O temor vem depois de uma “dica” dada na decisão de Barroso: o ministro alertou que Legislativo e Executivo aprovaram a lei sem viabilizar o financiamento das despesas pelos governadores e prefeitos.
“No fundo, afigura-se plausível o argumento de que o Legislativo aprovou o projeto e o Executivo o sancionou sem cuidarem das providências que viabilizariam a sua execução, como, por exemplo, o aumento da tabela de reembolso do SUS à rede conveniada. Nessa hipótese, teriam querido ter o bônus da benesse sem o ônus do aumento das próprias despesas, terceirizando a conta”, escreveu o ministro na sua decisão, publicada no domingo. Ontem, ele liberou o tema para julgamento no plenário virtual do STF. A votação terá início na próxima sexta-feira, com duração de cinco dias.
Há o receio de que o processo possa caminhar no sentido de obrigar a União a reajustar a tabela do SUS ou adotar outra ação que acarrete um custo maior para os cofres do Executivo federal.
Segundo o Estadão/Broadcast apurou, o impacto para a União do estabelecimento do piso seria “insignificante”, de cerca de R$ 4 milhões, uma vez que, em geral, os servidores da União já recebem acima do valor mínimo estabelecido. Já no caso de Estados e municípios, a repercussão é significativa, de cerca de R$ 6 bilhões.
AGU EM AÇÃO. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, vai se encontrar hoje com Barroso na tentativa de reverter a decisão do magistrado. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, também afirmou que a Advocacia-Geral da União vai defender o piso no Supremo.
“Obviamente, as questões judiciais precisam ser respeitadas, mas o governo do presidente Bolsonaro vai defender o seu ato, a lei sancionada. A AGU vai promover a defesa daquilo que foi decidido pelo governo, e nós estaremos acompanhando esse processo judicial”, disse ele, em um vídeo publicado nas redes sociais.
Na equipe econômica, a culpa pela confusão é atribuída ao Legislativo, que aprovou o projeto sem indicar como seria o financiamento da despesa. Em ano eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro – que poderia ter vetado o texto – não quis arcar com o custo da medida impopular, e a lei acabou vigorando sem que Estados e municípios tivessem indicações claras de onde sairia o dinheiro.
Na decisão, Barroso atendeu a um pedido da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), que alegou que o aumento de custo da folha de pagamento geraria risco de demissão em massa nos hospitais.
Estados falam em profundo problema com orçamento de 2023
O presidente do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz), Décio Padilha, afirma que os Estados terão um “profundo” problema de despesa a descoberto no começo de 2023. Ao Estadão, Padilha adverte que a aprovação da lei que criou o piso nacional de enfermagem agrava o quadro fiscal para o financiamento das políticas públicas nos próximos anos.
Secretário de Fazenda de Pernambuco, o presidente do Comsefaz diz que o quadro hoje é de desequilíbrio do chamado pacto federativo, em razão do aumento das despesas na contramão da redução das receitas. “Um problema para aumento desse desequilíbrio é se criar pisos de categorias sem dizer de onde virá a fonte de recursos”, critica o secretário.
O pacto federativo representa um conjunto de regras previstas na Constituição de 1988 que determina as obrigações, as leis, a arrecadação de recursos e os campos de atuação da União, dos Estados e dos municípios. Por exemplo, o pacto define como os tributos arrecadados pela União serão distribuídos entre os três níveis de governo.
Padilha destaca dados do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) que indicam um impacto de R$ 27,3 bilhões aos Estados, Distrito Federal e municípios com o novo piso. O levantamento do custo considera o gasto envolvendo todos os profissionais que atuam no Sistema Único de Saúde em serviços que estão sob gestão municipal e estadual.
CARTA. Os números foram encaminhados pelo presidente do Conass, Nésio Fernandes, em carta ao ministro da Economia, Paulo Guedes, com cópia para o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. No documento, os Estados cobram do Ministério da Economia que aponte a fonte de recursos a ser utilizada para arcar com essa nova despesa.
Ainda no texto, o presidente do Conass cita que os Estados aplicaram em ações e serviços públicos em saúde 13,6%, em média, de sua arrecadação em 2021, o correspondente a R$ 84,7 bilhões, sendo R$ 11,4 bilhões acima do mínimo constitucional. Já os municípios aplicaram uma média de 22,9% da sua arrecadação, totalizando R$ 116,6 bilhões – R$ 40 bilhões acima do mínimo constitucional.
“De onde virá o recurso para suportar? Ninguém é contra o piso, mas é preciso que o Congresso diga de onde vem a receita quando criar uma despesa”, critica o presidente do Comsefaz. “Já tem piso de fisioterapia, e não para mais.”