Intenção da Tailândia de aderir ao BRICS reforça papel do grupo no eixo do Sul Global, diz analista


O governo da Tailândia aprovou recentemente um projeto para elaborar uma carta de intenção para integrar o BRICS.
A expectativa do país asiático é acelerar a discussão sobre a adesão já na próxima cúpula do BRICS, prevista para outubro, em Kazan, na Rússia, que atualmente preside o grupo.
Integrante da ASEAN, a Tailândia tem um produto interno bruto (PIB) superior a US$ 500 bilhões (R$ 2,5 trilhões).
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam como a adesão da Tailândia ao BRICS pode contribuir para o grupo e que benefícios ela traria para o Brasil.
Renan Montenegro, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do Centro de Estudos Avançados (CEA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), afirma que a intenção da Tailândia de integrar o BRICS reflete o fortalecimento do grupo, “que já contou com uma primeira rodada de expansão recentemente e passou a incluir desde o início deste ano Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã”.

“Mais do que isso, aponta para uma maior representatividade do mundo em desenvolvimento dentro do BRICS, esse que é um bloco que surge exatamente na esteira da crise de 2008, na esteira da consolidação dos países do Sul Global, dos países emergentes, como eixos importantes em uma multipolaridade internacional no século XXI. Então certamente a entrada da Tailândia mostra esse duplo processo de alargamento do bloco e de adensamento das suas capacidades, visto que estamos falando não de qualquer país — a Tailândia tem o segundo maior PIB da ASEAN, um país com 70 milhões de habitantes. É um país considerável.”

Bandeira do Brasil ao lado do logotipo do BRICS durante fórum em São Petersburgo, na Rússia, em 30 de outubro de 2020 - Sputnik Brasil, 1920, 06.06.2024

Montenegro acrescenta que sendo consolidada a entrada da Tailândia, o BRICS passa a ter representantes em várias partes do mundo.
“Na Ásia Meridional, que é o caso da Índia; na Eurásia, caso da Rússia; na África, além da África do Sul, temos a Etiópia e o Egito, que é Norte da África; no Oriente Médio, ali no Golfo e arredores, temos Arábia Saudita, os Emirados Árabes e o Irã; o Brasil, que é o gigante aqui da América do Sul […]; e temos a China. E agora com a Tailândia, um representante do Sudeste Asiático, isso faz com que o bloco se consolide como um bloco diverso em termos de tamanho das populações, de estrutura econômica, de capacidade, de segurança.”
Nesse contexto, ele acrescenta que a articulação “mostra alguma coesão em torno de reivindicações por maior legitimidade e por alguma reforma nos mecanismos de governança internacional”.
Questionado sobre como a entrada da Tailândia no BRICS pode beneficiar o Brasil, Montenegro afirma que nesse caso os benefícios seriam mais indiretos que diretos. Isso porque embora o BRICS constitua um bloco privilegiado de interlocução multilateral do Brasil, a relação do país com a ASEAN se dá também fora do grupo.

“Em termos comerciais, a ASEAN já é há alguns anos o terceiro maior parceiro comercial do Brasil em termos de destino de exportações. Entre 2019 e 2023, o crescimento médio das exportações do Brasil para a ASEAN foi na casa dos 20%, praticamente 9, 10 pontos acima do crescimento das exportações do Brasil como um todo. Então o Brasil já tem grandes relações comerciais com a ASEAN.”

Ele lembra ainda o acordo assinado entre Mercosul e Cingapura no final de 2023, “o primeiro acordo de livre comércio do Mercosul com um país asiático”.
“Cingapura, embora seja uma cidade-Estado, é um grande hub portuário, um grande hub exportador ali na Ásia, porque fica em uma localização extremamente estratégica. Então esse acercamento do Brasil com a ASEAN ganha com a entrada da Tailândia no BRICS, mas eu diria que essa entrada da Tailândia no BRICS é apenas mais um componente de uma equação maior”, afirma o especialista.
Fórum de especialistas do BRICS no SPEIF. Dmitry Kiselev, diretor-geral do Rossiya Segodnya, 6 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 06.06.2024

Ele enfatiza que outro sinal do robustecimento dos laços diplomáticos para além das relações econômicas do Brasil com o Sudeste Asiático como um todo foi dado em março, com a “indicação inédita do Brasil de um embaixador para a ASEAN”.

“O secretariado da ASEAN fica em Jacarta, na Indonésia, e o Brasil acabou de indicar o embaixador Henrique Ferraro, que já apresentou suas credenciais para o secretário-geral da ASEAN. A partir de então, o Brasil passa a ter pelo menos dois embaixadores em Jacarta, dois embaixadores na Indonésia. É um embaixador de fato acreditado junto ao próprio país, a Indonésia, e o embaixador junto à ASEAN.”

