O indiano Jyoti Bansal conseguiu um feito e tanto: não construiu apenas uma, mas duas startups-unicórnio, avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares. A primeira foi a AppDynamics, em 2008. A empresa pegou o início do boom dos smartphones e lançou um software que monitorava desempenho de aplicativos para celular. Em 2017, o negócio foi vendido para a gigante Cisco por 3,7 bilhões de dólares, cerca de 17 milhões de reais.
Coincidentemente, este é o valor que a atual empresa de Bansal, a Harness, é avaliada. Depois de tirar seis meses de “aposentadoria”, o empreendedor resolveu atuar em outra frente de negócio: desenvolveu um software que ajuda outros desenvolvedores de softwares a fazerem os programas. A plataforma de Bansal consegue, por exemplo, usar inteligência artificial para ver se há alguma quebra na codificação de um site e corrigi-la antes que o portal fique fora do ar – o que pode gerar custos altos para as empresas. A tecnologia também fornece outros serviços que são importantes para o setor, como testar código de maneira segmentada e fazer gestão de custos de sistemas na nuvem. Entre os clientes há bancos e companhias aéreas, que dependem (muito) que o sistema funcione sem intercorrências.
O ponto é: como construir duas startups bilionárias? Bansal tem alguns pontos que considera importante:
- Saber identificar o mercado e escolher aquele que seja grande, capaz de absorver e de gerar alta receita para a sua startup
- Quer entregar valor com seu produto. Optar por querer entregar um produto “melhor do que o do seu melhor concorrente”
- Escalar um time competente e com vontade de produzir as coisas com você. Mas é importante dar independência para esse time. “Não adianta contratar a pessoa mais inteligente e não ouvir o que ela tem a dizer”.
- Saber balançear um ótimo time de tecnologia com um time tão bom quanto comercial
Ele também aprendeu algumas lições importantes em três startups que trabalhou antes de virar empreendedor. Duas delas quebraram, e de lá, vieram boas lições. Uma é que não basta ter uma tecnologia excelente, se o problema que está sendo resolvido não tem engajamento. A outra é que não basta inovar uma vez e parar por aí: “vai ter alguém com uma ideia melhor no dia seguinte”. Ou seja, é preciso continuar inovando.
A Harness está. Em um evento em São Francisco, na Califórnia, vai lançar, de uma única só vez, quatro novos produtos. Um pouco antes da conferência, a EXAME visitou a sede da startup na cidade e conversou com Bansal. Na entrevista a seguir, o executivo conta sua trajetória, apresenta as lições e erros do caminho e fala sobre a aposta da empresa no Brasil.
Qual a trajetória de Bansal
Conte um pouco sobre sua jornada no empreendedorismo.
Minha primeira startup foi a AppDynamics. O problema naquela época era que muitos engenheiros estavam construindo softwares complexos, e se algo desse errado, era difícil e levava muito tempo para solucionar o problema. Então, iniciei a startup para resolver isso. A AppDynamics cresceu e se tornou uma grande empresa. Estávamos prestes a abrir o capital na Nasdaq e a Cisco nos comprou. Eu queria continuar atuando em startups. Então, comecei a olhar para os desenvolvedores. Quase 50% do tempo de trabalho deles é desperdiçado em coisas que poderiam ser simplificadas. Metade do tempo é criativo, escrevendo um código para solucionar um problema, e a outra metade é simplesmente desperdiçada por coisas que poderiam ser automatizadas. A Harness nasceu para corrigir os 50% do tempo que os desenvolvedores estão desperdiçando.
E é um mercado aquecido?
A realidade é que todos os negócios são de software agora. Todo mundo tem muitos desenvolvedores de software, seja um banco, uma seguradora, varejo, telecomunicações, todo mundo tem muitos engenheiros de software.
Quais as lições para ter um negócio bilionário
Você vendeu a AppDynamics para a Cisco por 3,7 bilhões de dólares, cerca de 17 bilhões de reais. Hoje, coincidentemente, a Harness também é avaliada em 3,7 bilhões de dólares. Como construir duas startups bilionárias?
