EUA reúnem factoides para justificar cerco e corroer legitimidade do governo venezuelano (VÍDEOS)


A Marinha dos EUA enviou pelo menos sete navios, incluindo três destróieres, um cruzador de mísseis, um submarino nuclear, além de vários soldados para o mar do Caribe. Segundo noticiado há cerca de duas semanas, o objetivo seria combater o tráfico de drogas.
Para compor o argumento, o governo norte-americano acusa o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, de liderar uma organização criminosa, o Cartel de los Soles. Washington, inclusive, foi endossado por Assunção, Buenos Aires, Georgetown e Quito, que consideraram o tal cartel uma organização terrorista.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante coletiva de imprensa nesta segunda-feira (1º) - Sputnik Brasil, 1920, 01.09.2025

Por outro lado, o presidente colombiano, Gustavo Petro, afirmou que o Cartel de los Soles “é a desculpa fictícia” dos EUA para derrubarem governos que não o obedecem. A existência da dita facção também foi refutada por diversos especialistas ao redor do globo.
Ao contrário de cartéis de drogas conhecidos na América Latina, o Cartel de los Soles não é deles, afirma Ana Prestes, analista internacional, doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em história pela Universidade de Brasília (UnB).
A especialista acrescenta que se trata, portanto, de uma ação baseada em “factoides, suposições e fake news” para ameaçar e pressionar a Venezuela.

“Os altos oficiais da Guarda Nacional Bolivariana utilizam um ou dois desenhos de sol em seus uniformes, daí pegaram esse símbolo e estão dizendo que é a identificação de uma rede de narcotráfico. Mas não existe prova até hoje demonstrada da existência dessa organização“, explica.

Em relação ao gesto positivo de alguns países sul-americanos aos EUA, Prestes acredita que pode dar respaldo a uma eventual ofensiva contra a Venezuela. Porém, o impacto desse apoio se dá mais “no plano político-diplomático e logístico do que no militar direto”.
“Se governos da região embarcarem na narrativa norte-americana de que Caracas representa uma ameaça, seja por narcotráfico, migração ou autoritarismo, isso pode ajudar Washington a construir legitimidade internacional, reduzindo a percepção de uma agressão unilateral. Além disso, países vizinhos podem oferecer apoio logístico, como o uso de bases, espaço aéreo, portos e inteligência — algo fundamental em qualquer ação de intimidação ou cerco”, explica.
Agente da Administração de Repressão às Drogas (DEA, na sigla em inglês) mostra arma supostamente apreendida de um suposto traficante de drogas após sua prisão durante uma batida em um conjunto habitacional em Mayaguez. Porto Rico, 9 de julho de 2010 - Sputnik Brasil, 1920, 26.08.2025

Fato é que, ainda que o objetivo estadunidense fosse o combate ao tráfico de drogas — como já reivindica na América Latina há mais de meio século com políticas punitivistas que atravessaram vários governos —, os armamentos enviados para a costa venezuelana são desproporcionais à ação.
De acordo com Carolina Silva Pedroso, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em Venezuela, os equipamentos enviados descontroem a narrativa oficial norte-americana que justifica as operações militares no mar do Caribe e se mostra como uma grande provocação.
Além da capacidade de ataque e dos milhares de soldados deslocados para o Atlântico, há, conforme denunciado por Maduro, o descumprimento de tratados internacionais.

“Um grande gesto de afronta à soberania territorial venezuelana, que, por enquanto, não foi violada, mas existe esse risco. Essa é uma das grandes preocupações neste momento”, comenta.

‘O direito internacional é um grande leão sem dentes’

Ao denunciar o cerco montado pelos norte-americanos, o presidente da Venezuela afirmou que o Tratado de Tlatelolco foi violado.
O acordo, firmado na Cidade do México em 1967, convenciona que toda a América Latina deve ser uma zona desnuclearizada, ou seja, toda a tecnologia nuclear no território latino-americano deveria ser voltada para fins pacíficos. “O que não é o caso de submarinos que estão sendo deslocados e podem ser utilizados”, explica Pedroso.
Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), durante a solenidade comemorativa ao Dia do Soldado, no Quartel-General do Exército. Brasília (DF), 22 de agosto de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 30.07.2025

Entretanto, embora existam tratados e acordos internacionais sobre o uso de armas nucleares, segundo a analista, há uma limitação concreta de implementar efetivamente punições. Em outras palavras, de “conseguir enquadrar um país como os Estados Unidos, que tem uma capacidade não só de ataque, mas de pressão em vários aspectos — diplomático, político, financeiro, econômico — como alvo de eventuais sanções previstas dentro do direito internacional“.
Pedroso ressalta que os EUA já desrespeitaram normas internacionais em outros momentos históricos e “não arcaram com nenhuma consequência”.

“Na área de relações internacionais, a gente faz um pouco da utilização dessa metáfora, que o direito internacional é um grande leão sem dentes. Ele tem toda uma postura robusta, como se ele fosse capaz, de alguma maneira, de impedir os países de ultrapassarem os limites que foram acordados coletivamente, mas ele não tem uma capacidade real de coerção, principalmente de atores que são mais poderosos no sistema internacional”, completa.

