Crise no Oriente Médio reflete disputa entre potências emergentes e forças hegemônicas
“Pessoalmente, considero que há em curso, mesmo que muito longe do interesse da mídia mainstream, um enfrentamento de longo prazo entre uma potência ocupante, Israel, e uma população submetida a uma ocupação ilegal se tomamos em consideração o direito internacional”, explica Bissio.
“Portanto, primeiro, considero que devemos falar de um enfrentamento de Israel com o povo palestino, ao qual lhe nega a possibilidade de lutar pela sua soberania, e não uma guerra com o Hamas, mesmo que, neste momento, esse grupo seja, dentro de um contexto palestino diverso, com vários grupos que, inclusive, estão na resistência, o que está em evidência.”
“O caso que me vem à memória é o caso, por exemplo, da Argélia. A Frente de Libertação Nacional da Argélia negociou ou tentou negociar com a França por todos os meios. Mas no momento que se convenceu que a França jamais abandonaria a Argélia, se não fosse obrigada a isso, a Frente da Libertação Nacional decidiu optar por tomar as armas e defender os seus direitos com as armas”, explica a especialista.
Por que os EUA são o principal aliado de Israel?
Podemos chegar a uma terceira guerra mundial?
“As guerras mundiais do século XX não acredito que tenham uma nova versão no século XXI, tal qual elas foram, ou seja, de uma formalização de um estado de guerra, com o momento inclusive que essa guerra se declara vencida por uma das partes e, portanto, o perdedor reconhecendo que foi derrotado. Esse modelo eu não acredito que estejamos preparados ou que venha a acontecer novamente agora no século XXI”, explica a professora.
Oriente Médio é palco de guerras por procurações?
“Nesse sentido, talvez não seja a melhor metáfora falar em uma nova Guerra Fria ou Guerra Fria 2.0, mas serve para entender que há um confronto, sim, a nível internacional, onde estão enfrentados de um lado os que querem manter o seu poder hegemônico e de outro lado os que entram e tentam se fortalecer para questionar esse poder hegemônico”, argumenta.
“Acho que em 2024, quando o BRICS começar a mostrar essa nova configuração, que foi definida e que começa agora no início de janeiro, essas novas configurações passarão a estar mais evidentes para o resto do mundo e a mídia voltará então a se reposicionar. A mídia mainstream, que sempre é muito alinhada com a geopolítica dos interesses dos Estados Unidos, certamente vai se reconfigurar.”
O que dificulta a paz entre palestinos e israelenses?
EUA e Israel, uma aliança incontestável
“Desde pelo menos o final dos anos 1960, EUA e Israel têm consolidado uma ‘aliança especial’. A partir da vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967, que resultou na ocupação militar israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, os EUA passaram a identificar o Estado israelense como um grande parceiro estratégico no Oriente Médio. Essas relações se tornaram mais estreitas nos anos 1990, com o fim da Guerra Fria, e mais especiais ainda a partir de 2001, após os ataques terroristas às torres gêmeas no 11 de setembro e o início da guerra global ao terror no Oriente Médio, liderada pelos EUA e apoiada por Israel”, explica.
Oriente Médio, uma região de conflitos constantes?
“O fato de a guerra no Iêmen não gerar cobertura internacional responde às perspectivas orientalistas de que o que acontece no Oriente Médio é ‘normal’, que aquela região está fadada ao conflito contínuo e de que a sua população é bárbara e não merecedora de comoção. Por muito tempo, a situação dos palestinos também esteve sob essa ótica, mas o 7 de outubro, infelizmente por motivos tristes, trouxe à tona novamente a questão palestina, transformando-a em pauta internacional. O Iêmen e tantos outros conflitos, como no Sudão, ainda permanecem na ignorância de boa parte da população mundial.”
Fonte: sputniknewsbrasil