tangará da Serra/MT. A doação também estava condicionada à implantação de no mínimo quatro cursos de nível superior no ano de 1998 e ao cumprimento do artigo 6º da lei no período de quatro anos. Portanto, o descumprimento dessas condições implica automaticamente na reversão do bem ao patrimônio do Município”, acrescentou.
Desta forma, a inexecução do encargo, assumido pelo donatário em face do doador como condição para a celebração do contrato de doação, enseja sua revogação, conforme estabelecido pelo art. 555 do Código Civil.
Por derradeiro, o magistrado lecionou: “Não se pode permitir que o particular permaneça com o imóvel, devendo prevalecer o interesse público com a revogação da doação, visto que a falta de cumprimento do encargo torna o ato imperfeito e inacabado”.
“Diante do exposto e em conformidade com o parecer do Ministério Público, rejeito as preliminares arguidas e, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial. DECLARO a revogação da doação do imóvel autorizada pela Lei nº 1340/1997 e, por consequência, DECRETO a reversão do domínio do objeto da doação, realizado em favor da parte requerida, para o Município de Tangará da Serra/MT”, senteciou o juiz Raul Lara Leite.
Da decisão cabe recurso
Fonte: abroncapopular