Interesse dos EUA em energia de Itaipu pressiona Brasil e expõe tensões geopolíticas com o Paraguai


A iniciativa estadunidense, potencializada por demandas crescentes de data centers e sistemas de inteligência artificial, pode afetar não apenas a segurança energética brasileira, mas também comprometer projetos de integração regional e intensificar a influência de Washington em território sul-americano.
“A primeira proposta dos Estados Unidos é ter uma política externa para a região de maneira pragmática e indicar alguma empresa de inteligência artificial para se instalar na região e que ela se aproveite dessa energia”, explica Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), à Sputnik Brasil.
Para ela, esse movimento “amedronta muito o Brasil”, uma vez que envolve a inserção de uma potência extrarregional em uma zona estratégica de fronteira — historicamente marcada por disputas bilaterais.
Bressan lembra que o excedente de energia de Itaipu, administrado por um acordo binacional, tem sido destinado ao Brasil a um custo reduzido. “Se os Estados Unidos ficarem com esse excedente, é menos chance de o Brasil aproveitar uma energia limpa e renovável.”

Espionagem da Abin

Além do interesse norte-americano, o cenário atual é agravado pelas denúncias de espionagem da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) contra órgãos paraguaios, supostamente iniciadas no governo de Jair Bolsonaro (PL) e mantidas durante a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para o professor Vinícius Rodrigues Vieira, da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), trata-se de um grave obstáculo à confiança bilateral.

“Infelizmente, até como herança da ditadura militar no Brasil, não temos uma relação de devido escrutínio sobre o nosso serviço secreto.”

Ele afirma que a Abin ainda funciona como “um Estado dentro do Estado” e que o episódio, mesmo sem evidências de anuência do governo Lula, gera ruídos prejudiciais à diplomacia brasileira, especialmente em um contexto em que a integração sul-americana deveria ser prioridade.
Para piorar, esse desgaste ocorre em um momento de realinhamento do Paraguai com os Estados Unidos, favorecido pela afinidade política entre o presidente paraguaio Santiago Peña e o ex-presidente Donald Trump.
“Os Estados Unidos, nessa era Trump 2, estão buscando constranger qualquer ascensão de projetos regionais de autonomia“, alerta o professor, que vê esse processo como parte de uma nova guerra fria global.
A possível venda direta de energia paraguaia no livre mercado, prevista a partir de 2023 — com base nas renegociações do Anexo C do Tratado de Itaipu — pode dificultar ainda mais a posição brasileira. “Se o Paraguai vender sem contrapartida tecnológica, isso pode ser um tiro no pé não só da sociedade paraguaia, mas também dos países vizinhos.”

Para os especialistas, o Brasil precisa agir. “Uma saída é tentar oferecer uma contrapartida, um novo pacto sobre Itaipu, que envolva desenvolvimento conjunto de novas tecnologias”, diz o professor da FAAP.

Ele alerta que, diferentemente da relação histórica de Itaipu — construída sob uma lógica de “hegemonia benevolente” —, a presença dos Estados Unidos configura uma relação extrativa, que pouco contribui para o desenvolvimento local.
Bressan também destaca o risco para o consumidor brasileiro: “Essa situação de tensionamento pode vir, sim, a fazer uma pequena alteração no custo da energia e, por isso, o Brasil está se empenhando para manter prioridade na compra da energia do Paraguai.”

Quais foram os impactos da Guerra do Paraguai?

Além das disputas atuais, os dois professores ressaltam o peso do passado. A guerra do Paraguai ainda ecoa como trauma regional, com o Brasil se recusando, por exemplo, a abrir seus arquivos sobre o conflito.
Segundo Vieira, isso dificulta uma reconciliação simbólica entre os dois países e reforça a percepção paraguaia de que é preciso buscar alternativas geopolíticas para não se tornar refém dos vizinhos.
A assimetria econômica também pesa. Como lembra Bressan, “a cidade de São Paulo tem um PIB [produto interno bruto] superior ao do Paraguai inteiro”, o que acentua desconfianças sobre as reais intenções brasileiras dentro do Mercosul.
Mesmo assim, ambos reforçam que o país vizinho tem autonomia. O desafio, segundo eles, é transformar essa soberania em estratégia de desenvolvimento, e não de dependência externa.

“Será que não é só a venda da commodity energia sem qualquer incorporação tecnológica? O que os Estados Unidos vão oferecer?”, questiona Vieira. “Eles podem simplesmente construir um enclave sem qualquer reverberação em termos de desenvolvimento tecnológico para o Paraguai”, completa.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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