Há 100 anos, máquina registradora matou carro elétrico; conheça a história


Um pequeno motor, com energia o suficiente para abrir e fechar uma gaveta, foi o responsável pelo fim dos carros elétricos nas primeiras décadas do século 20. Por ironia, um motorzinho elétrico. Em 1900, cerca de 40% da frota americana era formada por veículos a vapor ou híbridos vapor-gasolina, mas a preferência era pelos elétricos, pela facilidade de manuseio, manutenção e por não liberarem os gases do combustível que ficavam impregnados na roupa – um incômodo especialmente para as mulheres.

Havia 34 mil elétricos (38% da frota) circulando nos Estados Unidos. Os 28% restantes eram de modelos a gasolina, cujo evidente apelo era a capacidade de cobrir distâncias maiores em menor tempo, além de ter preço mais em conta que um elétrico. O problema é que nos carros a combustão, não bastava girar a chave, engrenar a primeira e sair rodando.

Até 1912, dar partida no motor a gasolina exigia mais que braços fortes: paciência e, principalmente, técnica. Um processo metódico e relativamente simples, mas que podia machucar e, em alguns casos, matar. A partida era feita por meio da manivela, uma barra de ferro com uma das extremidades dobrada em ângulos retos e outra com encaixe para o virabrequim.

Em tese, bastava um quarto de volta em sentido horário para que o motor acordasse – mas só em tese. A depender da posição dos pistões e do avanço da ignição, a manivela podia girar em sentido reverso, os tais contragolpes, sempre violentos. Quanto maior a taxa de compressão do motor, maior o coice. Sofrer uma fratura não era bom negócio naqueles tempos em que infecções e resfriados matavam mais que tiroteios em botequins do velho oeste.

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Há algumas versões sobre o surgimento da partida elétrica – da aposentadoria da manivela e do consequente declínio dos elétricos e vaporizados. Mas todas as versões convergem para Henry Leland, fundador da Cadillac e da Lincoln. Indignado com o grande número de ferimentos (entre os seus funcionários, inclusive) e com as fatalidades provocadas pela manivela, Leland convocou seus engenheiros para criar um mecanismo de partida automático mais eficiente que as alternativas encontradas por alguns fabricantes, como a partida por ar comprimido ou por cartuchos de pólvora.

A solução seria encontrada em 1911, três anos depois do apelo de Leland: o prosaico motor usado para abrir e fechar a gaveta das caixas registradoras da NCR, fabricante que monopolizava esse mercado.

O mecanismo que substituiu a alavanca das caixas registradoras (ou das caixas incorruptíveis, como eram chamadas) havia sido criado por Charles Kettering, então empregado da NCR. Em 1909, Kettering saiu da NCR para criar a Delco, sigla em inglês para Companhia de Laboratórios de Engenharia Dayton.

Fornecia bobinas, para a Cadillac inclusive, e se comprometeu com Leland a encontrar uma forma de eliminar a manivela dos automóveis. A resposta viria da caixa registradora de um armazém, onde Kettering fazia compras: um motor elétrico acoplado ao principal que só seria acionado para fornecer impulso para movimentar os pistões. O mecanismo foi instalado em um Cadillac Modelo 30.

O modelo foi lançado em 1912 como Cadillac Self Starter e sua propaganda o identificava como “o carro sem manivela”. As vendas dobraram. Neste ano, o número de carros elétricos nos Estados Unidos atingia o auge com perto de 40 mil veículos, boa parte deles formado por frotas de entrega e veículos de transporte urbano.

Mas declinou rapidamente quando Henry Ford lançou em 1919 o Ford T com partida elétrica. Um Modelo T sem manivela era vendido por menos de 300 dólares (cerca de atuais 4.700 dólares), perto de dez vezes mais barato que um carro elétrico. A gasolina, do mesmo modo, era mais barata que a eletricidade – e abastecer era operação mais rápida que recarregar as pesadas baterias de chumbo. E, sim, as cidades passaram a ser ligadas por estradas asfaltadas que convidavam os motoristas a percorrer distâncias cada vez maiores.

A disputa tornou-se desigual. E os elétricos foram saindo de cena para ensaiar tímido retorno na metade dos anos 1990 por causa das severas leis ambientais na Califórnia. À exceção do EV1, criado do zero pela General Motors para ser um veículo elétrico, todos os demais elétricos desta época eram adaptações, algumas bizarras, dos modelos a gasolina. A GM previa um mercado de 5 a 20 mil unidades/ano para o EV1, mas errou nos cálculos: fabricou 1.117 carros de 1996 a 1999 e recolheu a maioria. Foi como se os dinossauros voltassem ao planeta e não sobrevivessem à comida enlatada.

Hoje, com baterias mais eficientes, mais leves e muito bem equipados, os elétricos estão de volta – e, desta vez, parece um caminho sem volta, pelo menos enquanto a China continuar investindo nesse tipo de veículo. A manivela, por seu lado, resistiu até 1998 a bordo do Lada Niva – era, na verdade, uma chave de roda que também podia acionar o motor em caso de emergência.

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Fonte: direitonews

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