Nesta quinta-feira (16), Juraj Cintula, suspeito de atirar contra o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, foi formalmente acusado de tentativa de assassinato.
O poeta, de 71 anos, descrito pela imprensa internacional como um nome proeminente na literatura nacional, teve sua vida vasculhada após o atentado, ocasião na qual foi descoberta sua ligação com o grupo paramilitar Slovenskí Branci (SB), que se desenvolveu a partir de influências nacionalistas e que passou a se envolver intimamente com milícias russas.
A organização não oficial está intimamente relacionada a uma mais antiga, a Slovenské Hnutie Obrody, que foi vinculada no passado a tendências nazistas. Em 2012, militantes do grupo se reuniram no serviço memorial de Jozef Tiso, o líder de um regime clero-fascista eslovaco.
Posteriormente, o líder da organização, Peter Švrček, tentou desvincular o Branci deste evento e concordou que “foi um erro”. Além disso, a logo da organização paramilitar é muito semelhante ao da organização juvenil nazista Hitlerjugend. Em reação, a diretoria do Slovenskí Branci disse à imprensa que estava se distanciando de “ ideais doentios do nazismo e do fascismo”.
Segundo relatos da mídia, na época em que o grupo estava sendo formado, o líder da Slovenskí Branci, Švrček, passou por treinamento com a milícia russa Narodny Sobor. Durante sua estadia de três semanas na Rússia, ele foi treinado por ex-soldados do Specnz (tropas de elite controladas pelo Serviço de Segurança Federal russo) e rapidamente começou a transmitir sua experiência a outros membros do grupo, com destaque para um crescente sentimento anti-OTAN e de maior patriotismo.
Investigações jornalísticas também apontam que a Slovenskí Branci está ligada aos Night Wolves, uma outra milícia russa pró-Putin.
De acordo com o portal de jornalismo investigativo VSquare, com sede na Europa, o grupo formado há mais de uma década recruta jovens no país para atividades que, segundo eles, são negligenciadas pelo Estado. Entre elas, a “segurança do país, a ajuda a civis em tempos de desastres e o ensino de valores aos mais jovens”.
A primeira relação de Cintula com o grupo surgiu em 2016, quando ele foi visto junto a homens uniformizados com a bandeira da Eslováquia. Em uma publicação daquela época, ele reconheceu ter se encontrado com dirigentes da organização paramilitar e expressou sua “gratidão” pelo trabalho dos recrutas, principalmente no combate à imigração crescente.
“Em maio do ano passado conheci os recrutas eslovacos e o que me atraiu neles? A sua capacidade de agir sem ordens do Estado e a dedicação altruísta. Por que o fazem? Centenas de milhares de migrantes chegam à Europa (…) Os recrutas eslovacos não se preparam para lutar, mas para defender (…) A sua principal tarefa é defender o povo, o país, a tradição e a cultura: são patriotas”. Em 2016, recrutas eslovacos partilharam uma fotografia no Facebook que incluía o atirador.
Segundo Cintula, o Estado não pode proteger os seus cidadãos e, portanto, os próprios cidadãos devem proteger o espaço público antes que este fique “cheio de elementos criminosos”.
Alguns meses depois das primeiras publicações, Juraj C. fundou um partido chamado Hnutie proti nasiliu, segundo a imprensa eslovaca, mas não obteve reconhecimento suficiente.
Em outubro de 2022, o grupo começou a defender o nacionalismo do regime russo de Vladimir Putin, batendo fortemente no Ocidente, criticando a chegada de imigrantes à Europa e atacando os meios de comunicação e organizações não-governamentais.
As operações do Slovenskí Branci se assemelham às de um exército oficial. De acordo com a VSquare, eles criaram uma hierarquia interna com postos definidos, agrupam seus membros em unidades, ou divisões e seus membros são recrutados regularmente e recebem formação inspirada nas forças armadas eslovacas.
Os recrutas são treinados em sobrevivência, táticas de combate, guerrilha, uso de armas, primeiros socorros, topografia e até operações básicas de QBRN (defesa química, biológica, radiológica e nuclear).
Ataque foi planejado por motivações políticas
O governo da Eslováquia afirmou nesta quinta-feira (16) que o atentado que deixou o primeiro-ministro, Robert Fico, em estado muito grave foi planejado por um “lobo solitário” e teve clara motivação política.
“Não foi acidental, mas planejado, porque já houve várias tentativas”, disse o ministro da Defesa, Robert Kalinak, em pronunciamento ao lado do ministro do Interior, Matus Sutaj Estok.
Kalinak disse que o acusado já havia participado de um protesto do lado de fora de uma reunião do Conselho de Ministros na cidade de Dolna Krupa.
Apesar do vínculo no passado com o grupo paramilitar, Estok descartou participação do autor como membro de grupos radicais, e o definiu como um “lobo solitário”, confirmando que ele havia participado de vários protestos contra o governo. “Ele não é membro de nenhum grupo radicalizado, de direita ou de esquerda, ele é um lobo solitário, cuja atividade se acelerou após as eleições presidenciais”, resumiu o ministro do Interior eslovaco.
Devido à natureza individual do ataque e à sua radicalização nas redes, a polícia não conseguiu detectá-lo com antecedência, segundo Estok.
Os dois políticos pediram à imprensa, aos políticos e à sociedade que acalmem o debate público e evitem discursos de ódio ou justificativas de violência. “Devemos abordar as causas fundamentais desse mal”, disse Kalinak sobre a polarização na sociedade.
Fonte: gazetadopovo