Meses atrás, quando escrevi sobre a F-150 V8, recorri às estatísticas para falar do sucesso do veículo mais vendido nos Estados Unidos há quase 50 anos. Agora, ao experimentar a versão elétrica Lightning, trago um pouco de história, costumes e quebras de paradigmas.
Mais de um século atrás, Henry Ford chegou a trabalhar no desenvolvimento de um carro elétrico usando como base o Modelo T. Mas os estudos não seguiram adiante por uma série de fatores, inclusive a limitação das baterias da época.
Após algumas incursões não muito bem-sucedidas nas últimas décadas, a Ford decidiu virar a chave e apostar de uma vez nos elétricos, talvez mais motivada pelas mudanças climáticas do que por uma firme convicção. Para reforçar o posicionamento, decidiu que começaria a transição pelos dois maiores ícones de sua história: Mustang e F-150. O teste com o Mach-E você pode ler neste outro link.
Agora, é hora de colocar à prova a versão elétrica da F-150. Para isso, Autoesporte viajou até Dearborn, nas redondezas de Detroit (Estados Unidos). Estamos no Ford Experience Center, um complexo que fica bem ao lado da primeira fábrica da Ford, exatamente de onde saíram os protótipos do Modelo T elétrico.
Dali, acompanhamos uma rápida apresentação sobre a Lightning e entendemos quão importante é a variante elétrica da picape. “É o principal produto da companhia, não podemos errar. Todo mundo leva isso muito a sério”, disse o brasileiro Klaus Mello, gerente de engenharia da F-150 na matriz.
Aparentemente, o público tem recebido bem a Lightning. Desde o lançamento, em abril do ano passado, a Ford precisou aumentar três vezes a produção. O ritmo ainda não é o desejado pela marca, mas as picapes elétricas já começam a ganhar as ruas de um país ainda tão acostumado com as grandes caminhonetes bebedoras de gasolina.
Ao contrário de Ram e Chevrolet, que mudaram radicalmente o visual das versões elétricas de 1500 e Silverado, a Ford decidiu fazer intervenções pontuais na F-150 movida a eletricidade. Vamos começar pela traseira, onde as lanternas das versões intermediária e topo de linha são unidas por uma barra iluminada.
Na frente, o mesmo acontece com os faróis. A grade, que não tem papel de refrigeração nos elétricos, foi fechada. Aliás, é na dianteira que está a melhor solução da Lightning, em minha opinião.
Em vez de modificar radicalmente o visual da dianteira, a Ford aproveitou o espaço deixado pelos motores a combustão para criar um enorme porta-malas frontal. Tão boa quanto a ideia do departamento de engenharia foi o batismo, que provavelmente veio da área de marketing: frunk, uma junção das palavras front (frontal) e trunk (porta-malas). Ali vão 400 litros, capacidade maior do que a de muitos SUVs compactos. Assim, a caçamba pode ser usada apenas para cargas maiores ou ferramentas de trabalho.
Essa inclusive é a vocação principal da versão que testamos, a opção básica Pro. Destinada aos que levam os veículos a condições extremas de uso, a picapona é simplificada no visual, no acabamento e na lista de equipamentos.
Começando pelo último aspecto, a central multimídia tem 12 polegadas e é semelhante à da F-150 V8 vendida no Brasil. Possui comandos simples e objetivos, mas não tem a orientação vertical nem a telona das versões mais caras. Volante sem revestimento de couro, bancos de vinil com ajustes manuais e ausência do estribo elétrico fazem falta.
As barras iluminadas citadas antes não estão presentes, a tampa da caçamba não é elétrica e a grade é de plástico preto sem brilho. Resumindo, temos um veículo pronto para o trabalho e que custa US$ 50 mil, praticamente metade dos US$ 92 mil cobrados pela versão topo de linha, Platinum. A brutal diferença de preço justifica todas as ausências.
Mas não há concessões quanto ao gigantesco pacote de baterias. De série, a F-150 Lightning sai de fábrica com um kit de 98 kWh, que garantem autonomia de 386 km, segundo o padrão EPA. Os clientes que optarem (e pagarem US$ 10 mil) pelo incremento nas baterias levam um conjunto de 131 kWh, que, além da autonomia extra (515 km), dá mais potência.
Em vez dos 468 cv da opção convencional, a cavalaria entregue nas quatro rodas salta para 588 cv, mais do que a maior parte dos Mustang já produzidos até hoje. O torque, de insanos 107,2 kgfm, não muda e é o maior já visto em um carro de produção da Ford.
Para nosso “azar”, a versão básica Pro disponibilizada só sai de fábrica com o pacote mais modesto. Ainda assim, não podemos desprezar nenhum veículo com mais de 450 cv. E, apesar de a F-150 ter quase 2.800 kg, pode acelerar de zero a 60 milhas por hora (96 km/h) na casa dos 5 segundos. Novamente, comparável ao Mustang.
Em nosso trajeto de aproximadamente 120 km pelo estado de Michigan, conseguimos testar a arrancada da picape elétrica. E não é exagero dizer que o desempenho é de carro esportivo. É surpreendente como um veículo gigantesco como esse (são quase 6 metros de comprimento) consegue sair da imobilidade e alcançar velocidades impublicáveis tão rapidamente. Seria o carro de locadora mais divertido da história?
Em nosso test drive, também pegamos longos trechos de estrada em que o limite era de 75 milhas por hora (120 km/h). Talvez distraído pela enorme variedade de modelos em volta, não reparei que alcancei quase 100 milhas por hora, ou 160 km/h. Sem o ronco de um motor como referência, é fácil ultrapassar os limites de velocidade.
Mas um excelente controle de carroceria também faz sua parte. Desconsiderando a propulsão elétrica, a maior novidade da F-150 Lightning é a suspensão traseira mais refinada. Sai o eixo rígido, ideal para o trabalho pesado, entra uma arquitetura multilink, comum em carros de passeio e responsável por praticamente zerar qualquer rebote proveniente de irregularidades do solo.
O prejuízo para quem vai usar a picape para levar cargas é mínimo, afinal a gigantesca caçamba acomoda 1.013 kg. Mas nos Estados Unidos, a capacidade que importa de verdade é a de reboque. Nesse sentido, a enorme caminhonete pode puxar até 3,5 toneladas. E faz isso com uma série de auxílios eletrônicos para engate e gerenciamento do implemento.
Mas essa enorme capacidade traz uma reflexão: qual seria a autonomia de uma F-150 Lightning rebocando um gigantesco trailer em uma rodovia? O número oficial é aferido sem qualquer carga. Na vida real, certamente o alcance da versão testada é bem menor do que os 386 km divulgados, o que é preocupante em um país de dimensões continentais maiores que a do Brasil.
A melhor saída seria pagar US$ 20 mil dólares a mais e levar para casa a F-150 Lightning XLT com o opcional de bateria estendida.
Porém esse não deve ser um problema do público brasileiro. Quando a Ford resolver importar a picape elétrica para cá, certamente trará as opções mais caras – provavelmente a Platinum, de quase US$ 100 mil. Fazendo as contas, a diferença para a versão equivalente com motor V8 é de US$ 17 mil dólares. Ou seja, a Lightning poderá ser vendida com etiqueta de preços na casa dos R$ 600 mil. Menos que qualquer Porsche Taycan. Você quem decide se vale a pena.
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Fonte: direitonews