Impactos da revisão do Plano Diretor em pautas climáticas da capital são debatidos em Audiência Pública


Richard Lourenço | REDE CÂMARA SP

Audiência Pública da Comissão Extraordinária de Meio Ambiente e Defesa dos Animais desta sexta-feira (6/10)

DANIEL MONTEIRO
DA REDAÇÃO

Analisar as possíveis consequências trazidas pela revisão do PDE (Plano Diretor Estratégico) nas pautas de emergência climática e aquecimento global e propor para a capital paulista, com base no novo marco normativo urbanístico, políticas públicas de enfrentamento aos impactos ambientais. Esse foi o tema de uma Audiência Pública realizada pela Comissão Extraordinária de Meio Ambiente e Direito dos Animais na tarde desta sexta-feira (6/10) na Câmara Municipal de São Paulo.

A discussão foi proposta pelo vereador Hélio Rodrigues (PT) e a mesa de debatedores contou com a participação de representantes do Executivo municipal, da USP (Universidade de São Paulo), UFABC (Universidade Federal do ABC), Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e de entidades ligadas ao tema.

“O central é que nós já temos um impacto ambiental, uma mudança climática que vamos ter que conviver com ela. Fruto do que? Fruto do nosso desenvolvimento sobre a cidade. E o que nós podemos fazer para mitigar, para reduzir danos, principalmente para a população mais carente da cidade, que não vai ter o ar-condicionado, que não vai andar no carro com ar-condicionado, que vai sofrer?”, ponderou o vereador. “Discutir hoje com especialistas das universidades e que, acima de tudo, fazem esse debate ao longo da sua vida, é muito importante para nós aqui da Câmara Municipal, para os vereadores e vereadoras poderem se apropriar desse conhecimento para poder fazer o debate político”, completou Rodrigues.

Primeiro a fazer uso da palavra, Victor Fernandez Nascimento, professor na UFABC (Universidade Federal do ABC), fez uma apresentação sobre mudanças climáticas e aumento da temperatura global. Especificamente sobre a capital, ele mostrou como a verticalização interfere no microclima local e impacta no crescimento da vulnerabilidade social, principalmente em áreas periféricas, destacando a necessidade de aumentar a arborização e cobertura vegetal da cidade.

“A verticalização é algo que, dentro da ciência, não temos aquela certeza de que vai aumentar ou diminuir a temperatura. Porém, ela causa mudanças no regime de circulação do vento e também causa mudanças na temperatura. Uma das possíveis soluções seria, por exemplo, arborizar mais as nossas ruas. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), é recomendado que tenha, no mínimo, uma árvore para cada habitante dentro da cidade. E o recomendado são três árvores por habitante”, explicou Nascimento. “Quando moramos numa área que é mais verticalizada, essa proporção de árvores por habitante acaba ficando cada vez menor”, analisou o professor da UFABC, destacando que áreas densamente ocupadas, como favelas, sofrem ainda mais com esse problema.

Na sequência, a pesquisadora Gisele Brito, do Instituto de Referência Negra Peregum, pontuou que a revisão do PDE exacerbou problemas ligados ao racismo ambiental – termo utilizado para tratar o processo de discriminação que populações da periferia ou compostas por minorias étnicas sofrem através da degradação ambiental – na cidade. “A produção de justiça climática passa pelo enfrentamento ao racismo ambiental, porque senão corremos o risco de fazer com que as supostas soluções para as mudanças climáticas e revitimizem as populações racializadas, especialmente a população negra”, ressaltou. “É como o Titanic: vamos salvar isso aqui, mas vamos pular primeiro quem está nas primeiras classes. E com isso aumentamos as pressões sobre remoção justificada. Porque, supostamente, vamos promover uma justiça ambiental, uma justiça climática, uma segurança à vida, aí você remove as pessoas, colocando elas em outro risco”, denunciou Gisele.

Para o arquiteto e urbanista Anderson Kazuo Nakano, docente na  Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), há urgência em avançar com políticas públicas efetivas, de curto prazo, para lidar com os problemas ambientais que estão em curso. “Precisamos começar a pensar um planejamento urbano no qual a produção de espaço urbano respeite e consiga se adequar melhor aos ciclos da natureza. Precisamos pensar um espaço urbano que respeite e se adeque aos ciclos hidrológicos, por exemplo”, citou.