Entrada da Tailândia abre portas para outros países asiáticos?

Montenegro aponta que o BRICS está empreendendo uma série de movimentações de ampliação do grupo, “que colocam as portas abertas não só para outros países da ASEAN, mas para quaisquer outros interessados”, e ressalta que o interesse da Tailândia sinaliza uma continuação desse processo. Segundo ele, isso mostra que o BRICS está de fato consolidado “como um eixo de cooperação multilateral entre países em desenvolvimento”.
“Por outro lado, isso pode sinalizar problemas em torno da construção de consensos e mesmo pode significar para o caso brasileiro, em especial, uma perda de capacidade de barganha com atores importantes, particularmente a China […]. Quanto mais atores se sentam à mesa, menos tempo se tem para se fazer ouvir e, claro, menos tempo também se tem para falar. Então a ampliação pode soar alvissareira, pode soar positiva a ampliação do BRICS, mas ao mesmo tempo, pensando do lado brasileiro, pode trazer também alguns entraves importantes para alguma capacidade de protagonismo do Brasil no BRICS.”

Por que tantos países demonstram interesse em integrar o BRICS?

Paulo Borba Casella, professor titular de direito internacional público da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Grupo de Estudos Sobre os BRICS (GEBRICS), da USP, afirma que o BRICS ampliou sua relevância “por ser uma inovação em um cenário internacional cheio de incertezas”.
Ele classifica o BRICS “como um grupo de atuação conjunta até aqui pacífica, que tem a China como polo central”.

“Diversamente de outros grupamentos de países, o BRICS começa com propostas de reforma das instituições financeiras internacionais, FMI e Banco Mundial, e enquanto isso não se faz plenamente, criou o seu próprio banco de desenvolvimento”, afirma Casella.

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente brasileiro, aguarda a chegada de Patrice Talon, seu homólogo de Benin, no palácio presidencial do Planalto em Brasília, Brasil, 23 de maio de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 06.06.2024

Montenegro, por sua vez, explica que o cenário atual das relações internacionais aponta uma certa consolidação de uma estrutura multipolar, na qual os EUA “não conseguem mais articular todas as engrenagens da governança internacional sozinhos”, enquanto a China cada vez mais se torna um ator fundamental.
“Essa multipolaridade invariavelmente atravessa as potências regionais, ou seja, tem um contexto internacional em que as regiões têm grande impacto na governança. É um cenário de transição sistêmica, de provável transição hegemônica, talvez, em que fica muito saliente essa disputa geopolítica entre China e Estados Unidos”, explica.

“O conflito entre Rússia e Ucrânia e os conflitos mais recentes agora no Oriente Médio, envolvendo Israel, Hezbollah, Hamas, Irã, tudo isso tem mostrado como o mundo parece cada vez mais caminhar para dois blocos bem claramente identificados, muito embora alguns países, pelo menos retoricamente, adotem um não alinhamento, como é o caso chinês. Mas nesses termos o BRICS ganha em relevância, sobretudo quando passa a contar com países como a Arábia Saudita e o Irã, países que geopoliticamente estão de lados opostos, porém estão juntos no BRICS. Isso explica bastante a relevância do bloco, porque além das disputas geopolíticas como um todo, o bloco tende a ter alguma coesão na sua retórica”, complementa.

Ademais, Montenegro afirma que fazer parte do BRICS abre a possibilidade de acessar com mais facilidade recursos do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do BRICS, e do Arranjo Contingente de Reservas, “que é um fundo de emergência do BRICS para estabilização em caso de eventuais problemas em balanço de pagamentos”.
A opinião é compartilhada por Casella, que afirma que “o BRICS não é uma organização internacional, mas criou uma, o Novo Banco de Desenvolvimento, que pode ter participação de terceiros Estados no capital do banco e também financiar projetos para terceiros Estados”.
No entanto, Casella diz não considerar provável “que novos participantes venham a ser admitidos imediatamente, ainda neste ano”.

“A passagem de cinco para dez países no BRICS, primeira ampliação desde a chegada da África do Sul, em 2011, quando os chineses organizaram a chegada desta na reunião de cúpula de Sanya, na China, é uma grande mutação da dinâmica do BRICS. Ninguém ainda pode saber como funcionará o BRICS com dez Estados. Ainda será necessário algum tempo para que os cinco novos se integrem a todos os mais de cem grupos de trabalho em andamento no BRICS.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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