“A gente tem, no âmbito do direito internacional, questões chamadas procedimentais e substanciais […]. A gente nota que na substância haveria, sim, um fôlego maior para a África do Sul e que [a argumentação] sustenta o seu pleito. Só que há essas questões procedimentais. Uma delas está no artigo 9º da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, que é a existência de uma disputa entre as partes sobre algum fato ou algum preceito legal que as partes discordem entre si”, explicou ela em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.
“De fato, não houve tempo hábil em relação à medida protocolada pela África do Sul no dia 29 de dezembro, e a primeira nota verbal foi expedida uma semana antes apenas, não dando esse tempo de Israel se manifestar. Então talvez a gente acabe nessa tecnicalidade procedimental, muito embora a gente esteja, sim, visualizando atos, a meu ver, com intenção de genocídio”, opinou ela.
“Durante o processo na corte, Israel terá tempo suficiente para juntar essas provas e apresentar um dossiê mostrando se é ou não um comportamento contrário ao direito internacional, que tem se mostrado que, na verdade, é”, comentou. “Ele pode, eventualmente, pedir mais tempo para apresentar provas, e não há ameaça ao seu direito para tanto.”
“Essa defesa não pode ser indiscriminada, tomando território, tratando diferentemente uma população que não seja a sua. Ela não pode ser preconceituosa, por assim dizer, ser destrutiva em sua totalidade. Pode fazer a autodefesa, mas não simplesmente varrer do mapa uma população, como colocou o militar”, ponderou.
“Quando se fala ‘nós vamos varrer do mapa essas pessoas‘, eles não são pessoas, são animais e precisam ser destruídos [na lógica israelense]. Essa lógica da destruição pelo simples fato de formarem um grupo, de serem um grupo à parte diferente do resto, isso é genocídio”, disse o professor.
“Se ataco uma escola, um hospital durante uma guerra, estou cometendo crime de guerra. […] não é porque estou tendo uma destruição enorme do território que, necessariamente, é um genocídio. O que vai classificar como genocídio ou não é o objetivo da destruição daquele povo.”
Ucrânia e Israel: dois pesos e duas medidas
“Não há uma comoção internacional tal como houve em relação à Ucrânia. Talvez, pela proximidade da Ucrânia com a Europa, haja esse receio de que possa escalar para uma guerra novamente no velho continente, que faz com que esses países busquem apoiar o pleito ucraniano, diferentemente do que acontece com a África do Sul, que advoga em nome da população palestina e que não ganha grande apoio por parte da comunidade internacional.”
Israel e Palestina: resultados e consequências
“E quando se trata de um país que, no caso de Israel, conta com o apoio, até um pouco incondicional dos Estados Unidos, fazer valer essa sentença é um pouco mais difícil, lembrando que quando um Estado não cumpre a sentença, o Estado vencedor do julgamento pode apelar para o Conselho de Segurança das Nações Unidas [CSNU]. Mas o CSNU é um órgão muito mais político do que técnico e jurídico”, ponderou.
“Agora, se isso vai enfraquecer o Netanyahu e seu governo, é difícil dizer, porque vai depender de como as coisas vão terminar, se é que vão terminar. Ele pode se fortalecer a partir do grupo que o apoia. Ter um apoio ainda mais incondicional pode [fazê-lo] ganhar mais adeptos. Enfim, isso vai depender de vários fatores da própria guerra, não só da campanha militar”, concluiu.
Fonte: sputniknewsbrasil