“Isso significa que temos que respeitar o regime de formação de nuvens, de chuvas, de evapotranspiração das árvores, de infiltração das águas no solo, o escoamento dessas águas em direção aos terrenos mais baixos nas áreas de várzeas, nas áreas dos principais rios da cidade. Então, temos que começar a pensar que esse ciclo hidrológico é bastante dinâmico ao longo do ano e sofre mudanças, sofre distorções com a construção do espaço urbano, com a impermeabilização do solo”, refletiu Nakano.

Diretora e coordenadora de urbanismo do Instituto Pólis, a arquiteta e urbanista Margareth Matiko Uemura alertou que 34% das ocorrências de alagamento, inundação e deslizamento no município aconteceram em ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), o que reforça a necessidade das políticas públicas, especialmente as habitacionais, serem formuladas levando em consideração os aspectos ambientais e climáticos. “Acho que é importante olharmos esse território e entendermos quais são as especificidades de cada um”, frisou.

“A diferença é estarmos olhando para essas áreas de alagamento e risco não para retirar as famílias, mas para olhar para essas áreas e dizer: o que é necessário fazer para que elas permaneçam? Claro que numa ocasião ou outra nós vamos ter que ter um remanejamento ou reassentamento, mas isso também teria que ter uma destinação que a comunidade saiba”, acrescentou Margareth.

O advogado Paulo Somlanyi Romeiro, vice-presidente do IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico), falou como o direito impacta diretamente nas desigualdades sociais contidas no planejamento urbano. “Sim, continuamos como uma cidade do desempenho, uma cidade para o mercado, em vez de produzir um debate por uma cidade antirracista, sustentável”, apontou. “E do ponto de vista do direito, também passa por pensar uma cidade que não é só ou privada, ou pública. ‘O espaço é público, não é de ninguém, o que é privado é meu’. E todo o planejamento é feito a partir de o que vai virar um lote. No fundo, o planejamento o jurídico, o direito mesmo ele é, a regulação urbana é: o que vira lote, o que não vira lote, o que está fora do lote, o que está dentro do lote, como se regula o lote”, criticou Romeiro.

Pesquisadora do LabHab – FAUUSP (Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), a advogada Julia Moretti lembrou que a discussão da Lei de Zoneamento na Câmara é uma oportunidade para repensar o processo de ocupação urbanística da cidade. “A proposta que eu trago hoje aqui é que a gente aproveite esse de discussão da Lei do Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo para criar diretrizes que favoreçam a manutenção do existente, a valorização do espaço construído, mas não em uma perspectiva de atração de investimento ou de ampliação da exclusão. Mas, de fato valorizar a vida útil, manter o patrimônio edificado, esse patrimônio comum”, disse. “Mas, mais do que isso, fomentando um modelo de governança comunitária que legitima usos e saberes locais das populações que nem sempre são ouvidas nesse processo”, propôs Julia.

Também participante da Audiência, o coordenador da Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas da Prefeitura Municipal de São Paulo, André Previato, falou do papel da Câmara na discussão do zoneamento e na proteção do meio ambiente da capital. “A Câmara agora acabou de receber a Lei de Zoneamento e tem um papel fundamental de conter a expansão das áreas de eixos estruturantes, as ZEUs (Zonas Eixos de Estruturação da Transformação Urbana), principalmente observando o que tem no Projeto de Lei com relação às áreas verdes, os parques, as regiões de interesse ambiental. Essa discussão vai ser travada na Câmara Municipal e é um passo importantíssimo para amenizar as consequências que vão ser trazidas pelas alterações que foram feitas no Plano Diretor”, destacou Previato.

Participação popular

Representante da Rede Ambiental do Butantan, Suzana Guinsburg Saldanha indagou o porquê de iniciativas de proteção ambiental não serem implementadas na cidade com a mesma facilidade que outras iniciativas, como do setor imobiliário. Já Fátima Fernandes Pereira Gonsalinia, dirigente do Sindicato dos Químicos de São Paulo, fez questionamentos sobre o atual panorama climático do mundo, enquanto o líder social Gonçalves criticou a não construção de parques lineares nas periferias, além de defender a luta por moradia.

A íntegra da Audiência Pública desta sexta-feira pode ser conferida no vídeo abaixo:

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