Ilhas de plástico e mortes de tartarugas: como o plástico lançado ao mar afeta a vida marinha


Onde há seres humanos há plástico. A praticidade e durabilidade do material conquistou empresas e consumidores ao longo do século passado. Porém esse avanço se tornou um grande problema ambiental, uma vez que o plástico leva em torno de 400 anos para se decompor. Atualmente há resíduos de plástico causando degradação ambiental por todo o planeta.
As projeções dos danos são alarmantes, especialmente nos oceanos e na vida marinha. Mais de 800 espécies de mamíferos, aves marinhas, peixes e tartarugas estão sendo impactadas pela ingestão de plástico nos oceanos. E a cada minuto um caminhão de lixo plástico é jogado no mar.
No Brasil, o problema recentemente veio à tona, novamente, após pesquisadores identificarem rochas formadas por plástico na ilha da Trindade, a 1.140 quilômetros de Vitória (ES). A ilha é praticamente inabitada, abrigando apenas equipes de pesquisadores, e é considerada um local crucial para a reprodução de tartarugas.
Segundo os pesquisadores, as rochas de plástico são chamadas plastigomerados e formadas por uma mistura de sedimentos ligados pelo plástico. No caso de Trindade, o material presente nas rochas de plástico é formado principalmente por redes de pesca levadas até as rochas da ilha pela corrente marítima, e é um indicativo de que a poluição plástica já está começando a afetar a formação da terra na região.
Para analisar os impactos da poluição plástica na vida marinha brasileira, as jornalistas Bárbara Pereira e Francini Augusto, do podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, conversaram com André Barreto, professor da Escola do Mar, Ciência e Tecnologia, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), e Berenice Gomes, oceanóloga, ambientalista e coordenadora regional do Projeto Tamar em São Paulo.
André Barreto explica que os danos causados pelo plástico dependem do tamanho e do tipo de material. Ele destaca que redes de pesca são de nylon e geralmente são grandes, por isso permanecem boiando à deriva, enredando animais marinhos pelo caminho.

“Isso pode enredar vários animais, vai prendendo peixes, tartarugas, golfinhos, sem que o pescador recolha aquilo. Então esse plástico de tamanho grande, geralmente, o principal efeito dele sobre os animais é matar ou causar algum dano por enrolar o animal”, explica Barreto.

Barreto acrescenta que anéis de garrafa PET têm efeito similar, prendendo animais. Ele cita como exemplo golfinhos que prendem o bico em anéis de garrafas plásticas e, por não ter como retirar, acabam morrendo por inanição.
Outro material plástico que causa muitos danos à vida marinha são as sacolas plásticas. Barreto explica que há casos de animais marinhos encontrados mortos que, quando passam por necropsia, revelam pedaços de sacolas plásticas no estômago. Segundo ele, isso afeta especialmente as tartarugas que se alimentam de algas.

“É o hábito delas de alimentação ir para o fundo [do mar] e ficar comendo aquelas algas presas nas pedras. E essas frequentemente são encontradas com sacolas plásticas no estômago porque o animal confunde o plástico com as algas”, explica o professor.

Segundo Barreto, garrafas PET, redes de pesca e sacolas plásticas são os chamados macroplásticos, ou seja, o plástico grande, que é possível ver. Mas há o dano ambiental causado pelos microplásticos, que são os fragmentos muito pequenos, com menos de meio centímetro. Segundo o especialista, os microplásticos têm a capacidade de absorver poluentes e contaminar os animais quando ingeridos.
Barreto acrescenta que não são apenas os animais marinhos que sofrem com a poluição plástica nos oceanos, mas também as aves. Ele cita como exemplo o albatroz, que confunde pedaços de plástico com presas. “O albatroz, por exemplo, se ele vê alguma coisa boiando [no mar], ele vai tentar pegar.”
Ele ressalta que grande parte do plástico que hoje se encontra boiando nos mares é fruto da má gestão de resíduos nas cidades e destaca a importância da reciclagem. “A pessoa pensa ‘Ah, a sacolinha de plástico é a vilã’. Não. Se ela for descartada da maneira correta, ela não vai virar lixo boiando no mar. A questão é que a gente tem todo um problema de gestão de resíduos malfeita nas cidades, que faz com que essas sacolinhas, quando vem uma chuva, sejam levadas para um rio, e de lá vão para o mar.”
Barreto, no entanto, diz que, nas últimas décadas, houve uma maior conscientização sobre o uso do plástico e destaca que há mercados que voltaram a usar sacolas de papel, como há 40 anos, e estabelecimentos que substituíram copos de plástico por copos de papel.

