Evento será realizado em um antigo hospital-colônia, na zona rural do município de Bambuí (MG), que recebeu pessoas acometidas da doença
Foto: Ascom-MPF/MG
O Ministério Público Federal (MPF) realizará audiência pública no dia 18 de outubro para recolher subsídios sobre medidas reparação aos filhos e às filhas das pessoas atingidas pela hanseníase no estado de Minas Gerais. O evento será realizado das 14 às 18 horas, na Casa de Saúde São Francisco de Assis, antiga colônia situada na Fazenda da Lagoa, s/n°, zona rural de Bambuí (MG), município localizado a cerca de 270 km de Belo Horizonte (MG).
A política de combate à hanseníase adotada no Brasil por muitas décadas não ficou restrita às pessoas acometidas pela doença, que foram isoladas nos sanatórios e leprosários, os chamados hospitais-colônia, os quais ficavam em locais de difícil acesso, tinham muros, cerca de arames, portões trancados e um corpo de guardas sanitários para capturar fugitivos e novos doentes. Também os filhos das pessoas doentes, inclusive recém-nascidos, foram afastados da convivência dos pais, que eram impedidos de ter qualquer contato com eles. As crianças cujas famílias se recusavam a atendê-las, o que era frequente devido ao estigma da doença dos pais, eram internadas nos chamados preventórios especiais, sob os cuidados do então Departamento de Profilaxia da Lepra e da Assistência Social.
Segundo a Lei 11.520/2007, o isolamento compulsório no país só deixou de ser praticado definitivamente em 1986, ou seja, 59 anos após a construção do primeiro preventório, em 1927.
Relatório elaborado em 2012 por um grupo de trabalho da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República apontou que, apesar de não existirem dados oficiais sobre o número de filhos atingidos por essa política pública segregacionista, estima-se que, ao longo de 59 anos, mais de 30 mil crianças foram segregadas de seus pais.
“Estes brasileiros, filhos de portadores de hanseníase, foram injustamente e inadequadamente separados de seus berços familiares, sendo obrigados a conviver com o descaso público, o que gerou mudanças diretas em suas condutas comportamentais e graves problemas sociais. Com o passar dos anos foram surgindo preventórios por todo o território nacional (…) A disciplina nos preventórios era extremamente rígida, com aplicação habitual de castigos físicos desmesurados. As crianças eram induzidas a esquecerem de seus pais, porquanto a hanseníase era considerada uma “mancha” na família”, registra o relatório.
O documento segue descrevendo como se dava a separação dos filhos de seus pais, afirmando que os preventórios, em “teoria visavam proteger o menor, porém na realidade faziam com que crescessem sem nenhuma lembrança ou informação sobre sua origem e de seus familiares. Muitas crianças, por terem sido internadas ao nascer, não possuíam nenhuma recordação de seus pais; outras, por terem sido internadas com mais idade, conservaram as suas lembranças, inclusive a de suas internações. O ingresso nesta instituição configurava um ato de violência em suas vidas, pois na maioria das vezes não tinham consciência do que estava acontecendo”.
As crianças eram desestimuladas a manter vínculos com a família e recebiam apenas o estudo básico. Visitas e correspondência eram dificultadas. “As cartas escritas pelas mães pedindo notícias ou solicitando que pudessem receber uma fotografia da criança, eram abertas e censuradas, e só entregues àquelas que a instituição permitisse”, diz o relatório.
Nesse contexto histórico, o objetivo do MPF, ao organizar a audiência pública, é o de recolher informações para buscar medidas de reparação aos danos causados a essas famílias. “Trata-se de buscar, além da imprescindível reparação, a implementação do direito à Memória e à Verdade histórica sobre as graves violações aos direitos humanos das famílias que foram vítimas da segregação de pais e filhos durante a política de isolamento compulsório em nosso estado”, afirmam os procuradores da República Edmundo Antonio Dias e Ângelo Giardini de Oliveira.
O acesso à audiência pública é livre e não necessita de inscrição prévia.
Atuação do MPF – Em 2015, o MPF recomendou à União que assegurasse, a todos os requerentes da pensão especial prevista na Lei 11.520/07 que tiveram seus pedidos negados, a efetivação do direito à ampla defesa e ao contraditório, permitindo ampla produção de prova documental, testemunhal, e, caso necessária, prova pericial, conforme prevê a própria lei que criou essa pensão especial (https://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-mg-recomenda-que-uniao-reavalie-pedidos-negados-de-pensoes-especiais-por-hanseniase)
Como a recomendação não foi acatada pela União, o MPF ingressou em 2017 com ação civil pública, para que todas as pessoas, que tiveram seus direitos indeferidos com fundamento apenas na ausência de provas documentais, sem que tenham sido realizadas quaisquer diligências adicionais, como colheita dos seus depoimentos ou oitiva de testemunhas, tivessem os seus requerimentos revisados pela União e pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) (https://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-mg-defende-direito-de-pessoas-internadas-compulsoriamente)
Quase dois anos após seu ajuizamento, a ação foi extinta pela Justiça Federal sem julgamento do mérito. O MPF apresentou recurso de apelação, que ainda não foi julgado (https://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-mg-recorre-de-decisao-que-negou-direito-de-pessoas-internadas-compulsoriamente)
Serviço:
Audiência Pública sobre a segregação de pais acometidos de hanseníase e seus filhos, por ocasião da política de isolamento compulsório em Minas Gerais
Data: 18 de outubro de 2022
Horário: 14 às 18 horas
Local: Casa de Saúde São Francisco de Assis
Endereço: Fazenda da Lagoa, s/ n°, zona rural do município de Bambuí (MG)
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