Eu diria que a principal lição é que você precisa trabalhar em um problema que esteja em um mercado grande e que o entusiasme. Em segundo lugar, você precisa se obcecar em entregar valor aos seus clientes, construir produtos que entregam valor. Se você estiver em um mercado grande e tiver a cultura certa para construir ótimos produtos, muito dinheiro virá, a receita virá, o negócio virá. Mas você não pode construir o negócio sozinho. Uma parte fundamental do sucesso é como você reúne pessoas, como atrai e mantém as melhores pessoas.
Assim que você vendeu a AppDynamics, já começou a trabalhar na Harness?
Minha primeira reação quando vendi o AppDynamics foi que eu deveria me aposentar. E eu tentei. Fui ao continente africano, ao Peru, à Noruega. Eu tinha uma lista de pequenas coisas e fiz todas elas. Em seis meses, não tinha mais o que fazer. E vi esse problema quando estava na AppDynamics, todos os clientes estavam lutando com isso, tanta ineficiência na engenharia de software. Então, pensei: vamos construir uma startup para resolver esse problema. E quando você está fazendo uma empresa pela segunda vez, algumas coisas são mais fáceis. Na primeira vez que estava captando recursos, era muito difícil conseguir o primeiro investimento. Demorou cerca de 30 “nãos” de venture capitals antes de conseguir meu primeiro investimento. Quando comecei a segunda empresa, foi diferente. Desta vez, 30 VCs estavam batendo na minha porta, dizendo: “Pegue nosso investimento, pegue nosso investimento.”
Como foi antes da AppDynamics? Você trabalhou em outras startups?
Eu fiz faculdade na Índia e estava fascinado pelo Vale do Silício. Naquela época, não havia muitas startups na Índia, então vim para os Estados Unidos. Trabalhei em três startups diferentes antes de começar a minha própria empresa. Das três, duas fracassaram e uma foi muito bem-sucedida. Então, você acaba aprendendo com todas elas.
Quais lições você tomou das startups que falharam e da que foi bem-sucedida?
Na primeira startup, as pessoas que começaram a empresa eram alguns dos engenheiros mais inteligentes, com doutorado no MIT e em Stanford, das melhores universidades. Eles estavam construindo tecnologia realmente boa. A lição que aprendi foi que ninguém se importa com tecnologia, as pessoas se importam com o problema que está sendo resolvido. A empresa falhou porque estávamos construindo uma tecnologia muito complexa e legal, mas ninguém realmente se importava com ela, o problema não era real. Na segunda empresa em que trabalhei, o início foi bom, mas depois eles pararam de inovar. E eu diria que a lição ali é que, como startup, você precisa estar constantemente inovando. Você pode ser bem-sucedido no início, mas se perder a inovação, em um ano alguém estará à sua frente. Na terceira startup, eles foram mais bem-sucedidos. A empresa foi vendida por US$ 400 milhões. A lição que aprendi lá foi que eles tinham um produto realmente bom, mas também fizeram um bom trabalho na construção de um time comercial. Para mim, essa foi uma boa lição aprendida: um bom produto não é suficiente, você também precisa construir uma ótimo time comercial e combiná-los.
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Inovação constante e gestão de pessoas
Como manter uma inovação constante?
Na Harness, criamos um modelo que eu chamo de “startups dentro de uma startup”. Portanto, a Harness é uma startup, mas quando você constrói novos produtos, eu peço a todos que vejam isso como se fossem uma nova startup dentro da Harness, como uma pequena startup. Isso funciona muito bem porque damos a eles propriedade e responsabilidade para construir esses produtos. E é importante porque 40% do faturamento vem de vender novos produtos a clientes existentes.
A independência é importante para o funcionário?
Muito. Minha filosofia é que você deve contratar as pessoas mais inteligentes que pode encontrar, mas depois deve dar a elas independência. Se você contratar as pessoas mais inteligentes e não der a elas independência, qual é o sentido? A única coisa é que, se você der liberdade às pessoas, também deseja um certo nível de responsabilidade. Portanto, acreditamos que a responsabilidade vem da transparência, você cria uma cultura muito transparente, onde tudo é visível e está aberto para todos verem.
