A exemplo do que ocorre neste ano, a proposta de Orçamento para 2025 que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao Congresso tem inconsistências que aumentam a desconfiança sobre o cumprimento do arcabouço fiscal. Há indícios de que o governo esteja exagerando receitas e minimizando despesas.
Um relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, calcula que as receitas esperadas no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do próximo ano estão superestimadas em R$ 87,4 bilhões. O documento também estima que as despesas estão subestimadas em R$ 19,2 bilhões.
Somando uma coisa e outra, o resultado das finanças federais em 2025 pode ser mais de R$ 100 bilhões inferior ao projetado pelo Executivo. Sinal de que ficará mais difícil fechar as contas e alcançar o déficit primário zero, previsto pelo arcabouço.
“Se nenhuma medida adicional for realizada, as metas de resultado primário zero, estabelecidas […] não poderão ser cumpridas. Além disso, o resultado fiscal esperado para 2025 será pior que o projetado para 2024″, afirma o relatório da IFI.
“É difícil saber a razão para esse desvio entre as projeções e os valores observados”, diz Alexandre Andrade, diretor da instituição. “Talvez um certo conservadorismo com as estimativas de algumas rubricas, como os benefícios previdenciários.”
A principal diferença, no caso das despesas, está na projeção de pagamento de benefícios da Previdência. O governo prevê gasto pouco superior a R$ 1,007 trilhão em 2025, enquanto a IFI projeta R$ 1,034 trilhão, em valores arredondados. A diferença entre as duas projeções é de R$ 27 bilhões.
Outra diferença relevante é no Bolsa Família: a estimativa do governo é praticamente R$ 10 bilhões menor que a calculada pela IFI. Para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência, o PLOA 2025 prevê R$ gastos de 118,4 bilhões, enquanto a IFI projeta R$ 123 bilhões, uma diferença de R$ 4,6 bilhões.
As projeções otimistas não são novidade. Para 2024, o governo também contava com dezenas de bilhões de receitas que não se concretizaram. E havia subestimado despesas, em especial com Previdência e BPC.
A Lei Orçamentária Anual (LOA) previu gastos previdenciários de R$ 908,7 bilhões neste ano, mas o mais recente relatório bimestral do governo, baseado no que de fato ocorreu de janeiro para cá, jogou essa estimativa para R$ 931,4 bilhões – uma diferença de quase R$ 23 bilhões. No caso do BPC, a diferença entre o projetado no Orçamento e o estimado agora é de pouco mais de R$ 8 bilhões.
Orçamento de 2025 conta com mais de R$ 120 bilhões em receitas extraordinárias
Para Guilherme Tinoco, professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), o ponto mais problemático do PLOA 2025 diz respeito às receitas. A proposta do governo incorporou um volume expressivo de receitas extraordinárias, em torno de R$ 121,5 bilhões.
Também estão consideradas medidas legislativas – que precisam ser aprovadas pelo Congresso – para o aumento da arrecadação. Elas somam outros R$ 46,7 bilhões. Juntas, as duas ações somam R$ 168,2 bilhões em receitas adicionais.
“É impossível fugir à comparação com o projetado para 2024, quando a peça orçamentária também incorporou volume de receitas adicionais praticamente de mesmo montante”, lembra Tinoco.
Para ele, o cenário era esperado. “De maneira geral, o PLOA 2025 redobrou as apostas em uma consolidação fiscal realizada por meio de medidas pelo lado da receita.”
A IFI chama a atenção para as dificuldades de realização das previsões estabelecidas pelo orçamento.
“Atualizada a estimativa de resultado primário pela IFI, especificamente para o exercício financeiro de 2024, e comparada com as estimativas de receitas e despesas do Executivo nos decretos de programação orçamentária e financeira já publicados em 2024, chama a atenção as revisões para baixo nas estimativas de arrecadação e nas alterações para cima nas projeções de despesas”, diz o relatório.
“Nas receitas, as alterações ocorreram em função da dificuldade de materialização de receitas extraordinárias de caráter incerto. Ao mesmo tempo, as revisões nas despesas indicam que a dinâmica de algumas despesas obrigatórias não estava devidamente considerada nos cenários”, prossegue o documento.
Carf frustrou expectativas em 2024, mas segue como aposta em 2025
Uma das principais apostas para o incremento da arrecadação continua sendo a esperada por meio de julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que julga processos movidos pelas empresas no âmbito administrativo.
