O atentado a bomba contra o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá impulsionar a investigação da Polícia Federal contra Jair Bolsonaro (PL) por suposta tentativa de golpe e aumenta a pressão, depois, para a Procuradoria-Geral da República denunciar o ex-presidente. Nesta quinta (14), dia seguinte às explosões em frente ao edifício-sede da Corte, vários ministros associaram o ataque ao histórico de provocações e gestos de beligerância protagonizados por Bolsonaro e seu grupo político ao tribunal e seus integrantes, que se avolumaram após o ato de 8 de janeiro de 2023.
Em pronunciamentos no início da sessão de julgamentos, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso; o decano, Gilmar Mendes; e o ministro Alexandre de Moraes, que conduzirá a investigação sobre o caso, foram uníssonos no discurso de que as explosões, tratadas como ato de terrorismo, são resultado do discurso agressivo dirigido ao STF nos últimos anos por Bolsonaro e políticos aliados. Barroso e Gilmar destacaram, nesse sentido, o vídeo de 2021 do ex-deputado Daniel Silveira com ameaças, as recorrentes manifestações contra a Corte desde o início do governo Bolsonaro e os bloqueios em estradas e acampamentos nos quartéis após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022.
Os ministros também criticaram a tentativa de anistiar os manifestantes que invadiram e depredaram a sede do STF, do Palácio do Planalto e do Congresso no início do ano passado. Além de tentar promover o avanço dessa proposta no Congresso, Bolsonaro busca sua inclusão para se livrar da investigação sobre a tentativa de golpe e de outras suspeitas dos inquéritos de Moraes – apropriação de presentes e falsificação de cartão de vacina -, além da condenação à inelegibilidade decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Querem perdoar sem antes sequer condenar”, disse Barroso em pronunciamento no plenário, numa referência à proposta de anistia. Depois, questionado pela Gazeta do Povo durante entrevista à imprensa, ele defendeu a conclusão do inquérito sobre os mentores intelectuais do 8 de janeiro, em que Bolsonaro é investigado.
“Não sei até o final da investigação quem é que vai ser indiciado. Não tenho opinião pré-formada nem prejulgamento em relação a ninguém. Mas acho que sim, que já está em boa hora de nós conseguirmos concluir essa investigação”, afirmou. Barroso informou que conversou recentemente com Moraes e o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, sobre o inquérito.
“Acho que nós já estamos perto do fim para esse material ser entregue ao procurador-geral da República, que aí sim vai verificar em relação a quem há provas e em relação a quem não há provas. Veja: não se pune por divergência política, se pune se houver um crime. Portanto, se for apurado um crime, temos que investigar”, afirmou.
Moraes e Mendes rebateram diretamente declarações de Bolsonaro e seus aliados de que as explosões foram um “fato isolado”. “É um contexto que se iniciou lá atrás quando o famoso “gabinete do ódio” começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o STF principalmente, contra a autonomia do Judiciário e contra os ministros e familiares de cada um”, disse Moraes pela manhã, durante evento do Ministério Público.
“Muito embora o extremismo e a intolerância tenham atingido o paroxismo em 8 de janeiro de 2023, a ideologia rasteira que inspirou a tentativa de golpe de Estado não surgiu subitamente. Pelo contrário, o discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação foram largamente estimulados pelo governo anterior”, afirmou Gilmar Mendes no plenário.
Na sessão do STF, o procurador-geral, Paulo Gonet, foi o mais econômico nas palavras. “A Procuradoria-Geral da República presta solidariedade ao Supremo Tribunal Federal pelo lamentável episódio da noite de ontem. Fica claro que o desrespeito às instituições continua a ter sinistros desdobramentos, demonstrando o esforço que vem sendo desenvolvido pela PGR e pelo STF na apuração de responsabilidades e punição por atos violentos de propósito antidemocrático”, disse.
Conclusão do inquérito do 8 de janeiro é adiada desde agosto
A conclusão do inquérito sobre os incentivadores do 8 de janeiro e sobre a suposta tentativa de golpe é adiada desde agosto pela PF. Desde então, a investigação conseguiu mais provas e colheu novos depoimentos dos investigados e de testemunhas. A expectativa, agora, é que o relatório final seja entregue ao STF até a semana que vem. Só então o material será encaminhado a Gonet para que ele enquadre as condutas apuradas e denuncie os crimes. Depois disso, o STF se reunirá para analisar as acusações e abrir uma ação penal, na qual os denunciados se tornarão réus.
