Imbróglio entre Paraguai e Brasil ‘não vai longe’; interdependência prevalece, avaliam analistas


O mais recente episódio foi a ameaça do governo paraguaio de cancelar a compra milionária de seis aeronaves Super Tucano EMB-314 da empresa brasileira Embraer (R$ 600 milhões), que conta com o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Assunção já havia tomado uma medida retaliatória após a imprensa brasileira denunciar uma suposta espionagem em busca de informações sobre as tratativas do Anexo C do Tratado de Itaipu, que define as condições para comercialização da energia gerada na hidrelétrica, sobretudo a base de cálculo do preço.
Em resposta, o Paraguai suspendeu as negociações bilaterais sobre a renovação do texto. Além disso, abriu um inquérito para investigar a atuação da Abin em seu território.
O novo anexo já devia ter sido assinado neste mês e diz respeito à divisão das tarifas da energia produzida pela hidrelétrica binacional, criada há mais de 50 anos. A invasão hacker de dispositivos de informática do país vizinho foi denunciada pela imprensa na última semana de março e teria acontecido meses antes de o governo fechar um novo acordo sobre os valores pagos.
O uso indevido da Abin foi identificado por investigação da Polícia Federal durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019–2022), mas o fato de só ter sido divulgado recentemente e pela imprensa abalou as relações entre os países.
Entretanto, a interdependência deles é um freio poderoso ao avanço de possíveis hostilidades e ao acirramento das tensões diplomáticas, de acordo com analistas ouvidos pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.

“Um depende do outro, o Brasil em menor medida do Paraguai do que o Paraguai em relação ao Brasil. O Paraguai depende muito mais do Brasil. Então esse movimento de cortar relações comerciais por parte do Paraguai seria muito complicado para a economia local”, disse a professora de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) Ana Carolina Marson.

Questionada sobre se a atual tensão poderia fortalecer a parceria paraguaia com os EUA, apesar da relação histórica entre os dois países de troca de conhecimento e treinamento, a especialista afirmou que a nova gestão do presidente Donald Trump, que ela chamou de extremamente isolacionista, aponta que a América Latina agora não é prioridade para o governo norte-americano.
O professor de história Leandro Baller, especialista com pós-doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras da Universidade Estadual do Oeste (Unioeste-PR), comentou que o desentendimento é pontual e não vai longe, pois o elo entre os dois países é enorme, inclusive no campo cultural, contribuindo para a manutenção de vínculos que vão além das necessidades comerciais.

“A gente não pode esquecer tudo que Brasil e Paraguai têm feito em conjunto. Não é um evento isolado dessa natureza que vai provocar uma tensão muito alta. A discussão dos termos de Itaipu, o famoso Anexo C, essa discussão, hoje, para o Paraguai, vejo como um artifício de negociação muito forte, muito clara, e de um jogo limpo, muito tranquilo, porque o Paraguai é autônomo em energia, e a energia que Itaipu gera, que é de direito do Paraguai, sustenta o Paraguai inteiro”, ressaltou o especialista.

A rota bioceânica, que promete facilitar o comércio internacional, é um dos principais projetos que criam essa interdependência, apontaram os entrevistados, visto que é o Paraguai que não tem saída para o mar.
Baller também ressaltou que os projetos conjuntos implicam diretamente a autonomia do Brasil e do Paraguai no comércio com países como a China. No caso brasileiro, a rota vai desonerar o transporte dos produtos para o Pacífico, que não precisarão mais passar pelo canal do Panamá:

“É um movimento muito interessante de perceber, como essa rota vai funcionar, não apenas em termos econômicos, como também no diálogo com a população dos dois países, passando por terras indígenas, passando pela agricultura familiar, pelos grandes conglomerados do agronegócio, tanto no Brasil quanto no Paraguai. E Brasil e Paraguai estão juntos nisso”, ponderou ele.

Para a professora de relações internacionais, a rota é ainda mais valiosa para o Paraguai:

“Fica preso ao modal aéreo, que carrega muito menos carga a um preço muito mais elevado”, explicou Marson. “Então olhar para essa rota que leve à saída para o mar ajuda até mesmo no desenvolvimento econômico do país.”

Embora o Paraguai não seja um dos principais parceiros comerciais do Brasil, a professora afirmou que familiaridades históricas e culturais podem reverter esse quadro.

“Tem, sim, bastante espaço para que isso aconteça, porém tem que ser costurado de forma muito bem feita para que não aconteça sobreposição, porque nem o Brasil nem o Paraguai querem produtos concorrentes aos seus entrando nos seus mercados.”

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Fonte: sputniknewsbrasil

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