‘Impunidade não é uma opção’, diz especialista sobre crimes de guerra do Exército britânico (VÍDEOS)


Segundo relatos de testemunhas publicados pela BBC, as forças britânicas cometeram atrocidades no Iraque e no Afeganistão por mais de uma década. As acusações colocam tanto o Serviço Aéreo Especial do Exército Britânico quanto o Serviço Especial de Embarcações da Marinha Real britânica como responsáveis por “execuções a sangue frio” e pela prática de matar detidos como “procedimento operacional padrão”.
Em entrevista à Sputnik Brasil, a professora e especialista em direito internacional Priscila Caneparo explica os desafios legais enfrentados pelo inquérito independente britânico, iniciado em 2022, e destacou os caminhos possíveis para a responsabilização jurídica em âmbito internacional.
Existe uma dupla possibilidade de imputação de responsabilidade, argumenta à Sputnik, pelo fato de os crimes terem ocorrido nas guerras do Oriente Médio — Afeganistão e Iraque — e a origem das tropas serem britânicas.
Essa conexão permitiria a imputação de responsabilidade no Reino Unido, mas segundo a especialista, isso é improvável de acontecer de forma plena.

“É muito mais difícil por conta, justamente, desse tempo que passou em relação ao cometimento dos crimes […], porque a gente sabe que existe, não escancaradamente, mas uma parcialidade efetivamente desse poder judiciário britânico.”

A professora destaca que os crimes mencionados pelas testemunhas se enquadram em categorias previstas no Estatuto de Roma, documento que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), o crime contra a humanidade e o crime de guerra.
Recorrer ao TPI, até mesmo no caso do Iraque que não é membro, é uma das possibilidades do direito internacional que os países podem recorrer, caso ocorram falhas na responsabilização direta dos envolvidos no Reino Unido.

Tanto o Reino Unido quanto o Afeganistão são membros do TPI desde julho de 2002. Mesmo o Iraque, que não é signatário, não representa impedimento total, já que os crimes foram cometidos por agentes de um Estado-membro.

“Não há qualquer dúvida sobre a possibilidade de utilização da jurisdição do TPI”, comenta.
O outro instrumento possível, embora pouco usado, é a jurisdição universal. “Toda e qualquer pessoa que tenha cometido um crime internacional pode ser julgada por qualquer jurisdição nacional.” Ela cita como precedentes os julgamentos do ex-ditador chileno Augusto Pinochet e do nazista Adolf Eichmann como exemplos da aplicação desse mecanismo.
“Se elas vierem passar férias no Brasil, podem ser julgadas, sim, pela jurisdição brasileira”, arremata Caneparo.
As denúncias de que o governo britânico, sob a liderança de David Cameron, ignorou alertas formais sobre os crimes também podem implicar diretamente lideranças políticas: “A gente tem como imputar responsabilidade para essa pessoa que representa institucionalmente o Estado.”
Segundo a especialista, a guerra no Afeganistão teve autorização do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), mas a do Iraque, não. Isso piora a ação britânica no Iraque, tornando-a um “ilícito internacional”.
Por fim, Caneparo destaca que crimes internacionais não prescrevem. “Ainda que o crime tenha ocorrido em 2002, em 2025 e para frente a gente pode imputar a responsabilidade. A impunidade não é uma opção para esses casos.”
“Se demorar muito essas investigações e essa manifestação institucional das forças efetivamente soberanas do Reino Unido […], o Tribunal Penal Internacional virá, sim, se manifestar“, vaticina à agência.
O canhão de um tanque britânico Challenger 2 tem como pano de fundo uma bandeira do Reino Unido durante uma comemoração do 20º aniversário da adesão da Estônia à OTAN, em Tallinn, Estônia, 4 de abril de 2024. - Sputnik Brasil, 1920, 10.02.2025

Outros movimentos

Para o professor Rodrigo Amaral, especialista em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o conteúdo das denúncias não chega a ser uma completa surpresa. É mais um episódio que confirma suspeitas antigas sobre crimes cometidos durante as intervenções.
Desde 2007 e 2008, já havia vazamentos envolvendo práticas de tortura, detenções ilegais e assassinatos de civis, tanto por parte dos EUA quanto do Reino Unido, lembra Rodrigo.
Amaral destacou que, embora o foco da atenção pública na época tenha recaído sobre os Estados Unidos — com escândalos em prisões como Guantánamo e Abu Ghraib —, também houve envolvimento de militares britânicos nas operações, que ocorriam em coalizões multinacionais.
Soldado das tropas norte-americanas na província de Kandahar, Afeganistão - Sputnik Brasil, 1920, 13.05.2025

“É importante lembrar que essas ocupações aconteceram sob uma lógica de força conjunta. Tanto no Iraque quanto no Afeganistão, os militares britânicos atuavam lado a lado com forças norte-americanas, seguindo diretrizes comuns no combate ao terrorismo”, explicou.
Questionado se seria possível responsabilizar líderes políticos — como o ex-primeiro-ministro David Cameron — por omissão ou cumplicidade nesses episódios, o especialista disse que isso seria pouco provável.
Nunca houve histórico de responsabilização de líderes políticos ocidentais por ações cometidas em nome da segurança internacional. Ainda que soubessem dos abusos, como provavelmente sabiam, a resposta institucional sempre foi de conivência ou de silêncio, avaliou Amaral.
A parte externa do Tribunal Penal Internacional, em Haia, nos Países Baixos, em 31 de março de 2021 - Sputnik Brasil, 1920, 07.04.2025

Segundo ele, a retórica dominante à época das ocupações — marcada pela “guerra ao terror”, liderada pelos Estados Unidos — tratava esses crimes como “efeitos colaterais da guerra”. A narrativa, amplamente aceita no início dos anos 2000, sustentava que qualquer excesso cometido pelas tropas aliadas era justificado pela ameaça representada pelo terrorismo internacional.

“Era um discurso muito forte: o terrorista era visto como o inimigo absoluto e, contra ele, todos os meios seriam aceitáveis. Isso blindava politicamente as lideranças de qualquer responsabilização direta“, explicou.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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