Com a retomada do voto de qualidade, que prevê desempates dos julgamentos a favor do governo, a expectiva para o próximo ano é arrecadar R$ 28,8 bilhões. Tinoco considera a receita superestimada, a julgar pelo histórico deste ano.
Para 2024, o governo contava algo em torno de R$ 55,6 bilhões vindos do Carf. Porém, até maio não entrou um centavo sequer referente a decisões da corte tributária, segundo a própria Receita. No balanço de receitas e despesas feito em julho, a estimativa foi revista para R$ 37,7 bilhões. No balanço de setembro, a projeção foi reduzida a praticamente zero.
Maria Carolina Gontijo, advogada tributarista e palestrante do Instituto Millenium, diz que a frustração da receita era previsível. O mercado apostava numa arrecadação de no máximo R$ 11 bilhões no ano, o que já era, para a tributarista, uma previsão “otimista demais”.
“Desde o julgamento do recurso até o valor devido virar receita primária é um longo caminho”, explica Gontijo. “Depende muito da decisão da empresa de pagar e resolver a pendência ou de recorrer na Justiça. As empresas preferem se programar, vão escolher o momento certo para o pagamento, dentro do seu planejamento de despesas. Não é de uma hora para outra.”
Para ela, a equipe econômica fica desacreditada com as incongruências apontadas. “O Orçamento parece um trabalho como aqueles que a gente apresentava no colégio, feito a várias mãos”, compara a tributarista. “Algumas partes são bem realistas e conservadoras, outros parecem servir só para alcançar um resultado previsto e fechar as contas.”
Execução do Orçamento e cumprimento da meta será mais difícil em 2025, prevê especialista
Para Tinoco, a execução do Orçamento no ano que vem será ainda mais desafiadora. Um número, segundo ele, que ilustra o tamanho do desafio é o da receita líquida, de R$ 2,349 trilhões no PLOA.
É um volume R$ 104 bilhões acima do projetado pelo mercado no Prisma Fiscal, pesquisa da Secretaria de Política Econômica da Fazenda que mede a expectativa dos agentes privados. A mediana divulgada em agosto prevê o montante de R$ 2,245 trilhões.
O economista destaca também que, após a elevada expansão fiscal de 2023, a despesa sujeita ao teto está crescendo a uma taxa real de 2,5% pelo segundo ano consecutivo. Isso, sem mencionar os gastos realizados por fora do limite, como os relacionados às enchentes no Rio Grande do Sul.
Para ele, a cada bimestre do próximo ano, com a divulgação do relatório de avaliação de receitas e despesas, aumentarão as expectativas de contingenciamento e bloqueio de recursos.
“Além disso, com 2026 no radar, a disposição para congelamentos deverá ser ainda menor”, afirma o economista. “O quadro nos permite concluir que, aos poucos, o fiscal vai ficando cada vez mais desequilibrado, deixando gradualmente parte da credibilidade pelo caminho.”
Governo não mira centro da meta, diz IFI
O projeto de Orçamento de 2025 aponta para um resultado primário deficitário em R$ 40,4 bilhões para o ano que vem, valor ligeiramente melhor do que o atualmente projetado para 2024.
Após as exclusões permitidas pela legislação para fins de cumprimento de meta fiscal, alcança-se um superávit de R$ 3,7 bilhões, resultado praticamente no centro da meta, que é déficit zero para o ano que vem, com bandas de 0,25% do PIB para cima e para baixo.
Os dados da IFI, no entanto, aproximam-se dos números coletados pela pesquisa Prisma Fiscal, que aponta para um rombo de aproximadamente R$ 93 bilhões em 2025.
A IFI espera um déficit primário de R$ 147,1 bilhões – R$ 106,6 bilhões maior que o esperado pelo PLOA. As divergências são explicadas por parâmetros macroeconômicos e fiscais que são menos favoráveis nos cálculos da instituição.
O relatório questiona a estratégia aparentemente embutida nas previsões do governo de bater a meta pelo intervalo de tolerância, em vez de mirar o centro.
“A mudança de orientação da política fiscal, para atingimento apenas do limite inferior da meta, lança dúvidas significativas sobre a trajetória de sustentabilidade da dívida pública”, diz o texto.
Fonte: gazetadopovo