Como está a aposta no Brasil
Como está a atuação da Harness fora dos Estados Unidos?
Vendemos e temos clientes em cerca de 40 a 50 países atualmente, e queremos expandir mais no mercado internacional, fora dos EUA, especialmente nos mercados da América Latina. Acreditamos que o Brasil é a maior oportunidade, pois há muitos desenvolvedores de software. Analisamos muitos dados sobre onde os desenvolvedores de software estão, e o Brasil está muito bem posicionado. O Brasil está entre os dez primeiros países em número de desenvolvedores de software no mundo. Portanto, se você tem tantos desenvolvedores de software entre os dez primeiros países do mundo, é um mercado muito interessante.
Quais os desafios e aprendizados
A Harness já é avaliada em 3,7 bilhões de dólares, algo visto como bem-sucedido. Mas ainda há desafios a serem contornados?
Se você olhar para qualquer startup, mesmo que pareça uma empresa bem-sucedida, sempre há alguns desafios internos. Minha teoria é que cada empresa tem 10 aspectos principais, como produto, concorrência, gestão de capital, mercado internacional, marketing, cliente. E a qualquer momento que você analisar essa empresa, sete coisas estão indo bem e três, não. O importante é você estar trabalhando para resolver esses três pontos que não estão indo bem. Provavelmente, quando você resolver estes, outros três pontos irão aparecer. Como CEO, você precisa continuar olhando para o que está indo bem e o que precisamos melhorar.
Do seu tempo na Appdynamics, o que replicou na Harness e o que percebeu que não deveria fazer igual?
É importante aprender lições com a Appdynamics, mas também precisei ter cuidado. Nem tudo se aplica em todas as situações. Às vezes, as pessoas cometem o erro de, se você é um empreendedor pela segunda vez, achar que algo que funcionou ou não funcionou bem na primeira vez vai acontecer da mesma forma na segunda vez, e isso é um erro. Quando penso na Appdynamics, as principais lições que aprendi foram sobre inovação constante. Estávamos construindo um produto atrás de outro e crescendo a receita porque estávamos criando muitos produtos. Comecei o conceito de “startups dentro de uma startup” na Appdynamics. Também aprendi a construir a cultura certa na empresa. É uma cultura centrada no cliente, focada constantemente na inovação e que chamamos na Harness de “get ship done”, ou seja, mova-se rapidamente. Muitas vezes, as pessoas ficam apenas pensando, pensando, pensando, mas não tomam nenhuma ação. Para nós, é uma cultura de agir e fazer algo, mesmo que não seja perfeito.
A vida além da Harness
Você tem alguma outra iniciativa além da Harness?
Sim, tenho duas outras iniciativas. Comecei outra empresa que é menor que a Harness no momento, chamada Traceable, que atua na área de cibersegurança. Também tenho uma empresa de venture capital. Eu estive do outro lado como empreendedor e fiquei um pouco frustrado com a forma como os investidores ajudam os empreendedores. Nós entendemos que onde os empreendedores mais precisam de ajuda é no início. Nesse estágio, você precisa descobrir como usar uma ou duas pessoas para iniciar a empresa. Então passamos, além de oferecer o capital, a fornecer mentoria. Quando investimos em empresas, oferecemos ajuda muito organizada sobre como recrutar equipes, como fazer marketing, como encontrar os primeiros clientes, como encontrar o ajuste do produto com o mercado, e ajudamos os empreendedores a fazerem isso.
Que conselho você gostaria de ter ouvido quando começou a sua jornada empreendedora?
Quando estava começando no meu primeiro emprego, tive um gerente muito bom, e um conselho que me deu foi sempre tentar encontrar algo em que você possa se destacar. Em que área você poderia ser realmente bom? Então, esse é um conselho que gosto de seguir: não faça coisas em que você não possa se destacar. Se você puder se destacar em algo, é onde você pode criar muito valor, ter muita satisfação. Muitas pessoas dizem “faça algo que ame”. Eu digo “faça algo que você sabe que pode ser bom”.
Fonte: exame