EUA e países europeus não devem ajudar na reconstrução de Gaza; BRICS, sim, avaliam pesquisadores


Para o presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah, e a doutoranda em ciência política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora de política externa russa Giovana Branco, a atuação do BRICS daria mais autonomia e legitimidade ao povo palestino na administração dessa reconstrução, uma vez terminado o conflito que vem devastando a região há mais de um ano.

“Seria realmente um marco desse grupo, de se diferenciar em relação às potências ocidentais mais tradicionais, que ao longo do tempo foram associadas à destruição dessa região no mundo”, comentou a pesquisadora.

O BRICS contava até o ano passado com cinco países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Neste ano o grupo ganhou novos membros: Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.
Rabah frisou que a ajuda do BRICS pode possibilitar que a administração seja feita pelo povo palestino, com um governo de unidade e de reconciliação nacional.

“Os países que participam do BRICS, entre eles países da própria região, é que são confiáveis para isso”, opinou.

“É um grupo que vem adquirindo um tom muito crítico aos Estados Unidos e, consequentemente, à Europa de uma forma geral, e que vem tentando se posicionar como esta grande alternativa que olharia de uma forma mais empática para conflitos que tenham sido esquecidos pelo Ocidente ou mesmo rejeitados”, acrescentou Branco.
Para Rabah, é imoral que depois de “financiar o genocídio do povo palestino”, os EUA participem da reconstrução de Gaza, lucrando com construções e materiais de empresas norte-americanas:

“Eles deram para Israel, para o genocídio, na casa de US$ 22,8 bilhões, ou seja, R$ 125 bilhões de reais. Isso dá incríveis R$ 2,4 milhões para cada palestino exterminado em Gaza.”

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), serão necessários pelos menos US$ 40 bilhões (cerca de R$ 230 bilhões) para que a Faixa de Gaza, que ainda está sendo destruída por Israel, seja restaurada.
Ele acrescentou que, em 65 anos, os EUA enviaram para Israel mais de US$ 250 bilhões (cerca de R$ 1,4 trilhão), 150% mais do que destinaram para a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial, no chamado Plano Marshall — US$ 100 bilhões (R$ 550 bilhões) em valores atualizados —, acrescentou ele.
Além da destruição física, os ataques ao território, iniciados em 7 de outubro de 2023, já mataram mais de 45 mil pessoas, de acordo com cálculos das autoridades palestinas.
O Comissário Geral da Agência de Assistência e Obras N (UNRWA), Philippe Lazzarini, fala durante uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a UNRWA na sede da ONU em Nova York, em 17 de abril de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 23.04.2024

A pesquisadora também avaliou que seria uma hipocrisia, neste momento, pensar uma reconstrução de Gaza partindo dos Estados Unidos e dos países europeus.

“Não me parece que exista um interesse genuíno por parte das lideranças ocidentais de dar aos palestinos uma autoridade política, de reconhecer a sua soberania estatal, de reconhecer a sua nacionalidade e identidade cultural e também de reconstruir o seu território, que foi sistematicamente violado ao longo de anos.”

O representante da federação palestina no Brasil afirmou que 80% da Faixa de Gaza está sob escombros:

“Ela supera a destruição da cidade mais afetada pela […] Segunda Guerra Mundial inteira, que durou seis anos […]. Segundo a ONU, […] precisará de 7 a 14 anos para que esses escombros sejam removidos. E mais, há, neste momento agora, pessoas sob esses escombros, animais, tudo que nós possamos imaginar sob esses escombros.”

O representante da federação também ressaltou que os EUA são o motivo por que a Organização das Nações Unidas não tem posicionamento mais combativo em relação aos ataques de Israel.
“Porque existem os Estados Unidos e Israel, que votam contra, mais quatro ou cinco países insulares que, somados, não totalizam 2 milhões de habitantes. E, claro, os países europeus que se abstêm” comentou ele.
Entretanto, pontuou, quase a totalidade dos demais votos da ONU é pró-Palestina:

“[…] a Ásia inteira vota com a Palestina, inclusive o Japão, veja só. O continente africano inteiro vota com a Palestina e, à exceção do Paraguai [e dos EUA], o restante do continente americano também vota com a Palestina nas resoluções essenciais, inclusive as de reconhecimento da Palestina como Estado soberano”, defendeu ele.

A cientista política lembrou que injetar dinheiro na região e reconstruí-la materialmente não será suficiente sem o reconhecimento internacional da Palestina enquanto Estado nacional soberano e independente, aceito pelos demais países das Nações Unidas e de outros fóruns multilaterais.

“Pensar em outras formas de reconstrução e de legitimidade é muito mais importante hoje do que apenas disponibilizar dinheiro e ajuda internacional para a reconstrução ou desenvolvimento.”

Entretanto, argumentou, esse seria um movimento de longo prazo, pois no cenário atual, embora o movimento pró-palestino seja forte entre essas lideranças, a maioria evita uma conexão direta com o grupo palestino Hamas.

“Principalmente porque o Hamas tem um estigma de ser entendido por alguns países e alguns grupos como um grupo terrorista, então se associar a ele seria como reconhecer, por exemplo, a liderança do Talibã no Afeganistão, que pode ser, sim, uma posição muito difícil de sustentar politicamente”, disse. “Talvez sem conflito na Ucrânia, talvez uma China mais estabilizada politicamente, aí, sim, a gente pode ver esse envolvimento, mas hoje eu não vejo essa perspectiva”, ponderou ela.

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Fonte: sputniknewsbrasil

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