Uma guerra psicológica e comunicacional

Para Prestes, todas as características que retratam as guerras híbridas, desde elementos que combinam pressão militar, econômica, diplomática e até mesmo simbólica, estão presentes nas ameaças estadunidenses contra Caracas.

Plano militar

Segundo a analista, há demonstração de força, dado o poderio dos armamentos deslocados da Marinha americana em direção ao mar do Caribe. Junto a isso, pela “criminalização política” do governo de Maduro com sua designação como líder do Cartel de los Soles, a Procuradoria-Geral dos EUA oferta uma recompensa de US$50 milhões por sua captura.
Venezuelana segura revista com manchete sobre a USAID em protesto contra sanções dos Estados Unidos. Caracas, 27 de fevereiro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 06.05.2025

Campo econômico

Nesta seara, as ofensivas se dão por diversas frentes, desde o bloqueio dos ativos da petroleira Citgo, subsidiária da estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), localizada nos Estados Unidos, que em 2019 teve seus bens congelados e lucros retidos por anos.
Também fazem parte as demais inúmeras sanções e tarifas de 25% sob os países que comprarem petróleo venezuelano.

Plano jurídico e migratório

Já neste terreno, a deportação em massa sob a Alien Enemies Act, instrumento legal criado em 1798 e usado para deportar venezuelano sem devido processo, “reforça a narrativa de que a Venezuela representa uma ameaça à segurança regional”.

Campo simbólico e comunicacional

Por fim, conforme analisa a cientista política, campanhas midiáticas que enquadram o governo venezuelano enquanto ditadura e o associam ao narcotráfico e ao terrorismo buscam corroer sua legitimidade tanto interna quanto internacionalmente.
“Os EUA utilizam uma estratégia híbrida, cujo objetivo central é enfraquecer o governo bolivariano, reduzir sua margem de manobra diplomática e enviar uma mensagem de dissuasão a outros países latino-americanos que optem por políticas externas autônomas ou por estreitar laços com potências rivais de Washington”, sintetiza.

A quem interessa a pressão sobre a Venezuela?

Os Estados Unidos, evidentemente, se colocam como opositores ao governo venezuelano. Há evidências históricas recentes que deixam isso evidente, como as relatadas até então, e o não reconhecimento da vitória de Maduro nas últimas eleições.
A pergunta a se fazer, portanto, é: por que, neste momento, os EUA parecem querer intervir diretamente na política doméstica venezuelana?
Para Pedroso, o engajamento estadunidense para eventualmente promover uma mudança de regime em Caracas tem nome e sobrenome: Marco Rubio.
O secretário de Estado norte-americano, filho de pais cubanos que fugiram da revolução no país caribenho, faz o combate a governos considerados insurgentes à hegemonia dos Estados Unidos da América Latina sua grande bandeira política.
“Esse fortalecimento do que o Marco Rubio representa em termos de projeto político, é um dos fatores que, por sua vez, é alimentado também pela existência de uma comunidade latina conservadora que iniciou principalmente com os cubanos, mas que foi sendo fortalecida ao longo das últimas décadas por venezuelanos”, explica Pedroso.
Nesse sentido, a especialista explica que não fala dos imigrantes que fugiram da crise interna venezuelana, mas das elites que detêm importantes cifras na indústria petroleira venezuelana e controlam seus investimentos desde os EUA por desacordos com a política chavista.
Para essa elite venezuelana, segundo Pedroso, Trump é visto, desde o primeiro mandato, como o grande nome para mudar os rumos do país latino-americano.
“Havia uma grande esperança de que nas eleições de 2024 na Venezuela houvesse uma mudança política que não aconteceu. Então, diante da permanência desse projeto no poder, da incapacidade da oposição internamente de chegar ao poder pela via eleitoral, me parece que essa junção de fatores leva a essa tempestade perfeita”, analisa.
Fato é que se desenha um momento de tensão para a América Latina não vivenciada há muito tempo — “desde o início do século XX, quando a própria Venezuela foi alvo de um cerco por conta de uma dívida externa”, recorda Pedroso.
Os avanços do cerco para um ataque efetivo, independente das motivações oficiais, podem piorar ainda mais a situação humanitária no país, aumentar o fluxo de imigrantes e o grau de instabilidade econômica e política, além de transbordar a crise para os países vizinhos.
Além disso, uma invasão acobertada pela justificativa de combate ao narcotráfico abriria precedentes para os outros países.

“Se a Venezuela vai sendo enquadrada dentro dessa simbiose de guerra contra o terror e guerra contra as drogas, nada poderia impedir que outros países da região também se tornassem alvo, inclusive a própria Colômbia, e o Brasil. Ou seja, utilizar a justificativa de um problema concreto, que é o narcotráfico, para fazer mudança de regime político interno”, arremata a professora da Unifesp.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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