“Vamos abolir o plástico? Óbvio que não, a nossa sociedade não vive sem plástico. Mas podemos diminuir a quantidade […] de plástico de uso único, aquele que eu uso uma única vez, jogo fora. Tem um monte de alternativa para isso.”

Por conta das correntes marítimas, o plástico descartado que acaba nos oceanos também gera conglomerados como a gigantesca ilha de plástico detectada no oceano Pacífico. Com 1,6 milhão de quilômetros quadrados e composta por cerca de 1,8 trilhão de pedaços de plástico, o conglomerado recebeu o apelido de “sétimo continente”. Ilhas como essa contribuem para a mortandade de animais marinhos.
Porém há formas de reduzir o plástico lançado nos mares, como aponta Berenice Gomes, oceanóloga, ambientalista e coordenadora regional do Projeto Tamar em São Paulo.
O Projeto Tamar foi inaugurado no início da década de 1980, por uma necessidade de o Brasil compreender o que sucedia com as populações de tartarugas marinhas, quais espécies existem no país e quais estão em risco.
Segundo Berenice, o projeto visa promover a recuperação das populações de tartarugas, por meio de ações de pesquisa e conservação, inclusão social e conscientização de comunidades que se alimentavam de tartarugas e seus ovos.

“O Tamar acredita que a gente precisa aliar a pesquisa a enxergar o modo de vida das comunidades, trabalhar para que essas comunidades tenham condições de subsistência também. Porque as tartarugas marinhas, elas estão ao longo da costa brasileira, seja em áreas de alimentação, onde elas estão crescendo, se reproduzindo, seja em áreas onde elas estão desovando. E em todos esses lugares temos populações tradicionais, pescadores, suas famílias. Então a grande inovação do Tamar quando começou seus trabalhos foi envolver as comunidades, trazer os pescadores e as comunidades para a causa, inclusive com geração de empregos diretos e trabalhos.”

Segundo Berenice, cinco das sete espécies de tartaruga que existem no mundo são encontradas no Brasil. “Dessas cinco, quatro espécies estão ameaçadas de extinção”, alerta.
Ela explica que o Tamar identificou que mais de 22% das tartarugas marinhas que chegaram na base do projeto em Ubatuba (SP) tinham ingerido plástico.

“Boa parte vem a morrer por conta dessa ingestão de lixo em geral. Quando a gente fala lixo em geral, o plástico é 99% dele”, diz a oceanógrafa.

Berenice explica que a poluição e o plástico afetam as tartarugas marinhas em todas as fases da vida do animal.
“Há lugares em que tem tanto lixo na praia que […] tartarugas fêmeas [são impedidas] de desovar e cavar seu ninho. Quando o filhote nasce, ele tem de correr até o mar, mas muitos não conseguem chegar porque ficam enroscados no lixo. Na fase em que estão no mar, eles ingerem microplástico”, explica Berenice, acrescentando que muitas tartarugas também morrem por ingerir plástico confundido com algas.
“Ela come plástico, mesmo que em pedaços pequenos. Só que ela não digere o plástico. Então vai ficando um ressecamento das fezes no trato digestivo, e isso vai causando o que os veterinários chamam de fecaloma, que são fezes ressecadas que impedem a passagem no trato intestinal e vão causando uma sensação de saciedade. Às vezes, mesmo se quisesse comer, o bicho não conseguiria. Porque o trato digestivo inteirinho, desde a parte do esôfago, está lotado desse material seco e compactado, e ela não consegue soltar. E isso pode causar infecção bacteriana, pode ter um rompimento, porque vai inchando até a hora que rompe aquele tecido. Aí ela tem uma infecção generalizada ou morte pelo rompimento.”
Por fim, assim como Barreto, Berenice aponta a necessidade de a sociedade repensar o consumo. Segundo a oceanógrafa, somente pela conscientização em relação ao lixo que ela produz haverá alguma mudança.

“É mais do que a gente, obviamente, não descartar um lixo, um plástico, seja o que for em uma praia. É lembrar que quando isso acontece na cidade, se [o lixo] for para o chão, vai para o corpo d’água, vai parar no mar igual; a gente encontra balão de festa, camisinha, encontra o que você puder imaginar, que necessariamente não foi descartado na praia. Essa é a primeira coisa, pensar o consumo. Porque, honestamente, a gente precisa comprar uma banana descascada que vem embalada em um plástico filme? Ou dá para comprar a banana e descascar? Então eu particularmente acredito que essas coisas só vão mudar quando as pessoas começarem a tomar atitudes, inclusive de negar o consumo, se posicionando.”

Fonte: sputniknewsbrasil

Anteriores Câmara de SP dá posse a novos vereadores
Próxima Moradora negativada devido a dívida de IPTU de lote de homônima deve ser indenizada