Gonet chegou ao comando da PGR, no fim do ano passado, com forte apoio de Moraes e Gilmar Mendes. Desde então, tem atuado em maior sintonia com Moraes, nos inquéritos das fake news e das milícias digitais, do que seu antecessor, Augusto Aras, indicado por Bolsonaro.
O pedido da PF dirigido ao STF para investigar o atentado, aliás, foi inserido no inquérito aberto em 2021 para investigar os atos contra a Corte ocorridos no 7 de Setembro de 2021. Na época, vários caminhões adentraram a Esplanada dos Ministérios. O então presidente da Corte, Luiz Fux, se mobilizou junto às forças de segurança para impedir que os veículos descessem a rampa da Praça dos Três Poderes para derrubar o edifício-sede do STF.
Diretor-geral da PF cita ligação das explosões com o 8 de janeiro
Na manhã desta quinta, em entrevista à imprensa, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, falou várias vezes na “gravidade” do atentado. Destacou a ligação com o 8 de janeiro ao mencionar uma mensagem escrita pelo autor, Francisco Wanderley Luiz, com referência à pichação na estátua da Justiça, em frente ao STF, ocorrida durante a invasão. Afirmou que nas explosões a intenção era matar ministros da Corte – a investigação da PF verificou que o principal alvo era Moraes.
“Mostra essa vinculação desses grupos radicais que culminam nessa barbárie que aconteceu ontem na tentativa de matar ministros da Suprema Corte e que também culminou nesse lamentável episódio do suicídio dessa pessoa”, disse o diretor-geral da PF.
Durante a sessão, Moraes e Barroso também disseram que o objetivo de Francisco Luiz era detonar uma explosão dentro do STF, que estava lotado de visitantes no momento, por volta das 19h30. A sessão de julgamentos – sobre as restrições de operações policiais em favelas no Rio – havia terminado pouco tempo antes. Quando as explosões ocorreram, estavam no edifício-sede apenas Barroso, Edson Fachin e Cristiano Zanin – os três foram retirados da sala de lanches, atrás do plenário, por seguranças. Moraes já estava em seu gabinete, num anexo mais protegido.
A PF trabalha em duas hipóteses criminais: terrorismo, cuja pena varia de 12 a 30 anos de prisão; ou abolição violenta do Estado Democrático de Direito, com pena que vai de 8 a 12 anos. Se as provas confirmarem motivação política dos atos praticados por Francisco Luiz, a tendência é que o caso seja enquadrado como crime contra a democracia – o crime de terrorismo, no Brasil, não abarca motivações políticas.
Com Moraes como relator, é esperado máximo rigor na investigação, que buscará agora, principalmente com a perícia do celular de Francisco Luiz, desvendar sua rede de contatos. A PF quer saber se havia outras pessoas diretamente envolvidas no atentado – que podem ter incitado, estimulado, financiado ou contribuído para o ataque – ou se ele agiu apenas influenciado por outros que xingam e ameaçam os ministros.
Até o momento, segundo investigadores a par do inquérito, não foram encontrados indícios de vínculos diretos com outros investigados pelo 8 de janeiro. Também não há evidências de que Francisco Luiz tenha participado do ato, embora estivesse em Brasília na época.
Em menos de 24 horas após o atentado, e-mails do STF receberam ao menos 8 mensagens de enaltecimento ao autor das explosões. Um dos e-mails continha a seguinte mensagem:
“Esclarecemo-vos que Francisco Luiz, agora no céu junto com o Pai, foi apenas um dos inúmeros mártires de nossa luta contra vós, a escória satânica do STF. Não descansaremos até acabar com a escória de Satanás”, dizia o texto, enviado por um autor anônimo. No e-mail, havia uma foto com livros religiosos e uma pistola.
Desde 8 de janeiro, o STF já contabilizou cerca de mil ameaças, em e-mails, ligações e cartas com mensagens violentas remetidas ao tribunal. Com as explosões, a segurança do STF será reforçada com a volta das grades em torno do edifício-sede, que haviam sido retiradas em fevereiro deste ano, e com maior rigor no controle de entrada de visitantes por meio do raio-X.
Fonte: gazetadopovo