Dono da melhor campanha da temporada, Filipe Toledo, 27, chega à etapa final do Mundial de surfe à espera de um desafiante. Quatro atletas, entre eles o também brasileiro Italo Ferreira, 28, brigam para disputar o duelo derradeiro com o líder do ranking nas ondas de Lower Trestles, em San Clemente, nos Estados Unidos.
Ferreira, campeão de 2019 e quarto colocado na classificação de 2022, está na primeira rodada do chaveamento. Enfrentará o japonês Kanoa Igarashi, 24, quinto, em reedição do embate que lhe deu a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio. O vencedor vai encarar o terceiro, o australiano Ethan Ewing, 24. Desse confronto sairá o adversário do segundo, o também australiano Jack Robinson, 24.
Só aí se saberá o rival de Toledo, em final disputada em melhor de três. Ou seja, Italo terá de vencer cinco baterias e disputar até seis para levar o campeonato de novo. Mas ele é conhecido como o surfista de maior energia do circuito e não tem dúvida que consiga terminar a maratona no topo.
“Ah, meu irmão, é Red Bull para dentro!”, sorriu o potiguar de Baía Formosa, sem perder a oportunidade de mencionar o nome de seu patrocinador. “Se eu vou ter seis baterias, vão ser 12 latinhas até o final. Fora os cafés!”
Brincadeira à parte, ele disse ter feito uma preparação intensa para o Finals, como é chamado o evento final da temporada, com tudo a ser resolvido em um dia, em uma janela entre esta quinta (8) e a próxima sexta (16). A entrevista concedida à reportagem foi espremida entre um treinamento e outro, em ritmo acelerado.
“Eu me dediquei e estou me dedicando muito. Acabando aqui, tenho que voltar para a academia. Tenho mais um treino ainda, porque sei que vai ser uma jornada até a última bateria, até o último cara a ser batido. Preciso manter a cabeça bem, o corpo forte também, blindado”, afirmou.
O caminho é bem mais curto para Filipe em San Clemente, onde vive. Finalista em cinco das dez etapas classificatórias naquele que já é seu melhor ano na liga mundial, o paulista de Ubatuba passou quase toda a competição com a camisa amarela, vestida pelo líder. Na final, vai ter pela frente um adversário possivelmente embalado. E possivelmente cansado.
“Tem esse lado, de pegar um cara vindo acelerado. Mas os treinos estão sendo feitos. Estou dentro da água, testando prancha. Vou estar preparado. Só vejo vantagem em estar no primeiro lugar, uma vantagem física e até psicológica. Estou bem tranquilo”, disse.
Em 2021, Toledo chegou ao Finals como terceiro colocado. Bateu o quarto, o norte-americano Conner Coffin, e o segundo, Italo. Na decisão, caiu diante do líder, um então inspirado Gabriel Medina, que se ausentou de mais de metade do circuito nesta temporada. Sem a pontuação necessária para brigar pelo tetra, apostou naquele que derrotou na edição passada e declarou torcer por ele.
“O Gabriel tem muita experiência, três títulos. Não é um elogio da boca de qualquer um. Então, realmente, traz uma confiança, uma inspiração a mais. Faltou ele com a gente aqui mais um ano. Mas quem sabe no próximo eu não consiga dar um troco na final?”, provocou.
Assim é a relação entre os membros do que ficou conhecido como “Brazilian Storm”, a tempestade brasileira que tomou conta do surfe masculino desde o primeiro título de Medina, em 2014. Há amizade, mas há também uma rivalidade ferrenha, típica daqueles que disputam o domínio em uma modalidade.
Italo precisa superar três rivais antes de pensar em Filipe, porém já sabe qual é seu alvo. Derrotado pelo compatriota na semifinal de 2021 -e nas três disputas de 2022 até aqui-, quer ir à forra na batalha maior, aquela que vale o título.
“Vai ser interessante essa bateria. No ano passado, minha estratégia foi errada. Estou tendo agora a oportunidade de bater o mesmo cara”, respondeu, quase com a certeza sobre os nomes da decisão.
“Poxa, Trestles é uma onda incrível. Tem direita, tem esquerda, posso voar para um lado, posso voar para o outro, posso espancar para os dois lados!”, acrescentou Ferreira, de seu jeito característico, arregalando os olhos.
Ele também arregalou bastante os olhos para os juízes ao longo do ano. Algumas de suas derrotas foram questionadas, como no duelo com Jack Robinson em Bells Beach, na Austrália, resultado considerado injusto por quase toda a crítica especializada.
Italo marchou à cabine dos jurados -como fizera Filipe, em outros momentos da carreira, quando chegou a ser suspenso por sua fúria. Depois, tentou ouvi-los mais calmamente. Não foi convencido das justificativas. Só se convenceu de que precisa fazer mais para triunfar.
“Eu sei que tenho que surfar o dobro dos caras sempre. Tenho na minha mente: não posso deixar dúvidas, porque a dúvida realmente pesa um pouco para o lado de lá. Mas beleza. A gente joga o jogo da melhor forma possível. É entrar na água e não deixar espaço para o adversário”, disse.
Já Toledo hoje mostra bem menos agressividade do que exibiu outrora. Superados problemas de saúde mental e situações em que enfrentou um quadro de depressão, passou a sorrir muito mais desde sua já ótima temporada passada.
Mesmo na derrota decisiva para Medina aceitou alegremente o aviso do campeão: “Sua hora vai chegar”. De lá para cá, dominou o campeonato e se colocou na posição que queria, a um passo daquilo com que tanto sonhou.
“Hoje estou mais perto, mais bem colocado, mais bem preparado. Tenho grande chance, sim”, afirmou, demonstrando uma renovada fé em si. “Não vou negar que, depois do ano que fiz, chegue muito mais confiante. Tudo o que aconteceu me deixou preparado para este exato momento. Agora, é só aproveitar o processo e ser feliz.”